Sem marinha mercante na navegação de longo curso, o Brasil depende das linhas internacionais para exportar e importar
Os principais armadores que fazem o transporte de contêineres no longo curso com a Costa Leste da América do Sul anunciaram aumento de fretes válidos a partir deste mês. A maioria dos reajustes incide desde 1º de abril. Os aumentos variam em cada serviço, mas, no geral, atingirão as maiores rotas com as quais o Brasil comercializa: Europa e Ásia.
Para usuários do transporte, o empenho do governo em baixar custos portuários para tornar o comércio exterior brasileiro mais competitivo poderá ter efeito limitado. Sem marinha mercante na navegação de longo curso, o Brasil depende das linhas internacionais para exportar e importar.
Os armadores, por sua vez, afirmam que não se trata de reajuste, mas sim de recomposição de preços em busca de rentabilidade no negócio, após perdas bilionárias em razão da crise mundial.
“Os ganhos que teremos com a redução de custos portuários que a MP 595 promete podem ser anulados por conta dos fretes, mas infelizmente o governo não tem o que fazer. É a lei de mercado”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Atuam na Costa Leste da América do Sul na navegação de longo curso mais de 20 empresas estrangeiras. Em 2012 elas movimentaram 5,59 milhões de Teus (contêiner de 20 pés) cheios. Quase 65% da movimentação está centrada nas mãos de cinco companhias – todas anunciaram aumentos em alguma rota que escala os portos brasileiros, dominantes nos tráfegos sul-americanos.
A alemã Hapag Lloyd é a recordista. Aumentará o valor em dez rotas de serviços que envolvem o Brasil. O maior ajuste será para o contêiner transportado do Norte da Europa para a América Latina: US$ 520 por Teu. No caminho de volta, a correção do armador também é a mais alta: US$ 400.
Os serviços com o Extremo Oriente – a rota mais movimentada – também sofrerão altas. Maersk Line, Hapag Lloyd e a francesa CMA CGM corrigiram em US$ 500 o Teu do Extremo Oriente para a América Latina.
Apenas a CMA CGM comentou o aumento. Marc Bourdon, diretor-geral da companhia no Brasil, disse que o reajuste do frete da Ásia para o Brasil é justificado pelos resultados “muito difíceis nessa rota em 2012 e que continuam atualmente”. Segundo ele, apesar de uma melhora durante o ano passado, “é importante continuar melhorando o nível de rentabilidade para retornar a uma situação econômica saudável que justifique os investimentos”.
A Hamburg Süd, líder nos volumes brasileiros de longo curso, aplicou aumento de US$ 200 por Teu na rota entre o Norte da Europa e a Costa Leste da América do Sul. Na MSC, segunda no ranking brasileiro, a correção será de US$ 260 a partir do dia 15. A MSC atendeu ao pedido de entrevista.
O diretor-superintendente da Hamburg Süd no Brasil, Julian Thomas, diz que os aumentos não são coordenados. “O frete sobe ou desce de acordo com a lei de oferta e demanda, é um mercado bastante perfeito neste sentido”. Para Thomas, os US$ 200 são um aumento “bem modesto em face do que o frete caiu nos últimos anos e sobretudo ao aumento do preço do combustível”. O combustível é o principal custo em uma viagem de navio e está numa escalada galopante. Hoje, o preço da tonelada está em média US$ 600. “É muito alto, nada disso foi recuperado dentro dos fretes. São esses dois elementos que fazem o frete subir: o aumento dos custos e a demanda do mercado”, afirma Thomas.
Os novos valores integram uma rodada de correção em vários tráfegos. Mesmo sendo em âmbito global, os ajustes que envolvem o Brasil tendem a ter impacto maior na ponta da cadeia, entende a AEB. “O preço do produto final sobe. Subirá para todos os mercados, é verdade, mas o Brasil participa com pouco no cenário internacional e estamos longe dos centros consumidores, por isso tende a ser pior para o país”, diz Castro.
Segundo Fernando Martins, sócio da consultoria Bain & Company, o reajuste terá pouco impacto no produto brasileiro se acontecer de maneira uniforme em todas as geografias do mundo. “O problema é que há rotas com mais concorrência de armadores do que outras. As rotas entre Ásia e Europa, por exemplo, têm mais oferta de saídas do que entre a Europa e o Brasil. O armador vai ter mais dificuldade em subir o preço naquela rota do que na que escala o Brasil.”
Especialistas do setor afirmam que a indústria do transporte marítimo, em geral, e o setor da linha regular e transporte de contêineres, em particular, estão passando por período de transição desde a crise econômica global deflagrada em 2008. Michel Donner, assessor da consultoria Drewry, especializada em portos e navegação, diz que nos últimos cinco anos os armadores estão se adaptando a uma queda do crescimento da demanda simultaneamente ao excesso de capacidade em razão, em parte, das altas encomendas de embarcações feitas antes da crise.
“A queda dos fretes em geral, apesar de não ter sido linear em todas as regiões, foi violenta. O nível médio dos fretes na exportação de contêineres secos no Brasil, estava, em 2012, aproximadamente 10% abaixo do patamar de 2002”, disse em entrevista ao Valor.
Com raras exceções, os armadores de contêineres fecharam o ano no vermelho em 2009 e 2011. Segundo Donner, as perspectivas para este ano também não são muito boas. Portanto, diz, a recuperação dos níveis de fretes é vista hoje como indispensável e urgente para reestabelecer um nível de operações comercialmente sustentável, entre outras medidas de reestruturação da oferta de transporte.
A situação de algumas empresas é tal que ela têm optado por pagar multas a assumir encomendas de novos navios. Recentemente a Zim chegou a um acordo com o estaleiro coreano Samsung Heavy Industries para cancelar uma encomenda de cinco navios de 12.552 Teus. A negociação prevê uma opção para cancelar outras quatro embarcações em janeiro de 2014.