Um plano bilionário de infraestrutura no Equador, com oito hidrelétricas de médio porte que estão sendo construídas ao mesmo tempo, tem caminhado de forma surpreendentemente tranquila para a complexidade das obras até agora. A intenção do governo equatoriano é concluir tudo até 2016 e ter energia suficiente não só para atender ao aumento do consumo próprio, mas também exportar aos países vizinhos. Só um detalhe inesperado chama a atenção: sete das oito usinas são tocadas por empreiteiras chinesas – a oitava é erguida pela Odebrecht.
Enquanto se discute o papel do BNDES no financiamento a obras de infraestrutura no exterior, a China ganha espaço silenciosamente nos serviços de engenharia da América Latina e já se apresenta como uma ameaça às pretensões de empresas brasileiras em países vizinhos. Em 2003, os asiáticos detinham participação de 1,8% no mercado latino-americano de grandes obras de engenharia. Essa fatia, impulsionada por financiamento de longuíssimo prazo e compras de petróleo com pagamento antecipado, subiu sete vezes em uma década e alcançou 12,1% em 2012.
O crescimento da “ameaça chinesa” no setor é um dos destaques de estudo inédito da LCA Consultores, que será divulgado hoje, na abertura do Encontro Nacional do Comércio Exterior de Serviços (Enaserv). Longe de ficar mal na foto, as empreiteiras brasileiras se posicionam atualmente em segundo lugar na América Latina – com 17,8% do mercado –, atrás apenas das espanholas. Em nível global, a participação do Brasil nos serviços de engenharia aumentou de 0,9% para 2,3% entre 2003 e 2012.
“Atualmente, o Brasil encontra-se diante do desafio de consolidar sua posição internacional e de avançar na conquista de posição de ainda mais destaque nos mercados latino-americano e africano. Para tanto, é fundamental continuar aperfeiçoando os mecanismos de apoio oficial, à semelhança da atuação de agências de crédito às exportações dos principais concorrentes do Brasil”, conclui o estudo da LCA.
Em meio à polêmica em torno do papel do BNDES como agente financiador, o estudo enumera razões para que esse apoio seja não só mantido, mas ampliado: os serviços de engenharia renderam ao país, nos últimos dez anos, superávit acumulado de US$ 20 bilhões – só as commodities, tanto agrícolas como minerais, trouxeram mais divisas.
Eles envolvem uma cadeia de fornecedores de bens e serviços com duas mil empresas, das quais 76% são pequenas ou médias, já que o crédito dado pelo banco de fomento não sai do Brasil e é obrigatoriamente destinado à compra de máquinas e equipamentos nacionais.
É com esse argumento que as construtoras tentam “desmistificar” a ideia de que o BNDES tem oferecido dinheiro barato para países vizinhos, como Venezuela e Cuba, tocarem grandes obras de infraestrutura. “A conquista de um contrato para construção de uma usina hidrelétrica no exterior equivale literalmente à exportação de uma usina hidrelétrica, desde sua concepção até todos os itens que dimensionam seu alto valor agregado, como as inovações tecnológicas, capital humano e os bens e serviços incorporados”, afirma o estudo.
Hoje quatro gigantes nacionais da construção estão na lista de 225 maiores companhias de engenharia do mundo: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS. Elas obtêm 45%, em média, de suas receitas totais no exterior. A atuação do quarteto se espalha por 54 países onde essas empresas mantêm pelo menos um escritório de representação comercial, mas 19 em cada 20 dólares provêm de contratos na América Latina ou na África.
A presença cada vez mais agressiva de construtoras chinesas, no entanto, se coloca como ameaça ao crescimento das empresas brasileiras nesses dois mercados. Segundo um executivo de uma empreiteira nacional, a agressividade da China não está tanto no custo do crédito – com o qual o BNDES consegue competir –, mas nos prazos do financiamento e no volume de desembolsos. Enquanto o banco de fomento brasileiro dá entre oito e dez anos de prazo nos empréstimos a serviços de engenharia, com dois a quatro anos de carência, os chineses oferecem até 30 anos de financiamento e carência raramente inferior a cinco anos. “Outro aspecto a notar é a liberação dos recursos. O BNDES demora até 480 dias, após a aprovação do financiamento, para fazer o primeiro desembolso. A China faz isso em 120 dias”, diz o executivo.
Outro expediente adotado por Pequim, especialmente na Venezuela, é fechar grandes contratos de compra de petróleo com entrega durante anos, mas pagamento antecipado. O dinheiro se volta justamente para obras executadas por empreiteiras chinesas.
Nada indica que essa “ameaça” diminuirá. Em meados do ano passado, o Equador escolheu uma empresa da China para fazer a linha de transmissão de 70 quilômetros que conectará a usina hidrelétrica de Manduriacu ao sistema interligado do país, um projeto no qual a Odebrecht tinha forte interesse. A empreiteira brasileira e outra construtora originalmente baiana, a OAS, faziam parte de consórcios diferentes que disputavam a construção de duas hidrelétricas na província de Santa Cruz, no sul da
Argentina, com investimentos previstos de US$ 4,7 bilhões. Os chineses, em parceria com o grupo Electroingeniería, levaram novamente a melhor. Agora, estão de olho na revitalização das ferrovias de cargas que seguem para o norte da Argentina, chegando perto da fronteira com o Brasil.
Fonte: Valor Econômico – Daniel Rittner | De Brasília