É uma tradição se desejar Feliz Ano Novo para amigos e colegas de trabalho. No caso da construção naval, é o caso de se dizer Feliz Década Nova. Não se trata de soberba ou qualquer sentimento egoístico. A questão é que o trabalho dos estaleiros, como de boa parte da indústria de base, precisa de tempo para mostrar resultados.
Em 2002, as nossas empresas estavam à míngua. O mercado brasileiro já existia, mas era suprido por estaleiros estrangeiros. Não havia financiamento, pois os recursos do Fundo de Marinha Mercante eram desviados para pagamento de juros da dívida pública. Em comparação com 2 mil empregados daquela época, hoje nos aproximamos de 80 mil postos de trabalho diretos. Somando-se efeitos indiretos, fornecedores e as famílias de todos esses trabalhadores se chega a um contingente próximo de um milhão de pessoas beneficiadas pelo ressurgimento da construção naval.
Ao declarar que temos 400 obras e encomendas que praticamente cobrem o período até 2020, não se está abrindo mão de novas ordens, pelo contrário. Desde seu surgimento, a construção naval vive de fases de euforia e depressão. O que queremos é garantir obras até 2030 e depois até 2050, não com qualquer fim reprovável, mas simplesmente para propiciar a perenidade dessa indústria, que tantos benefícios sociais e tecnológicos traz para o país, principalmente quando não passa fases de depressão.
A partir de 2003, os governos de Lula e Dilma inverteram a situação depreciativa a que a construção naval estava submetida. Encomendas de plataformas fixas da Petrobras foram feitas no país. A Transpetro criou seus planos de modernização – Promef I e II – com encomendas de R$ 10 bilhões. E as encomendas de navios-sonda também foram direcionadas ao mercado interno. Os grupos estrangeiros que exploram petróleo no país igualmente têm de cumprir as metas de conteúdo local; podem ganhar dinheiro com seus produtos e tecnologia, mas são obrigados a gerar riqueza de onde obtêm seus lucros.
Por outro lado, os velhos estaleiros ganharam modernas tecnologias. E outros estão chegando, igualmente com técnicas avançadas. O FMM deixou de sangrar para o pagamento de juros e até passou a contar com mais respaldo do Tesouro. Se contratantes precisavam de confiança para fazer encomendas, foram criados fundos para trazer garantia ao segmento.
Obviamente, havia uma fase, citada como de aprendizado e, nesse período, os preços começaram altos. Mas estão baixando, rumo aos padrões internacionais. Com apoio do FMM, os produtos dos estaleiros já se ombreiam com similares estrangeiros – sem contar o saldo social com que irrigam nossa pátria. Nossa luta constante é pela competitividade. O setor é importante, estratégico, mas também precisa ser competitivo e estamos todos nessa luta. Sabemos que o apoio estratégico se diluiria, se o setor não buscasse a competitividade. Temos de ser cada vez mais competitivos.
É claro que o Custo Brasil é uma realidade – tem de ser levado em conta. Diversos países usam o câmbio para baratear seus produtos. Preocupado com a inflação, o Governo não tem feito isso. Recentemente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no estudo Competitividade Brasil 2013, mostrou que, em um conjunto de 15 países – de condições similares no mercado – o Brasil só está à frente da Argentina em competitividade. Isso não deve ser visto como demérito, mas como oportunidade para se lutar para virar o jogo. Quando alguns críticos falam mal da construção naval, não poderiam analisar o setor sem incluí-lo no contexto geral da indústria brasileira.
A construção naval está fazendo sua parte. Novos investidores têm trazido tecnologia de ponta. O Senai acaba de firmar convênio com o Governo do Japão para melhorar a capacitação do metalúrgico brasileiro. Os navios e plataformas “made in Brazil” sempre tiveram qualidade, mas não se pode ficar para trás. Outro ponto é a sustentabilidade. Acabamos de realizar o 3º Prêmio Naval de Qualidade e Sustentabilidade Acúrcio Rodrigues de Oliveira, um esforço do Sinaval para distinguir as empresas que aplicaram soluções criativas tanto em qualidade como em sustentabilidade.
Nosso roteiro está traçado. Não estamos pensando no ano que se inicia, mas nas próximas décadas. O país investiu muito para voltar a ter uma construção naval de grande porte e temos de corresponder à confiança depositada. Os estaleiros ampliaram sua oferta para atender a uma demanda excepcional. Queremos gerar empregos, ser competitivos, exportar para trazer dólares para o país, capacitar os metalúrgicos e projetistas e, principalmente, buscar a perenização, para que o setor fuja do estigma de viver fases altos e baixos – quando a mão de obra se dissipa e a tecnologia perde seu vigor. O Brasil confiou em nós e temos de alardear que essa confiança não foi dada em vão. Há mercado para os estaleiros e seus fornecedores terem muitas décadas de encomendas, gerando emprego e riqueza e essa oportunidade não será desperdiçada.
Ariovaldo Rocha
Presidente do SINAVAL – Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore
Artigo para o jornal Monitor Mercantil