Após terem aprovado o primeiro acordo comercial global em quase duas décadas, no sábado, em Bali, os 160 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) vão agora ter 12 meses de batalha para definir a agenda visando concluir a Rodada Doha. Bali era vista como crucial para manter a relevância da entidade e contrabalançar a crescente importância de pactos regionais e bilaterais de liberalização. “O acordo de Bali dá uma nova dinâmica e agora estamos convencidos de que vamos concluir a Rodada de Doha”‘, afirmou o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo.
O pacote de Bali envolve medidas de facilitação de comércio, agricultura (incluindo subsídios para segurança alimentar) e uma série de questões ligadas ao desenvolvimento de países mais pobres. Sua importância econômica não é negligenciável. O maior ganho vem do acordo de facilitação de comércio, que necessitará da ratificação de dois terços dos membros para entrar em vigor. Isso pode demorar pelo menos dois anos.
Os países voltam a Genebra para, a partir de janeiro, deflagrar o que alguns chamam da próxima “batalha”. Vários países querem incluir novos temas na agenda de negociação, como investimentos e concorrência. Os ricos, que saíram combalidos da crise, acham que países como Brasil, China, Indonésia, India não podem mais ter acesso a tratamento diferenciado pelas regras internacionais, e precisam assumir compromissos maiores. Isso significa mais pressão para cortar substancialmente as tarifas de produtos industriais, abrir mais o setor de serviços, compras governamentais e outros.
Para o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luis Alberto Figueiredo, é natural que alguns países acenem com questões novas. Mas avisa que é preciso tratar primeiro dos velhos problemas que persistem, como os gigantescos subsídios que distorcem o comércio agrícola internacional.
O Brasil defende desmontar ao máximo os subsídios agrícolas. Os EUA alvejam empresas estatais chinesas que negociam commodities. A União Europeia visa os subsídios embutidos em crédito à exportação dado pelos americanos. A agenda da Rodada Doha poderá ser reforçada tambem pela negociação sobre barreiras não-tarifárias, que se torna hoje um dos principais pesos do comércio internacional, mais do que tarifas.
A negociação do acordo de Bali teve momentos dramáticos, intervenção política, recuos, disputas entre negociadores do mesmo país e, no final, choro de alívio. A Índia dominou atenções com a ameaça de implodir um acordo, alegando que não abria mão do direito de dar subsídios para formar estoques visando a segurança alimentar. Anand Sharma, ministro do comércio da Índia era duro publicamente, mas flexível nas negociações com os Estados Unidos. No entanto, voltou atrás duas vezes no que tinha aceito ao consultar o governo em Nova Delhi.
O presidente da Indonésia, a chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro britânico David Cameron telefonaram para o chefe de governo indiano, Manmohan Singh, pedindo para evitar o fiasco na OMC. A negociação mediada por Roberto Azevêdo com a Índia e os EUA durou até 3h30 da manhã de sexta-feira, foi retomada às 9h e enfim concluída através de uma linguagem ambivalente pela qual os dois podem cantar vitória.
Na apresentação dos textos de compromisso, o ambiente de comemoração foi quebrado pela representante de Cuba. Os cubanos alegavam que não podiam aceitar um acordo de facilitação de comércio, quando o embargo dos EUA contra a ilha, que já dura 53 anos, faz com que um navio que para em Cuba não pode em seguida atracar em porto americano.
Na nova negociação, por quatro vezes Cuba aceitou proposta, e por quatro vezes recuou por causa de Venezuela, Bolívia e Nicarágua, seus parceiros da Alba, a Aliança Bolivariana para as Américas. Um acordo só foi alcançado às 8h30 da manhã do sábado. Naquele momento, China, Brasil e Rússia já tinham acionado Havana.
A cerimônia de encerramento, com quase um dia de atraso, foi rápida. E a frustração de quase vinte anos de fiascos se transformou em alegria quase juvenil.