Vista como ameaça ao Mercosul, por sua capacidade de criar uma zona de livre comércio entre México, Peru, Colômbia e Chile, com uma população equivalente a do Brasil e 33% do comércio da região, a Aliança do Pacífico é, por enquanto, um projeto, ainda que em avançada negociação, apoiado por entusiasmada declaração de intenções de engajados chefes de Estado. E já assusta os empresários brasileiros. Eles veem na iniciativa aspectos que faltam na política comercial brasileira. Enquanto o Mercosul empaca em uma agenda de acesso a mercados típica do século passado, andinos e o México buscam seu lugar nas cadeias globais de produção.
Reunidos nesta semana em Cali, na Colômbia, os chefes de Estado dos quatro aliados comemoraram a entrada da Costa Rica na aliança e a adesão, como observadores, de sete novos países (entre eles o Paraguai, que se soma ao Uruguai, já observador). Também festejaram um acordo para dispensa de visto nas viagens entre eles – algo que o Brasil pode se vangloriar de já ter com todos. Anunciaram também um acordo que reduzirá a 90% as tarifas de importação entre si, num primeiro momento, com prazo “razoável” para liberar os 10% restantes – mas falta ainda negociar os detalhes. O prazo para o acordo, já adiado uma vez, é 30 de junho.
“Nossa preocupação é que não está em pauta, não se vê pronunciamento de nenhum dos ministérios no Brasil sobre o que acontece na Aliança do Pacífico, algo que ainda não reconhecemos”, desabafa o presidente do Centro Empresarial da América Latina (CEAL), Ingo Plöger. Ele e outros executivos brasileiros voltaram do último Fórum Econômico Mundial na América Latina impressionados com o entusiasmo dos empresários dos quatro países da Aliança. “Há uma dinâmica incrível, vontade política dos governantes e participação dos empresários”, descreve.
Brasil vê outros países conquistarem competitividade
Diferentemente do modelo da Organização Mundial do Comércio (OMC), as negociações da Aliança para o Pacífico têm maior senso de urgência: os acordos são assinados à medida que ficam prontos, sem esperar conclusão em todos os temas. Há 17 grupos de trabalho, com objetivos bem além do corte de taxas de importação. Discutem reconhecimento mútuo de certificações sanitárias e até propostas de liberalização de serviços em medicina, com permissão de atuação dos médicos de um país no outro.
Para Plöger, a falta de iniciativas no Mercosul capazes de polarizar as atenções como a Aliança do Pacífico mostra que o Brasil perde liderança nesse campo, e vacila na criação de uma agenda capaz de ampliar a ação das empresas brasileiras na região. Ele dá como exemplo a falta de acordos de bitributação com relevantes países sul-americanos, que obriga empresas brasileiras a criar holdings no Chile, com quem o Brasil tem acordo, se quiserem investir na Colômbia. Boa parte das conversas entre os países da Aliança do Pacífico trata exatamente da melhoria do ambiente de negócios entre os respectivos mercados.
“Eles estão com uma visão de que, ao ter um determinado ambiente institucional com características comuns, podem montar estratégias de captura de pedaços de cadeias de valor global”, descreve o diretor-executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes. “É um raciocínio diferente do que prevalece do nosso lado do continente, no Atlântico”, afirma.
Os aliados negociam, por exemplo, as chamadas “janelas únicas” de comércio exterior, que permitirão a exportadores e importadores realizarem transações entre os países buscando autorização em um só guichê. Também buscam regulamento único para cosméticos e farmacêuticos. Os quatro governos pretendem concluir um acordo de liberalização de serviços e proteção a investimentos até o fim de junho, incluindo o setor financeiro, transporte marítimo e aéreo, telecomunicações e serviços profissionais.
“Essas negociações vão engendrar um padrão de comércio e investimento na região que vai muito além das regras da OMC”, comenta o diretor-executivo do Ceal, Alberto Pfeifer. As novas normas tendem a criar vantagens comparativas na disputa por investimentos, acreditam os empresários. “Hoje, no comércio, o que mais importa são as regras não-tarifárias, na lógica do investimento de longo prazo”, diz Pfeifer, que reconhece a ameaça de extinção para as empresas menos competitivas, como as têxteis, nesses países.
Para José Augusto Fernandes, da CNI, há um lado positivo: o clima de negócios criado nos países da Aliança pode ser proveitoso para empresas brasileiras com planos de internacionalização. “Empresas como Natura e Gerdau já atuam na região”, lembra. “E o Brasil aproveita oportunidades de investimento em áreas de mineração e construção pesada no Chile, por exemplo, onde tem vantagem comparativa.”
A lógica no Mercosul, muito influenciada por concepções de substituição de importações, produção local e proteção de mercados, porém, parece, para os empresários, em descompasso com a tendência global de fragmentação das etapas de produção industrial.
É bom ter cautela nas comparações com os aliados do Pacífico. A exportação dos quatro países da Aliança à Ásia foi de US$ 71 bilhões em 2011, quase US$ 7 bilhões inferior às vendas do Brasil à região; já a importação de bens asiáticos, de US$ 155 bilhões, foi mais que o dobro das feitas pelo Brasil no mesmo ano. Os dados mostram como o Brasil vai bem na venda de commodities, preferidas pelos asiáticos, e como é bem mais fácil a países como México, Peru e Chile abrir-se à invasão de produtos do Oriente.
Muitos pontos da negociação ainda estão em aberto e o Brasil, que tem acordos de livre comércio com os andinos e tenta um de serviços com a Colômbia, não está obrigado a seguir exatamente o mesmo rumo dos governos excitados no litoral Pacífico. Mas precisa apontar uma alternativa viável a esse movimento, que deve criar uma zona dinâmica de comércio e investimentos capaz de abater ainda mais a competitividade de uma indústria mal abrigada pela barreira tarifária do Mercosul.