Há exatos 15 anos o Brasil inaugurava sua política de conteúdo local para a indústria de óleo e gás. O objetivo era impulsionar o desenvolvimento tecnológico, a capacitação de profissionais e a geração de emprego e renda a partir de um modelo já adotado em outros países com sucesso. Desde então, estimulada especialmente pelo mercado offshore, a indústria naval brasileira cresceu. Mas o momento atual do segmento sinaliza atenção. Estará ainda o modelo nacional contribuindo positivamente para o crescimento do país?
Estudo do Banco Mundial publicado em 2013 analisou 48 países e suas políticas de conteúdo local para o setor de óleo e gás. A análise identificou que o design de tais normas raramente é guiado por critérios de eficiência econômica ou pela necessidade de corrigir falhas de mercado. Geralmente, os interesses políticos falam mais alto, em especial nos países de produção recente, com grandes recursos em potencial, mas economias menos desenvolvidas.
De início, a política de conteúdo local brasileira para o setor de óleo e gás não previa percentual obrigatório mínimo, mas garantia vantagem competitiva ao concorrente que melhor contemplasse a contratação de produtos e serviços nacionais. Com o passar dos anos, tornou-se obrigatório o cumprimento de quantidades mínimas determinadas pela Agência Nacional do Petróleo, que começaram em 20% e hoje podem chegar a 65% na etapa de desenvolvimento. A ambiciosa meta, contudo, já tem impacto na entrega de ativos necessários ao desenvolvimento contínuo de nossos campos além-mar.
Investimentos privados globais em pesquisa cresceram em 2013, mas no Brasil houve retração de 18,3%
Há alguns meses, a presidente da Petrobras , Graça Foster, anunciou publicamente que a prioridade da empresa não é o conteúdo local, mas a produção de óleo. Ainda que não signifique elasticidade na política regulatória, a afirmativa animou empresários, sedentos pela adoção de práticas que imprimam possibilidades reais aos seus negócios. De fato, o ambiente restritivo atual limita as opções de escolha dos investidores em relação a emprego, estratégias de compra, localização e transferência de conhecimento. Vai contra o que conhecemos como inteligência de mercado.
Empresários batalham para preencher os percentuais legais, mas lhes faltam algumas ferramentas como disponibilidade de produtos e serviços, prazo, qualidade e preço. O mesmo estudo do Banco Mundial explica: se a taxa obrigatória de conteúdo local for definida muito acima da capacidade da indústria nacional, a política de governo acabará por recompensar fornecedores não competitivos, aqueles que em um ambiente livre estariam fora do jogo. Vemos isso acontecendo hoje no Brasil e, infelizmente, alguém terá de pagar a conta. Tal panorama pode resultar em dois caminhos: a fuga de investimentos ou o prejuízo no bolso do Estado. Nenhum dos dois cenários é atrativo. Esse é um debate diário no contato com associados da Câmara Americana de Comércio Americana do Rio de Janeiro e com empresas interessadas em entrar no nosso mercado. Sabemos que priorizar e incentivar negócios com empresas nacionais é fundamental para a saúde financeira do país. No entanto, as políticas demandam ajustes e modernização, de modo que sigam atendendo seu objetivo final: promover a competitividade e o desenvolvimento sustentável. O primeiro passo é deixar o equilíbrio econômico agir.
A política brasileira de conteúdo local é relevante no desenvolvimento da indústria doméstica. Devido a ela contamos hoje com empresas capazes e competitivas no setor de óleo e gás, que não apenas atendem o setor, mas têm potencial para expandir e conquistar o mercado externo. Outras, porém, não contam com a mesma capacidade, mas subsistem apoiadas em benesses e encarecem o custo de desenvolvimento dos campos de óleo e gás. Há necessidade de se alcançar uma cesta de produtos nacionais e importados que resultem no melhor custo-benefício para o país e a política de conteúdo local pode ser modelada com esse objetivo.
Simultaneamente, é possível incluir novos itens estratégicos para o crescimento do Brasil na contabilidade dos percentuais, como os investimentos feitos pelas empresas em pesquisa e desenvolvimento e em treinamento de pessoal. Esses são ativos de alto valor que ainda não são considerados no cálculo do conteúdo local, apesar de poderem contribuir positivamente para o equilíbrio da equação.
Em 2013, os investimentos privados globais em pesquisa e desenvolvimento alcançaram o valor de US$ 638 bilhões, alta de 5,5% ante o ano anterior, de acordo com levantamento da PwC. No Brasil, porém, houve retração de 18,3% nos investimentos em pesquisa, o que é um dado alarmante. Nosso país aplica 1,2% de seu PIB em P&D, um percentual extremamente inferior se comparado com economias pujantes ao redor do mundo como Estados Unidos (2,77%) e Japão (3,26%).
Estimular que as empresas redirecionem seus recursos para P&D no Brasil não é apenas uma iniciativa perspicaz, mas necessária. Hoje, compramos tecnologia pronta, soluções de prateleira e equipamentos de empresas estrangeiras porque não criamos internamente o conhecimento necessário para realizar essa produção em casa. Criar expertises é o caminho para que as empresas brasileiras cresçam em bases competitivas, inovem e possam disputar mercado com quem vem de fora.
Hoje, observamos no ambiente internacional uma teia de complementaridades e cada país se especializou nas áreas em que era melhor e mais capaz. A política de conteúdo local para o setor de óleo e gás definida pelo governo brasileiro tem a possibilidade de pavimentar o caminho para que nossas empresas realmente cresçam em valor, criem tecnologia e possam exportá-la, virando vitrine para o mundo e se integrando no cenário global. E quando estivermos coletando esses frutos, estaremos, enfim, pavimentando a construção de um país mais empreendedor, inovador e bem-sucedido.