A siderurgia no país vive uma crise sem precedentes. Demanda interna estagnada e sem sinais de crescimento no curto prazo; as empresas não conseguem exportar por falta de competitividade e por encontrar excesso de oferta em regiões em crise, como Europa; as margens de ganhos das empresas vêm se definhando ano a ano; há fornos paralisados sem perspectivas de religamentos; os investimentos em novas capacidades foram suspensos; e o parque siderúrgico já opera com um nível de ociosidade na faixa de 30%. É um dos mais elevados do mundo.
Esse cenário foi apresentado por mais de duas horas esta semana, em Brasília, a dois ministros da presidente Dilma Rousseff – Guido Mantega, da Fazenda, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O objetivo era torná-los cientes do que consideram uma grave situação e esperar que algumas medidas, pelo menos as ligadas à defesa do mercado brasileiro de aço, sejam implementadas.
Do lado da indústria encabeçavam o grupo o empresário Jorge Gerdau, dono da maior companhia de aço do país e consultor do governo Dilma em assuntos de gestão, e Albano Chagas Vieira, presidente do conselho do Instituto Aço Brasil (IABr) e da Votorantim Siderurgia. Além de vários presidente de empresas, como a Gerdau, Usiminas e ArcelorMittal mais Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do IABr.
A siderurgia do Brasil, à parte os problemas peculiares que enfrenta, como o câmbio desfavorável há anos, falta de crescimento do consumo interno, carga de impostos e de custos bem acima dos seus concorrentes, não é uma exceção, disse ao Valor Mello Lopes.
A crise no setor será tema de discussão em encontros organizados pelo do Comitê do Aço da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, (OCDE) que reúne 34 países, nos dias 1 e 2 de julho na capital francesa. E o Brasil já tem garantida a presença de um representante.
O consumo interno de produtos siderúrgicos no Brasil patina no mesmo ritmo do PIB. Cresceu 1% no ano passado e assim caminha em 2013. “Nossa previsão de crescer 5% a 6% neste ano não vai mais acontecer. Já estimamos algo na casa de 2,5%, depois do esfriamento da economia de janeiro e maio”, disse Vieira, dirigente do IABr, ainda com leve otimismo.
A situação das siderúrgicas, que amargam perdas há vários trimestre, levou ao desabafo de um dos líderes do setor durante recente encontro, segundo relatou uma fonte ao Valor. “Eu produzo aço rigorosamente igual há mais de dez anos, nada mudou. Antes eu ganhava dinheiro e agora não. O que houve?”. Os resultados operacionais de Gerdau, CSN, Usiminas e ArcelorMittal, no negócio aço vêm emagrecendo cada vez mais. As margens de ganhos que até superavam 40% antes de 2008, ficaram no passado.
A Mantega e Pimentel, além das questões internas, que vão do câmbio, elevada carga tributária e continuo processo de desindustrialização, afetando a cadeia industrial de consumidores de aço, foi destacado o excesso de oferta de aço no mundo, um temor para os fabricantes locais. “Neste ano, já vai passar de 600 milhões de toneladas de capacidade excedente e isso tende a se agravar até 2015 com a entrada prevista de mais 200 milhões de toneladas de novas usinas na China, Índia e países do Oriente Médio e Norte da África”, afirma Mello Lopes. A questão é que o consumo mundial cresce menos que 3% (ainda puxado pela China) e a oferta sobe acima de 3,5% ao ano. “Até lá, esse excedente poderá piorar”, disse.
O maior receio vem de Pequim, pois a desaceleração da economia chinesa pode levar as usinas locais a ampliarem cada vez mais a desova de aço excedente para o Ocidente, como já fazem nos EUA, Europa e América Latina. A China já faz 49,5% do ano no mundo, no ritmo de 750 milhões de toneladas. “Quando a demanda interna cai, o governo dá incentivos à exportação, o ‘Tax Rebate’, que varia de 9% a 17%”, afirma Vieira. E a medida é imediata.
O problema, diz, é que todas siderúrgicas do país são estatais, dominadas por governos provinciais, que, sem compromisso com lucro, resistem em fechar usinas e desempregar milhares de pessoas. Até maio, das importações brasileiras de aço direto, 41% veio da China. Mas também da Rússia, Coreia do Sul, Taiwan e Turquia.
Estudos de uma consultoria internacional de renome apontam que, para o setor voltar a operar dentro de “um padrão de normalidade”, seria necessário o corte de 300 milhões de toneladas do excedente que há hoje. “Quem será o primeiro a fazer isso?”, pergunta Vieira, pois 65% da produção mundial é atualmente estatal.
Outra fonte de preocupação vem da desindustrialização, com o aumento da entrada indireta – aço contido em automóveis, autopeças, máquinas e equipamentos e bens de linha branca. Neste ano, a projeção já indica quase 6 milhões de toneladas, segundo o IABr. O volume é equivalente à capacidade da usina da CSN.
Um fato que talvez os empresários do setor não atentaram é que, neste momento, o governo está centrado em duas grandes preocupações, ou três, incluindo o câmbio: controlar a inflação e atender os pedidos das manifestações populares que chacoalharam o país nas últimas semanas.