Imbróglio jurídico – Infraestrutura – Portos

  • 27/03/2014

O governo quer promover a modernização e maior eficiência dos portos brasileiros por meio do estímulo à competição e à atração de investimentos. Mas pode esbarrar na contundente reação de agentes que tiveram seus interesses contrariados após a mudança no marco regulatório com a aprovação da Lei dos Portos (Lei 12.815/2013). A pressão fez com que os editais ficassem travados no Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa uma série de denúncias e efetuou 19 questionamentos ao primeiro dos quatro editais – Santos e Pará.

O risco da judicialização está em todos os lados. Os arrendatários com contratos anteriores a 1993 – que no entender do governo não têm direito a renovação – já estão se articulando com as melhores bancas do país para recorrer à Justiça e poder, assim, ficar onde sempre estiveram. Até 1993, quando foi aprovada a primeira Lei dos Portos, Lei 8630/1993, os contratos de arrendamento eram firmados diretamente com as Companhias Docas, sem licitação. Quem decidia quais empresas entrariam nos portos organizados eram as autoridades portuárias, e é esse cenário que o governo pretende mudar.

Gráfico Valor - Movimento Cargas

Gráfico Valor - Movimento Produtos

Segundo Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), existem 29 associados nessa condição, e boa parte deve recorrer ao Judiciário. Trata-se de empresas de grande porte como Bunge, Raízen, Sucrocítrico Cutrale, Cia Brasileira de Alumínio, Cargill, Rodrimar, Ipiranga, e até a Petrobras, entre outros arrendatários com contratos vencidos ou a vencer.

Mesmo os arrendatários que têm contratos posteriores a 1993, com cláusulas de renovação, também estão descontentes com a modelagem dos editais, porque o governo está licitando áreas contíguas a esses terminais de cujo processo licitatório eles não podem participar. A Santos Brasil tem interesse na área hoje ocupada pela Localfrio, atrás do seu terminal em Santos, que, pela lógica, poderia ser incorporada.

A empresa também teria interesse no segundo terminal de veículos, na área do Terminal Portuário de Contêineres do Saboó, mas não poderá fazê-lo porque o vetor da estratégia do governo é promover a competição. Em Salvador, a Wilson Sons tem interesse na expansão de seu terminal para a área adjacente, mas segundo Mário Povia, diretor interino da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a área será mesmo licitada para um segundo terminal de contêineres.

O escritório Trench, Rossi e Watanabe está atendendo três empresas com contratos anteriores a 1993 que alegam que os contratos válidos à época previam a renovação. Segundo Heloísa Uelze, sócia da área de direito público, administrativo e regulatório, os contratos eram feitos sem licitação porque sequer havia a Lei de Licitações 8666, que é de 1993. “Outro cliente tem contrato pós-1993, mas quer utilizar a área contígua, que será licitada, para expansão de suas instalações. A lei é inovadora e veio em boa hora, mas há situações fáticas que só serão discutidas no Judiciário”, afirma Heloísa.

Durante a tramitação da MP 595, a expectativa do governo era atrair R$ 54 bilhões de investimentos. De fato, a alteração do marco regulatório com a aprovação da Lei 12.815/2013, que completa um ano em junho, provocou uma avalanche de promessas de novos investimentos.

Cerca de 45 projetos de modernização e expansão de terminais já existentes com contratos posteriores a 1993 – cujos arrendatários pedem renovação antecipada dos contratos para justificar seus investimentos – aguardam aprovação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Segundo a Secretaria Especial de Portos (SEP), a expectativa é de investimentos de R$ 10 bilhões. Só de integrantes da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec), são nove projetos somando R$ 4 bilhões.

O processo é mais complexo do que aparenta ser. Para aprovar os projetos e a antecipação das renovações, a SEP e a Antaq exigem a revisão do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos. A revisão foi regulamentada pela resolução 3.220/2014, publicada em 9 de janeiro, mas que dependia de nota técnica que só foi aprovada em 27 de fevereiro, sem ter ido à audiência pública e nem publicada.

“Somente a minuta da nota técnica já gerou uma forte reação dos agentes, pois apresenta muitos problemas. Várias empresas com que tenho conversado vão recorrer à Justiça”, diz Júlio Fontana, presidente de Cosan Logística, que espera aprovação de um projeto de R$ 400 milhões.

Segundo Mário Povia, a nota técnica 5 já está em vigor. Ele explica que, por tratar de matéria meramente procedimental, as notas técnicas não costumam ser publicadas, porém seu conteúdo é público. “No caso do reequilíbrio, a matéria foi amplamente debatida com a sociedade e com o setor regulado, resultando na resolução 3220-Antaq, que já se encontra devidamente publicada e também em vigor”, esclarece Povia.

“A Antaq tomou a iniciativa de entregar cópias para alguns interlocutores. Mas, pela repercussão que esse documento terá nos contratos e na forma como vai influenciar na equação econômica-financeira – podendo, inclusive, inviabilizar projetos -, já seria suficiente para justificar a consulta pública”, defende Sérgio Salomão, presidente da Abratec.

Os novos investimentos incluem, também, os terminais privados. Desde a entrada em vigor da nova lei, a SEP autorizou, até o momento, 14 novas instalações portuárias privadas, além da ampliação de um terminal já existente da Ultrafértil no Porto de Santos. Os projetos somam quase R$ 8 bilhões e, segundo Antonio Henrique Silveira, ministro da SEP, as autorizações prosseguirão num processo contínuo. Mais de 50 empreendimentos estão em andamento, num total de R$ 7,28 bilhões.

Já as licitações dos 159 terminais dependem da decisão do TCU. A partir de denúncia do deputado Augusto Coutinho de Melo (SDD/PE) e análise da relatora ministra Ana Arraes, estão sendo questionados 19 pontos do primeiro edital (Santos e Pará) e dos estudos técnicos e de viabilidade econômica e financeira, elaborados pela Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), uma empresa de projetos formadas por nove bancos. O TCU alerta – no item 9.7.2. do Acordão nº 3661/2013, enviado à SEP – que as denúncias envolvendo a forma de contratação da EBP têm o potencial para comprometer a continuidade do processo de concessão. Há, inclusive, um processo em separado para analisar essa contratação.

Na denúncia protocolada pelo deputado Augusto Coutinho, consta a acusação de que a empresa teria se reunido com as autoridades antes da edição dos regulamentos, tendo acesso, portanto, a informações privilegiadas. Em resposta, a SEP informou ao TCU que “absolutamente todos os segmentos empresariais com atuação no setor portuário também foram recebidos diversas vezes pelas referidas autoridades, assim como outras tantas empresas, entidades representativas e firmas de consultoria, entre outras”.

A EBP informa que aguardará a decisão do Tribunal para posterior manifestação.
Com tantos questionamentos contidos no Acórdão do TCU, a Antaq decidiu recolher o segundo edital – São Sebastião, Salvador Aratu e Paranaguá – e cancelar as consultas e audiências públicas realizadas.“Vamos fazer uma nova consulta pública disponibilizando para contribuições os estudos técnicos, além dos documentos jurídicos. Aproveitamos para contemplar algumas contribuições que já consideramos pertinentes quando da consulta inicial. A nova audiência deve iniciar-se nos próximos dias” conclui Povia, da Antaq.

 

Fonte: Valor Econômico – Carmen Nery | Para o Valor, do Rio – Caderno Especial Infraestrutura Portos

 

27/03/2014|Seção: Notícias da Semana|Tags: , , , |