A economista Clarissa Lins e seu sócio na consultoria Catavento, Leonardo Bastos, aceitaram o desafio do IBP de olhar o mercado de petróleo e gás para os próximos anos e apontar tendências.
Não é uma tarefa fácil, é claro. Clarissa conta que as empresas associadas ao instituto demonstraram muito interesse em entender como será o mundo comandado pela Geração Y, que será um consumidor cada vez mais exigente e não necessariamente disposto a pagar mais pelo que cobra. O estudo traz reflexões sobre o que está acontecendo no mundo e o que pode acontecer no Brasil e mostra que as petroleiras precisam olhar cada vez mais localmente para as suas atividades.
Clarissa Lins recebeu a Brasil Energia Petróleo logo após o anúncio feito pela Statoil da criação de um fundo de investimentos com US$ 200 milhões para pesquisas em energias renováveis. A consultora alerta que as petroleiras não estão abandonando o setor, mas terão que mudar para garantir o sucesso que conseguiram nos últimos 50 anos. “A postura do CEO é determinante para que a empresa de fato se abra para uma conversa maior”, comenta.
As petroleiras estão abandonando o barco e vão investir em energias renováveis?
Não. De forma alguma. As empresas de óleo e gás ainda têm muito trabalho e muitos desafios pela frente. O que está posto é a necessidade de atender a várias demandas da sociedade e, às vezes, demandas novas. A principal delas é uma energia menos intensiva em carbono. As petroleiras que entenderem e capturarem essa demanda mais rapidamente estarão melhor posicionadas para lidar com esses desafios.
Então ainda há espaço para a energia vinda de combustíveis fósseis…
Sim. Mas há uma demanda latente por inovação e tecnologia para que as emissões sejam mitigadas. As petroleiras têm um papel nisso e devem ter, por conta de toda capacidade de desenvolvimento tecnológico, mas há também espaço para novas fontes energéticas.
Mas a queda no preço do petróleo pode atrapalhar essa entrada de novas fontes?
Talvez coloque um pouco mais de dúvida sobre a velocidade. Mas não muda a direção. A direção está dada. Mas não são energias que hoje consigam atender a demanda do mundo. Claramente as energias fósseis têm seu papel garantido.
As petroleiras estão entendendo esse novo mundo?
Aqui no Brasil, o IBP contratou esse estudo, percebendo necessidade de trazer informação para as empresas. É um sinal claro que o IBP entende que o setor energético está em transição e existe uma demanda da sociedade para que outras alternativas tenham espaço. Na Europa há um nível de conscientização muito maior. Lá existem investidores que cobram isso. Existem governos que cobram isso. E tem os EUA com visões diferentes. Por um lado, alguns investidores se posicionando pedindo esclarecimento sobre as opções energéticas e suas consequências e as empresas muito refratárias. As empresas americanas estão menos proativas nessa direção.
Shell e Statoil podem liderar esse movimento?
São as empresas que estão mais abertas para conversar com diversos atores sobre essa necessidade de adaptação. Essas empresas querem ouvir vozes que falam outra língua. Elas estão se preparando para um mundo diferente.
As demais petroleiras vão acompanhar esse movimento?
O setor de energia é mais conservador. Depende muito de alguns fatores. A postura do CEO é determinante para que a empresa de fato se abra para uma conversa maior. O arcabouço regulatório nos países tem que favorecer. É preciso ter regras claras. E as políticas climáticas e compromissos globais. Tem uma frase famosa do Ben Van Beurden: mais do que o preço do petróleo, as políticas energéticas serão influenciadas pelas políticas climáticas. Os executivos que não entenderem esses fatores não conseguirão replicar o sucesso que as empresas tiveram, daqui pra frente. Agora, cada empresa tem seu ritmo e sua realidade. As empresas já entenderam que o mundo dos próximos 50 anos será diferente.
Qual deverá ser o papel do gás natural neste mundo em mudança?
O gás certamente oferece benefícios de menor intensidade de carbono. O gás pode vir a oferecer soluções. Me parece que essa é uma direção a ser seguida, sobretudo deslocando o carvão para a geração de energia. Na questão do transporte, ainda está em um estágio menos maduro. Deve ser um pouco mais longo.
E como serão as petroleiras em 2040?
Muito mais conectadas com o consumidor final do que hoje. Entendendo qual é a sua demanda. Mais próximas da sociedade. Muito mais próximas dos governos locais. Tradicionalmente as petroleiras são próximas dos governo centrais. O CEO da Shell, Ben Van Beurden, esteve várias vezes com a presidente Dilma Rousseff nos últimos anos. Não sei quantas vezes ele esteve com os prefeitos ou o governador. Existirá uma mudança do eixo. E serão empresas abertas a inovações e para soluções em escala menor.
Como fazer isso num mercado globalizado como o petróleo?
Não vão poder abrir mão de ser um ente geopolítico. É uma indústria que vai muito além das fronteiras naturais. Mas será importante somar credenciais para poder dialogar mais localmente. Não é substituir. É somar expertises.
E não é possível continuar igual?
Não tem como.
A tendência é que as petroleiras sejam cada vez mais empresas de energia?
Qualquer empresa integrada de óleo e gás, que tem a pretensão de ser relevante para a sociedade nos próximos 50 anos, está procurando entender de que forma vai fazer as parcerias necessárias para prover soluções de energia. Não sei dizer se as empresas vão fazer isso sozinhas. Talvez não. Mas certamente serão empresas muito mais de energia do que de óleo e gás.
As petroleiras não tem hoje diálogo com o consumidor final. É o principal desafio que vem por aí?
Não é apenas com um ator que será necessário dialogar. O consumidor é importante. O investidor é importante. O parceiro tecnológico.
E qual é o perfil desse consumidor?
É um consumidor muito mais tecnológico e urbano. A tecnologia vai fazer ele poder controlar o uso da sua energia. É um consumidor que está disposto a entender de onde vem essa energia. E que não abre mão da qualidade do fornecimento. É o mais exigente de todos e não necessariamente está disposto a pagar mais.
A transparência vai ser fundamental então.
Esse é um ponto fundamental. Cada vez mais esse cidadão urbano vai cobrar. As empresas terão que ser muito mais transparentes do que são hoje.
A capacidade de pesquisa e desenvolvimento da indústria de óleo e gás vai fazer a diferença nessa transição?
Tem que fazer. É uma quebra de paradigma. A indústria precisa da precificação do carbono para equalizar os projetos e deixar que o mercado encontre as soluções necessárias.
É possível imaginar que a sociedade exija um mundo sem combustíveis fósseis em algum momento?
O G-7 tem um desejo de descarbonização completa até 2100. A sociedade vai exigir soluções energéticas cada vez menos intensivas em carbono.
Mas é possível ter combustíveis fósseis menos intensivos em carbono?
Tem algumas correntes que dizem que na tecnologia de CCS, ao sequestrar e armazenar o carbono, ela descarboniza a fonte. Que outras soluções podem existir com a precificação? A sociedade exige soluções energéticas menos intensivas.
Abrir o mercado é fundamental para isso, não?
O mercado mais aberto é mais saudável. Torna a eficiência o grande vetor do crescimento. O ambiente mais propício para inovação faz surgir coisas novas que não estão no nosso radar.
O Brasil recuou nessa transição com a descoberta do pré-sal?
Recuou quando houve a decisão de parar os leilões e deixar de conceder à Petrobras o benefício de fazer parcerias e escolher suas áreas. Não tenho dúvida. Mercado fechado não favorece a inovação. O pré-sal é um avanço. A decisão do governo de fechar o país é que precisa ser mudada. Foi um desserviço. Um atraso na nossa vida.
A entrada de novos atores pode trazer recursos para o Brasil fazer essa transição?
Sim. Essas empresas geram recursos para P&D, novas ideias, novos modelos de negócios. Aspectos saudáveis para o crescimento da indústria.