A NR-34, norma regulamentadora que trata das condições e meio ambiente de trabalho na indústria da construção e reparação naval, tem diversas alterações previstas desde o ano passado. No entanto, por conta da burocracia no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), elas ainda não entraram em vigor. O fato tem atrapalhado o andamento do trabalho nos estaleiros e o Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) já pensa em denunciar a questão à Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O Sinaval está procurando o ministro para realizar esta assinatura. Se ele não promovê-la até o final de novembro, quando fará um ano da reunião, vamos fazer uma denúncia à OIT. Não queríamos isso, mas ficar um ano esperando uma assinatura por burocracia de mudança de ministro e secretário?”, diz o vice-presidente de Relações Industriais do Sinaval e coordenador da bancada patronal e equipe técnica da Comissão Nacional Tripartite Temática da NR-34, Marcelo de Carvalho. Até o fechamento desta edição, as modificações da norma ainda não haviam sido publicadas no Diário Oficial da União.
As alterações foram aprovadas pela Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT) e depois receberam aprovação em definitivo para publicação pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) em novembro do ano passado. Até agora as solicitações não foram publicadas em razão da troca de ministros, secretários e equipe de gestão do ministério. As modificações já aprovadas, mas que ainda não estão na norma, estão relacionadas à renovação de permissão de trabalho, emendas por sobreposição nos andaimes e inovação tecnológica para fixação das pranchas de andaimes.
Outra mudança diz respeito à qualificação dos trabalhadores que realizam testes de estanqueidade e a quente. Atualmente a NR-34 diz que esses trabalhos devem ser realizados por “profissional qualificado”. Como as escolas técnicas não conseguiam atender à demanda, o Sinaval chegou a estudar um projeto junto ao Senai para abrir escolas de qualificação dentro dos estaleiros. A ideia era que as unidades criassem o espaço e a instituição os abastecessem com orientadores, já que os estaleiros capacitam mas não qualificam o pessoal. Mas esse projeto também não aconteceu. Com a alteração da norma, o trabalhador deverá ser “capacitado” e para isso haverá a inclusão na norma da realização dos cursos básicos de Segurança em Teste de Estanqueidade e para Trabalhos a Quente.
Inicialmente acontecem as reuniões da CNTT com membros representantes do governo, empregadores e trabalhadores. As discussões aprovadas são levadas aos encontros da CTPP e posteriormente para a assinatura no ministério. Em reunião realizada no último mês de outubro, a Comissão Tripartite já elaborou novas mudanças que foram discutidas no último encontro da CTPP, que aconteceu em novembro passado. Entre elas está a criação de um anexo à NR-34 sobre fixação e estabilização temporária de elementos estruturais. Outra discussão diz respeito à “vinda” da NR-35, que trata de trabalho em altura, para NR-34. “Ela não vai deixar de existir. O trabalho em altura para indústria naval é contemplado dentro da NR-34, mas o que é de característica geral [na NR-35], que todos têm que atender, inclusive nós, virá para a NR-34 também”, explica Carvalho.
O coordenador destaca também que as normas regulamentadoras vêm ajudando na redução do número de acidentes e de interdições nos estaleiros. “Acidentes infelizmente acontecem, nosso trabalho é insalubre, mas os números melhoraram muito. As normas estão sendo cumpridas e agora passam por uma fase de adaptação. O que não consegue ser cumprido ou o que poderia ser cumprido de uma forma melhor vem para Comissão Tripartite e fazemos as alterações necessárias. A norma vai se adequando aos trabalhos, sempre respeitando os princípios de saúde e segurança”, afirma.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e também coordenador do setor naval da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Edson Rocha, também concorda que a frequência de acidentes de trabalho tem diminuído, principalmente aqueles com afastamento. No entanto, ele ressalta que ainda há questões a serem melhoradas para o setor. “Após as NR, começou a haver uma mudança de cultura nos trabalhadores e principalmente no empresariado do setor. Sabemos que ainda não está como queremos, mas já melhorou bastante”, diz ele.
Segundo Rocha, o maior problema a ser resolvido no setor naval no que diz respeito à segurança do trabalho é a terceirização. A meta do sindicato é que esses profissionais sejam, no máximo, 20% dos trabalhadores efetivos. Em alguns estaleiros atualmente, destaca Rocha, a terceirização chega a 60% dos profissionais. Ele ressalta que esse problema é antigo. Há cerca de dez anos, lembra o coordenador, a terceirização foi vivenciada fortemente no Rio de Janeiro. Hoje são cerca de 30% terceirizados e 70% de trabalhadores próprios nas empresas do estado. No ano passado a terceirização pôde ser percebida em Pernambuco e neste momento tem acontecido no Rio Grande do Sul.
“A terceirização lá ainda é muito alta e tem uma coisa muito ruim acontecendo em Rio Grande, que é a falta de dormitório para quem é de fora. Acabamos presenciando repúblicas de dormitório em que o trabalhador chega a revezar a cama. Quem trabalha durante o dia dorme à noite e vice-versa”, conta ele.
Outro pleito do sindicato é que o piso profissional da categoria seja unificado e que o benefício para alimentação também seja o mesmo para todos os empregados. “No Rio de Janeiro, por exemplo, o trabalhador tem direito a um tíquete alimentação para realizar compras em supermercado. Já está começando a partir para outros estados, mas ainda em valor inferior. Queremos que o valor seja igualitário no Brasil, porque o arroz é tão caro aqui quanto no Sul. Se as despesas são iguais, por que o salário vai ser diferente?”, indaga Rocha.
Entre os acidentes de trabalho que ainda acontecem nos estaleiros, Rocha destaca que os mais comuns são os relacionados a corte e compressão de mãos e dedos. O presidente do sindicato de metalúrgicos de Niterói ressalta que é importante que o empresário entenda que as normas regulamentadoras são criadas visando à segurança do trabalhador. “Tanto as que foram modificadas como as que foram criadas só vieram para beneficiar. Conseguimos a retomada do setor naval, mas temos um compromisso com a população brasileira que precisamos ressaltar sempre: não queremos a indústria naval pura e simplesmente para dar lucro a alguém. Queremos que ela dê sustentabilidade para os brasileiros, queremos uma indústria e um trabalhador competitivos, mas com segurança acima de tudo”, conclui.
A NR-34 é uma norma regulamentadora específica para indústria da construção e reparação naval, mas existem outras para as quais o setor também deve atender. Uma delas é a NR-35. Em vigor desde março do ano passado, a norma trata de trabalho em altura e define os requisitos e medidas de proteção para os trabalhadores que atuam nessas condições. Toda atividade executada acima de dois metros do nível inferior e que possua risco de queda é considerado trabalho em altura.
Desde março deste ano entraram em vigor os itens relacionados aos treinamentos obrigatórios aos trabalhadores. Com carga horária de oito horas, o treinamento deve ser teórico e prático e deve incluir em seu conteúdo programático as normas e regulamentos aplicáveis ao trabalho em altura; análise de risco e condições impeditivas; riscos potenciais inerentes ao trabalho em altura e medidas de prevenção e controle; sistemas, equipamentos e procedimentos de proteção coletiva; equipamentos de proteção individual para trabalho em altura: seleção, inspeção, conservação e limitação de uso; acidentes típicos em trabalhos em altura. Além disso, o treinamento deve preparar os trabalhadores para agir em situações de emergência, incluindo noções de técnicas de resgate e de primeiros socorros.
Com essa necessidade de treinamento, entram em cena as empresas que fornecem a atividade. Uma delas é a Paar Consultoria e Treinamentos. O treinamento voltado para trabalho em altura é um dos mais procurados. De acordo com o diretor técnico da companhia, Marcelo Lima, a demanda tem aumentado desde que o treinamento passou a ser obrigatório. Com sede instalada em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a companhia inclusive abriu uma unidade em Rio Grande no último mês de setembro por já ter alguns clientes da região e também devido à construção do polo de São José do Norte. “A filial foi estrategicamente montada por causa dessas empresas que estão se instalando. Esse polo vai ser quatro vezes maior que em Rio Grande e deve haver um crescimento de demanda”, acredita.
Há 16 anos no mercado, a Paar Treinamentos conta com um centro de treinamentos projetado e equipado para realização de atividades teóricas e práticas, sendo possível simular cenários de trabalho em altura, espaço confinado, resgate, bem como treinamentos de movimentação de cargas. Os cursos podem ser realizados no centro de treinamento ou na própria empresa que contratou os serviços.
A duração do curso depende da disponibilidade do cliente. As oito horas recomendadas pela norma podem ser realizadas no mesmo dia ou divididas. “Varia conforme a agenda da empresa em conseguir liberar o pessoal. Em razão da parte prática, geralmente trabalhamos com turmas de 15 pessoas. Assim conseguimos passar de forma eficiente todo o conteúdo”, diz Lima.
Quem também oferece treinamento voltado à NR-35 é a Altiseg, especializada em trabalho em altura. Fundada em 1987, em Curitiba, no Paraná, a empresa conta com um centro de treinamento onde sua estrutura foi desenvolvida para retratar as situações de risco e rotinas do trabalho e resgate em altura e espaço confinado. Conta também com uma sala de aula para que sejam ministradas as aulas teóricas. O treinamento é dividido em atividades teóricas e práticas, onde os trabalhadores aprendem sobre condições de trabalho, utilização e manutenção de equipamentos, prevenção de acidentes através de trabalho em equipe e princípios de qualidade e produtividade.
“São quatro horas teóricas e outras quatro práticas. O treinamento é presencial visto a importância de cada participante realizar as atividades práticas”, destaca a diretora executiva da Altiseg, Patrícia Santos. Entre os clientes da Altiseg estão empresas dos setores civil, elétrico, naval e petroquímico, entre outros. Por ser obrigatório que as companhias forneçam esse treinamento a seus trabalhadores, a empresa espera um crescimento de demanda em todas as áreas que necessitem de treinamento em altura. “Todos precisam estar trabalhando de acordo com as normas regulamentadoras. Já percebemos aumento da procura de uma forma geral, não necessariamente da área naval”, diz Patrícia.
Na rotina dos trabalhadores do setor naval, os equipamentos de proteção individual (EPIs) são indispensáveis. Um levantamento realizado pelo Sinaval junto a diversos estaleiros estima que serão necessários mais 40 mil novos empregos até 2017, sendo 15,3 mil pessoas nos estaleiros existentes e 24,7 mil nos novos estaleiros em implantação. É uma demanda significativa para os fornecedores e distribuidores de EPIs.
A supervisora de marketing da SP Equipamentos, Claudia Moreno, destaca a importância da qualidade desses equipamentos, visto que as novas normas estão entrando em vigor para cobrar cada vez mais segurança dos fabricantes. “Os produtos de baixo custo, sem qualidade, não terão mais oportunidades no mercado, pois não passarão pelas normas e não cumprirão os requisitos de um EPI. Também contamos com mais fiscalização nas empresas e obras para que haja maior conscientização das pessoas na hora de escolher um EPI”, declara.
Localizada em São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo, a SP Equipamentos está no mercado de distribuição de EPIs há 38 anos. O portfólio de produtos da empresa conta com mais de cinco mil itens de diversos fabricantes. Entre os produtos estão os de proteção contra quedas, capacetes, proteção visual, facial, auditiva e respiratória, luvas, cremes de proteção e higienização, estiletes de segurança, vestimentas de combate a incêndio e contra riscos térmicos, proteção química, calçados, equipamentos para espaço confinado, lava olhos, bloqueadores de energia, bolsas e porta-ferramentas, sinalização, impressoras e ergonomia.
Mas os itens mais procurados, diz Claudia, são aqueles conhecidos como “commodities”, como óculos, protetores auditivos, luvas, calçados e capacetes. “Esses equipamentos são considerados básicos para os trabalhadores”, diz. Em segundo lugar, a linha mais vendida pela companhia é a de proteção contra quedas. A empresa atua fortemente nos setores de mineração, siderurgia, alimentos e bebidas, construção civil, entre outros.
Claudia conta ainda que, para buscar novidades, o departamento de Pesquisa & Desenvolvimento da empresa junto com o de marketing estudam diariamente o mercado de EPI e as necessidades do cliente. “Com isso, procuramos novos fornecedores de equipamentos para poderem testar a qualidade dos produtos e incluí-los no portfólio da SP Equipamentos, sempre pensando na solução completa para todos os tipos de clientes e segmentos”, completa ela.
A Protect Work também é uma das empresas que vem inovando e trazendo novidades ao mercado. A mais recente delas, lançada no último mês de junho, foi o macacão feminino. O diferencial deste item é a abertura traseira, facilitando assim o uso do sanitário. O fecho na parte de trás do macacão conta com a proteção de velcro resistente a fogo. “Foi desenvolvido devido à demanda de profissionais do sexo feminino no mercado de trabalho”, ressalta o gerente da Protect Work, Peter Graban.
Com fábrica instalada em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, a Protect Work se especializou em uniformes de segurança. A linha de modelos da empresa é certificada pelo Ministério do Trabalho para calor e chamas, fogo repentino e arco elétrico. Os nichos de mercado da Protect Work são principalmente as empresas dos setores de petróleo e gás, mineração, energia e siderurgia. O faturamento da companhia aumentou 50% em relação ao ano passado. Mas a importação de acessórios e produtos ainda dificulta um pouco as vendas dos produtos da companhia. “Existem muitas dificuldades burocráticas, relacionadas a impostos e fiscalização portuária”, lamenta.
A opinião é compartilhada pelo gerente de vendas da Sermap, Xavier Aguiar, que diz que os custos de importação são um gargalo. No mercado há 24 anos, a companhia comercializa ferramentas, máquinas, equipamentos de proteção individual e do meio ambiente e produtos para aplicações industriais. “Por estarmos centralizados no mercado de Macaé, que é muito visado, a diversificação de produtos abre um leque maior de possibilidades de negócios”, justifica Aguiar. Os principais ramos de atuação da empresa são construção civil, petroquímico, naval, metalúrgico e papel e celulose.
Entre os principais EPIs comercializados estão respiradores, capacetes, luvas, proteção aos olhos e calçados de segurança. De acordo com Aguiar, este foi um ano atípico no mercado de óleo e gás com a redução dos contratos, mas ainda assim a empresa registrou um crescimento na demanda de EPIs.“Temos boas perspectivas para 2014 e esperamos que, de uma maneira geral, os anúncios de investimentos possam ser efetivamente concretizados”, conclui.