O Brasil que dá certo assume ônus que deveriam ser do Estado, recuperando estradas esburacadas ou construindo portos para escoar a produção por hidrovias — uma alternativa de transporte ainda subutilizada
O debate sobre os problemas do transporte brasileiro normalmente inclui lamentos pela falta de investimento em ferrovias no passado e pela ausência de manutenção das rodovias no presente. Em Três Lagoas (MS), a Eldorado Brasil, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, interrompeu os lamentos e olhou em outra direção.
A empresa construiu o próprio porto para escoar parte da produção por meio da hidrovia Tietê-Paraná e, atualmente, metade de sua produção anual de 1,5 milhão de toneladas é transportada de barco. A carga segue por 375 quilômetros até Pederneiras (SP), no meio do caminho para o terminal de Santos. Um único carregamento pode levar o equivalente à carga de 140 carretas.
A alternativa aquática ainda é subaproveitada no Brasil. O país só utiliza metade das potenciais hidrovias. Em 2013, 80 milhões de toneladas foram transportadas por esse meio. Os Estados Unidos, que têm um potencial aquaviário menor, movimentam mais de 600 milhões de toneladas anualmente. Em Mato Grosso, no entanto, os produtores rurais vêm ampliando o uso de barcos, o que permite uma economia de pelo menos 10% no frete.
Hoje, cerca de 7% da produção do estado passa por rios. O número não é maior porque a hidrovia do Paraguai, a mais importante da região, está paralisada por falta de licenciamento ambiental.
A expansão do transporte fluvial permite contornar em parte a deficiência da malha de transporte. O Brasil investe apenas 0,6% do produto interno bruto (PIB) nesse setor. Isso é, em média, um sexto do que aplicam outros países emergentes, como China, Índia e Colômbia. A ausência de uma rede de distribuição adequada causa perdas anuais de mais de 9 bilhões de reais ao país. Também falta planejamento. O aumento da área plantada se dá de forma muito mais rápida do que a expansão da infraestrutura de transporte. Em razão disso, o custo do frete em Mato Grosso, por exemplo, aumentou 50% nos últimos seis anos. “A gente não sente tanto os efeitos por causa do valor das commodities no mercado internacional. Mas, se houver queda nos preços, vai ser desastroso”, diz Marcelo Duarte, diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso.
Um quarto da soja brasileira é cultivada em solo mato-grossense, e a maior parte dessa riqueza acaba transportada em caminhões. Um dos piores trechos percorridos pela Expedição VEJA em trinta dias de estrada fica justamente na BR-163, o principal eixo para o escoamento da soja na região. A situação só não é pior por causa da iniciativa dos produtores locais. Mato Grosso tem cerca de 30?000 quilômetros de rodovias. Destes, cerca de 6?000 são asfaltados. Boa parte deles foi pavimentada por meio de parcerias público-privadas. Na década passada, o estado implementou um sistema apelidado de “PPPs caipiras”. Os produtores rurais arcam com uma parcela do valor das obras e, depois disso, têm o direito a recuperar o que investiram por meio da cobrança de pedágios. Deu certo.
Modelo semelhante foi adotado em Luís Eduardo Magalhães (BA), onde os produtores rurais passaram a recuperar por conta própria rodovias vicinais. A prefeitura da cidade paga apenas o combustível usado nas obras. A economia com o frete, para os fazendeiros, é de 8%. Neste ano, eles já recuperaram 134 quilômetros de vias e devem reconstruir outros 300. Além de produzir em alto nível de competitividade, o empreendedor brasileiro frequentemente assume responsabilidades típicas do Estado. É um ônus do Brasil que dá certo.