É no sexto andar do número 500 da Avenida Chile, no Rio de Janeiro, que a soma de tudo que o Brasil produz vai ganhando forma e tamanho ao longo dos trimestres e dos anos. É ali que está instalada a coordenação de Contas Nacionais, nome pomposo dado ao Produto Interno Bruto (PIB). E é lá que ecoam, cada vez mais, observações, sugestões, críticas e alguns elogios à conta que praticamente superou a inflação no debate nacional. Primeiro veio o “Pibão”, agora a fase é do “Pibinho”, mas nunca se discutiu tanto como se colocam em uma única conta, três milhões de automóveis, 187 milhões de toneladas de grãos, US$ 7,7 bilhões em exportações de plataformas de petróleo e 12 milhões de internações hospitalares.
Roberto Olinto trabalha no cálculo do PIB brasileiro desde 1987, quando a contabilidade foi transferida da Fundação Getulio Vargas (FGV) para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O tempo de casa, no entanto, é maior. Ele começou em uma área chamada de matriz insumo e produto – um pedaço do que mais tarde se transformaria nas contas nacionais –, há 33 anos. Engenheiro que trabalha em uma sala sem ar-condicionado porque outros engenheiros erraram algum cálculo por ali, Olinto lidera uma nova reformulação no cálculo da riqueza produzida a cada ano no país.
O novo PIB só será conhecido no fim deste ano e trará a revisão dos dados desde 2010. O que significa dizer, por exemplo, que a alta de 7,5% do PIB registrada em 2010 pode ser revisada tanto para cima quanto para baixo. A ideia é incorporar novos dados às contas nacionais, como os gastos com pesquisas e desenvolvimento, que vão integrar a conta de investimentos.
A revisão, contudo, não vai resolver todos os “problemas” apontados por diferentes analistas na conta do PIB. Muitos economistas, aliás, não apontam exatamente problemas, mas fazem questionamentos e sabem que o próprio IBGE partilha das suas preocupações. Em muitos casos, a informação que está no PIB é a mais atualizada existente, mas mesmo assim já ficou velha, e faltam recursos para produzir dados de maior qualidade e mais agilidade. Em outros casos, economistas de fora do órgão acham que ajustes poderiam ser feitos para melhorar a contabilidade da riqueza nacional.
O Valor conversou com cinco economistas que acompanham detalhadamente as contas nacionais – Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, Francisco Pessoa e Bráulio Borges, da LCA Consultores, Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, e Claudio Hamilton, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desses, apenas Lopes é taxativo ao dizer que o PIB brasileiro, da forma como é calculado hoje, subestima a economia. Os demais levantam pontos específicos e fazem sugestões, mas ressaltam que a cada revisão o PIB tem melhorado, e não têm claro se a conta do PIB brasileiro está realmente subestimada.
Um ponto que os economistas olham com particular atenção é a conta do investimento. Para eles, especialmente a construção civil, que representa 45% da formação bruta de capital fixo, é mal medida dentro do PIB, principalmente nos dados trimestrais. Segundo Borges, da LCA, o problema ficou mais claro ao longo de 2009, quando os dados trimestrais da construção indicavam queda de 6% no ano, o que não batia com emprego e consumo de cimento. Dois anos depois, diz Borges, na divulgação do PIB definitivo de 2009, a retração ficou em 0,7%. Para Borges, o que no calor dos trimestres foi lido como queda da demanda interna por insumos típicos como vergalhões, na verdade refletiu a redução das exportações do produto.
A divergência dos dados trimestrais e anuais é comum na conta do PIB brasileiro e do resto do mundo. O PIB trimestral, reclama Olinto, é visto como definitivo, mas não é. No Brasil, o PIB divulga dados trimestrais preliminares e quase dois anos depois de encerrado um ano é que sai o dado final. Nos dados anuais, as chamadas pesquisas “estruturais” – uma sopa de letrinhas que inclui da Pesquisa Industrial Anual (PIA) a Pesquisa Anual da Indústria da Construção (Paic) – ao lado de um universo colossal de dados que inclui convênios com a Receita, o Tesouro, o Banco Central, os Correios e a Anatel, reforçam os dados preliminares.
A construção civil é atualmente uma das áreas que deixa o ex-presidente do BC, Francisco Lopes,“desconfortável”. Ele questiona se o peso de cada um dos insumos típicos da construção na conta – como vergalhão, cimento ou pias e bidês –, é adequado para captar a atual atividade do setor, muito forte em infraestrutura e menos ancorada no consumo das famílias, o chamado uso “formiguinha”.
Para Bicalho, do Itaú, o IBGE mede o PIB a partir de um conjunto melhor de informações do lado da produção, especialmente da agropecuária e da indústria. Ele observa que, nos Estados Unidos, há mais pesquisas pelo lado do consumo e também de estoques, um elemento que poderia ser aperfeiçoado no Brasil. “Na parte anual, os estoques são melhor medidos porque o IBGE tem dados de balanços das empresas. Mas no trimestral, a variação de estoques, por escassez de informação, tem uma incerteza maior. Se o IBGE conseguisse implementar uma pesquisa nessa linha, seria bastante positivo”, diz.
Uma visão mais detalhada do componente, diz o economista, ajudaria a entender se o acúmulo de mercadorias se dá porque os empresários estão mais otimistas – o chamado estoque desejável –, o que ajuda o crescimento da economia, ou se o efeito resulta de uma piora na demanda, e sugere produção mais contida à frente.
Do lado do que é produzido na economia, Pessoa e Borges, da LCA, dizem que não fica muito claro na conta do PIB como e quando novas plantas, novos produtos e até novos setores da indústria são incorporados ao cálculo das contas nacionais. “Na produção de 2012, uma das maiores quedas é de celular, o que é ridículo. Tudo porque a produção industrial não inclui smartphones”, diz Pessoa.
Em razão das mudanças na economia brasileira, Pessoa também não desistiu de pedir um novo censo econômico. O último, lembra, é de 1985. Ele mesmo reconhece que é um projeto muito caro (cerca de R$ 1 bilhão), mas defende esse “investimento” para que o país saiba, de fato, quem faz o quê, como e de que maneira. “Quanto um carro leva de plástico, de aço, de alumínio hoje, em sua composição?”, pergunta. Sem o censo, diz, é muito difícil estabelecer a estrutura de consumo de bens intermediários em cada produto, algo que mudou muito nos últimos anos.
Um setor no qual os economistas viam muitos problemas e que apontam melhoras é o de serviços, em que a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) veio dar uma grande ajuda ao cálculo. Uma discussão que se arrasta há anos é que o descolamento entre os dados bastante positivos do emprego formal em serviços e o PIB (menos vigoroso) do setor indicaria, talvez, algo mal captado. “Há de fato uma desconfiança que serviços estavam mal captados no PIB que levou o IBGE a lançar a PMS”, diz Claudio Hamilton, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea e especialista em contas nacionais.
A avaliação é que, além da pesquisa de serviços, a chamada PNAD contínua (trimestral) também trará um conjunto de informações que vai melhorar a medição de serviços. Como a pesquisa mensal traz a receita nominal dos serviços, a discussão sobre os deflatores da pesquisa ganha corpo e críticos. Pessoa, da LCA, diz ser absurdo que itens de serviços prestados às empresas sejam deflacionados por serviços prestados ao consumidor, como o transporte de carga, que vai ser deflacionado pelo IPCA de transporte público. “O Haddad resolve não dar reajuste e vai aparecer como se transporte de carga estivesse parado sendo que o frete pode estar subindo”, diz.
Um índice de preços de serviços está, por enquanto, fora de questão. “Os serviços são descontínuos e o custo das pesquisas são caras, com sistemas de coletas complicados. Pensar em um índice como esse seria desejável, mas o IBGE tem prioridade para expandir o IPCA na cobertura nacional”, diz Olinto. Segundo ele, se o IBGE concluir que para uma determinada atividade em serviços o índice de preço é absolutamente inadequado, ele pode abrir mão de publicar o volume e ficar só com o dado nominal.
Além de questionamentos sobre alguns componentes, os economistas sugerem uma maior abertura dos dados trimestrais, com maior detalhamento intra-setorial. “As contas americanas são incrivelmente mais detalhadas”, diz Hamilton, do Ipea. No Brasil, são 110 atividades e 190 grupos de produtos.
“Evidentemente os países mais ricos são capazes de investir mais recursos na qualidade das informações, e no time que compila as contas nacionais”, emenda. A maior exigência recai sobre os dados de formação bruta de capital fixo, nos quais a participação do que é investimento público e privado e do que é construção civil e o que são máquinas e equipamentos só é conhecida anualmente.
Diante de um desafio tão amplo, ainda que as exigências fossem todas acatadas – Olinto, na verdade, rebate algumas – faltaria braço para atendê-las. “Acho uma imensa covardia comparar a conta americana com a do Brasil”, diz Olinto. “Hoje a coordenação está atolada na grande revisão”. Segundo ele, 12 atividades são publicadas nas contas trimestrais e a demanda não é muito maior do que isso.
O sonho de consumo de Olinto é que houvesse uma integração de informações econômicas e estatísticas no país de tal forma que o IBGE pudesse ter acesso – de forma desagregada e sem identificação – a todos os dados do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) fonte de informação da Receita. Isso, diz ele, ajudaria imensamente o trabalho de medida a economia brasileira. Ainda sonhando, ele acrescenta que seria razoável reunir cerca de 150 pessoas na equipe a fim de dar conta dos aperfeiçoamentos, revisões e novos projetos. Hoje, são 31.
Fonte: Valor Econômico – Denise Neumann e Flavia Lima