Na disputa pelo óleo do pré-sal a China busca segurança energética

  • 14/10/2013

A participação de três estatais chinesas na disputa pelo campo de Libra, no pré-sal de Santos, é prova do apetite gigante dos chineses pelo setor energético brasileiro. A presença maciça na competição por um contrato no pré-sal também demonstra que ainda há espaço para a chegada de mais investimento no país, mesmo após as estatais chinesas já terem investido US$ 18,3 bilhões nos setores de petróleo e energia do Brasil entre 2005 e 2012, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE).

Das quatro grandes estatais que operam no setor de petróleo, três estão habilitadas para disputar Libra. Apenas uma, a China Petroleum & Chemical Corporation (Sinopec), já tem ativos, enquanto a China Petroleum Corporation (CNOOC) e a China National Petroleum Corporation (CNPC) ainda não são concessionárias de nenhuma área. Outra grande, a Sinochem, é sócia da Statoil na Bacia de Campos, mas não se credenciou para o leilão.

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A vinda para a América Latina atende o propósito de diversificar as fontes de suprimento de energia. Em 2012, a China consumiu 10,2 milhões de barris/dia de petróleo em 2012, volume 5% maior que o consumo de 2011. Um recente estudo da AIE sobre os investimentos em energia e a transferência de tecnologia entre Brasil e China observa que na última década as relações entre os dois países se intensificaram. E em 2009 o gigante asiático se tornou o mais importante parceiro comercial do Brasil.

A agência aponta os recursos fósseis que o Brasil tem e a China precisa como “a mais óbvia complementariedade” entre os dois países. Mas, afirmam os autores do estudo, “apesar dos acordos de cooperação e apoio político de alto nível para transferência de tecnologia, a Petrobras é relutante em envolver as estatais chinesas no desenvolvimento do pré-sal brasileiro”.

Até o momento, a Sinopec e a Sinochem investiram US$ 16,2 bilhões comprando participação em empresas produtoras de óleo ou blocos exploratórios no Brasil. O volume poderia ter crescido em US$ 1,54 bilhão, se a Shell e a indiana ONGC não tivessem barrado a entrada da Sinochem nos campos explorados na Bacia de Campos no chamado Parque das Conchas, cuja participação a Petrobras colocou à venda.

Os chineses estão entrando devagar na exploração do pré-sal por meio de aquisições bilionárias de participação minoritária, pela Sinopec, em empresas criadas no país pela espanhola Repsol e a portuguesa Galp, que tinham exposição a essa área. Com as aquisições, a Sinopec já tem participação em alguns gigantes do pré-sal como os campos de Lula, Guará, Carioca, Cernambi, Bem-Te-Vi, Caramba e Júpiter.

O objetivo das estatais chinesas, observam a AIE e a consultoria IHS, é aumentar sua experiência na exploração e produção em águas profundas, mas a agência constata que o envolvimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no arcabouço desses investimentos é limitado à área petroquímica em vez da tecnologia estratégica.

Ao partilharem da produção de Libra, caso alguma delas participe do consórcio vencedor, será diferente. A China terá acesso direto a uma parte do petróleo produzido no maior campo descoberto na área até agora. Ainda não está claro quanto da tecnologia será repassada pela Petrobras, que é, pela legislação, a operadora única.

Rodrigo Vaz, diretor da área de óleo e gás da consultoria IHS no Brasil, destaca que a estratégia das chinesas visa à segurança energética de seu país e a criação de empregos, abrindo também oportunidades para outras empresas prestarem serviços complementares à produção, sem mencionar a absorção de tecnologia de produção em alto mar.

“É comum que eles façam grandes empréstimos a países produtores de petróleo, e em troca tenham a garantia de que receberão o pagamento em barris de óleo a preço de mercado. Isso já ocorreu anteriormente e pode ser feito novamente nas negociações dos leilões do pré-sal”, diz Vaz.

Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) acha que a Petrobras não tem recursos financeiros, técnicos e operacionais para cumprir todas as suas obrigações no pré-sal e em outras áreas. Para ele, se mantidas as regras atuais de elevado conteúdo local e participação mínima de 30% no pré-sal com poder de veto da PPSA, há risco de desaceleração do crescimento da produção brasileira de petróleo e gás.

“Outro movimento que temos visto é que as empresas estatais de petróleo chinesas aceitam pagar um prêmio para obter participação em ativos de produção de petróleo”, afirma Vaz. “A estratégia de pagar esse sobrepreço faz sentido, se fizermos a conta de quanto custa o barril produzido nos diversos campos que eles têm participação, e quanto estará custando o barril a preço de mercado com as turbulências e instabilidades políticas noticiadas nos países da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, diz ele.

Um executivo brasileiro com experiência em negócios com a China há mais de uma década aposta que os estaleiros chineses vão lutar para construir as 13 plataformas que serão encomendadas pela Petrobras para produzir o petróleo de Libra. “Eles querem energia e vender os produtos das empresas deles. E como sócios podem se beneficiar do fato de não ser possível atender às regras de conteúdo local para produzir aqui compressores e turbinas, por exemplo”, diz o executivo, que não quis ser identificado.

Na América Latina, a Venezuela ainda é o maior fornecedor de petróleo para os chineses. Recentemente, a estatal venezuelana PDVSA informou que suas exportações de petróleo para a China e Índia alcançaram 640 mil barris e 430 mil barris por dia, respectivamente. Já a Petrobras, maior produtora do Brasil, importou 465 mil barris/dia no primeiro semestre de 2013, segundo dados do balanço.

Segundo Vaz, da IHS, o Brasil entrará na lista de dez maiores fornecedores da China, mas os principais continuarão sendo os países do Oriente Médio e Ásia, lembrando que a Austrália também projeta aumento significativo da produção nacional, tendo a China como principal mercado.

Vaz diz que seria “salutar” para o Brasil não depender apenas da China para exportar petróleo. Cita como exemplo o aumento das importações de gás por aquele país nos últimos anos, que levou grandes produtores a dimensionarem sua capacidade produtiva a essa demanda. “Mas uma ruptura grande, como no caso por exemplo da China desenvolver seu próprio abastecimento através de fontes não convencionais de gás, poderia mudar a imagem do futuro abastecimento”, afirma.

Fonte: Valor – Cláudia Schüffner | Do Rio
14/10/2013|Seção: Notícias da Semana|Tags: |