China busca alternativa ao canal do Panamá

  • 28/07/2014

BRASÍLIA – O anúncio de investimentos bilionários em infraestrutura e crédito para o Brasil e para a América Latina, feito pelo governo chinês durante a visita do presidente Xi Jinping ao país, na reunião do Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), há duas semanas, faz parte de um projeto maior da nação asiática para controlar grandes rotas logísticas no mundo e assegurar suprimento de minerais e alimentos.

A construção do canal da Nicarágua — que cortará o país numa rota alternativa ao Canal do Panamá — e da ferrovia Transcontinental, que atravessará o Brasil e o Peru, ligando Atlântico e Pacífico, fazem parte desse projeto.

Projetos de interesse dos chineses 

O canal da Nicarágua, projeto de US$ 40 bilhões, começará a ser construído no fim deste ano e tem entrega prevista para 2019. Deverá percorrer 278 quilômetros — quase quatro vezes o canal do Panamá, inaugurado há um século — passando por florestas, terras indígenas e o lago da Nicarágua, no interior do país.

O traçado foi definido há duas semanas pelo concessionário HKND Group. O empreendimento envolve também dois portos, uma zona de livre comércio, hotéis, um aeroporto e estradas. O tamanho da obra levou o governo da Nicarágua a aprovar leis e medidas em prol do projeto, com orçamento de quatro vezes o tamanho da economia do país.

Redução no frete

Apesar de o canal do Panamá ter capacidade disponível, a China apoia a iniciativa na Nicarágua porque não teria controle sobre as rotas logísticas no Panamá, devido à influência americana, que tem bases na região e é responsável por sua defesa militar.
— Para eles, faz muito sentido um segundo canal. A China é e continuará sendo um importador de matérias-primas. Tudo o que facilite e reduza fretes é positivo e se paga no longo prazo — disse Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.

O canal da Nicarágua gera grande interesse geopolítico internacional. No mês passado, o país recebeu uma visita do presidente russo Vladimir Putin, sinalizando o interesse daquele país na futura ligação marítima. O canal deverá comportar os maiores navios existentes atualmente, como aqueles que levam minérios da Vale para China.

Na apresentação da rota, o HKND Group reconhece que atravessar áreas protegidas é inevitável, mas promete planos de mitigação e compensação. O lago da Nicarágua é rico em biodiversidade, e a movimentação de navios de porte gigantesco pode alterar significativamente o ecossistema.

Ferrovia no Brasil

O embaixador Sergio Amaral, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), destaca que os investimentos agora promovidos pela China mundo afora, principalmente na América Latina, tem uma preocupação com a preservação do ambiente local, diferentemente de investimentos feitos no passado pelo país na África, que não deixaram retornos econômicos e socioambientais significativos para os moradores afetados. — O que é impressionante no caso da China é a visão estratégica e a capacidade de realização. Estão criando alternativas para chegarem aos seus objetivos sem fazer ruídos — disse Amaral.

No caso da ferrovia Transcontinental, o governo brasileiro espera realizar ainda este ano o leilão da primeira obra desse traçado, entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO), com orçamento estimado em US$ 2,3 bilhões. A gigante China Railway Construction Corporation (CRCC) deverá participar dessa licitação em parceria com a Camargo Corrêa, embora o grupo ainda considere refazer todos os estudos do trecho, o que pode adiar o leilão, assim como o prazo para a conclusão, reconhece uma fonte do governo.
“Acredito que as parcerias em infraestrutura e agricultura ainda têm muito potencial para crescer, porque trazem benefícios aos dois povos”, disse Sun Chenghai, diretor geral da Agência de Desenvolvimento Comercial do governo chinês, a uma plateia de empresários brasileiros durante a visita oficial do presidente Xi Jinping ao país neste mês.

Caminho pelo ártico

Com outro projeto de levar navios pelo Ártico em rotas que se abrem pelo aquecimento global, a China quer se firmar como operadora logística global, principalmente por meios marítimos. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), 90% do volume de negócios internacionais feitos no mundo em 2012 passaram pelos mares e oceanos.

Fonte: O Globo – Danilo Fariello
28/07/2014|Seção: Notícias da Semana|Tags: , |