Os estaleiros criados nos últimos anos no Brasil para atender a Petrobras vivem momento de incerteza. O cenário é marcado por atrasos em obras, transferência de serviços para China e Japão e dúvidas sobre a colocação de novas encomendas pela estatal. Estaleiro Atlântico Sul (EAS), de Pernambuco; Enseada Indústria Naval, da Bahia; e Estaleiro Rio Grande, do Rio Grande do Sul, vêm trabalhando para melhorar a gestão e aumentar os índices de produtividade, inferiores aos dos concorrentes asiáticos. Juntos, esses três estaleiros investiram R$ 6,6 bilhões para criar parques industriais modernos. Mas enfrentam o desafio de se instalar e de melhorar a administração e a operação à medida que precisam cumprir contratos de entrega de navios, plataformas e sondas de perfuração para a Petrobras, o cliente único dos grandes estaleiros nacionais.
O que está em jogo é a sobrevivência de longo prazo e em condições competitivas da construção naval brasileira, cuja atividade foi retomada no começo dos anos 2000 por política impulsionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse contexto, a Petrobras passou a fazer encomendas de plataformas e navios no mercado doméstico seguindo regras de conteúdo nacional. Essa política foi importante para o ressurgimento da indústria naval, que havia nascido pelas mãos do presidente Juscelino Kubitschek, em meados dos anos 50, foi pujante na década de 70, mas sucumbiu à crise a partir dos anos de 80.
Agora, embora não viva uma crise, o setor passa por incertezas em relação à demanda futura, o que é negado pela Petrobras: “Na indústria naval, a demanda por embarcações offshore é sustentável no longo prazo, uma vez que o Plano de Negócios e Gestão 2014-2018 da companhia prevê investimento total direcionado para essa indústria da ordem de US$ 100,7 bilhões, até 2020”, afirmou a empresa, em nota. Segundo a Petrobras, esse investimento se refere à contratação de 38 plataformas, 28 sondas de perfuração, 88 navios petroleiros e 146 embarcações de apoio, o que gera “oportunidades” para os diversos elos da cadeia de fornecimento.
Segundo a Petrobras, a manutenção da curva de produção em 4 milhões de barris por dia até 2030, segundo seu plano estratégico, indica que a empresa continuará demandando a indústria naval brasileira e seus fornecedores, tanto para investimento em novas embarcações quanto para manutenção e reposição de equipamentos, com exigência de conteúdo local.
A estatal também garantiu que outras 14 novas plataformas serão contratadas de estaleiros nacionais até 2018. “No horizonte 2020-2030, a previsão é de contratação de mais 41 plataformas que serão alocadas em Libra, no excedente da Cessão Onerosa, em outros campos do pós-sal já concedidos, bem como em campos previstos oriundos de novas rodadas de licitação.”
Os grandes estaleiros, porém, estão desconfiados que mais encomendas podem ir para o exterior. Esses estaleiros ainda lutam para melhorar o desempenho da mão de obra. Carlos Campos Neto, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disse que o custo da mão de obra da construção naval no Brasil é elevado por força de impostos que incidem sobre a folha. Campos afirmou que a produtividade dos estaleiros ainda é baixa, mas mostrou-se otimista: “Achamos que haverá demanda por 25, 30 anos, que vai sustentar a indústria naval brasileira. Mas esse será um período em que terão que ser resolvidos problemas da curva de aprendizado, como produtividade, custo da mão de obra, gestão e domínio tecnológico, porque em algum momento as políticas de incentivo tenderão a ser reduzidas e a indústria terá que estar pronta para ser exposta ao mercado”.
De carteira cheia, estaleiros vivem período de incerteza
28/07/2014
Os estaleiros brasileiros têm hoje uma das maiores carteiras do mundo em encomendas. São US$ 100 bilhões em pedidos da Petrobras, para entrega até 2020. Há ainda a perspectiva de novas encomendas de plataformas e barcos de apoio para o campo de Libra e para novas áreas da cessão onerosa no pré-sal. Houve forte expansão da mão de obra contratada no setor: de 12.651 empregados em 2004, o número passou para 78.136 em 2013.
Apesar dessa condição confortável, os estaleiros criados nos últimos anos para atender a Petrobras passam por momento de incertezas. O cenário é marcado por atrasos, transferência de serviços para China e Japão e dúvidas sobre a efetiva colocação de novas encomendas. Empresas como o Estaleiro Atlântico Sul, de Pernambuco; Enseada, da Bahia; e Rio Grande, do Rio Grande do Sul, trabalham para melhorar a gestão e aumentar os índices de produtividade, inferiores aos dos concorrentes asiáticos. Juntos, os três estaleiros investiram R$ 6,6 bilhões para criar parques industriais modernos. Mas enfrentam o desafio de melhorar a administração e a operação ao mesmo tempo em que correm para fazer suas entregas.
Está em jogo a sobrevivência de longo prazo e em condições competitivas da construção naval brasileira, cuja atividade foi retomada no início dos anos 2000 com a política industrial do então presidente Lula. A Petrobras passou a fazer encomendas de plataformas e de navios no mercado doméstico, seguindo regras de conteúdo nacional na construção desses equipamentos.
Os grandes estaleiros, que atraíram parceiros estrangeiros, buscam melhorar a performance da mão de obra pouco experiente, ganhar produtividade e consolidar o domínio tecnológico. “Em algum momento as políticas de incentivo tenderão a ser reduzidas e a indústria terá que estar pronta para ser exposta ao mercado”, diz Carlos Campos Neto, pesquisador do Ipea.
A Petrobras afirmou que vai assegurar as encomendas futuras. Mais 14 novas plataformas serão contratadas junto a estaleiros nacionais. Segundo a estatal, “no horizonte 2020-2030, a previsão é de contratação de mais 41 plataformas”. Para a Petrobras, é “um diferencial possuir uma indústria fornecedora capacitada e competitiva próxima às suas operações”.
Por Francisco Góes e Cláudia Schüffner | Do Rio
Parceria com japoneses faz EAS melhorar desempenho
28/7/2014
O Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), lançado pela subsidiária da Petrobras há cerca de dez anos, é um exemplo das dificuldades enfrentadas na atual retomada da construção naval no Brasil. O Promef prevê a construção de 49 navios, mas só sete foram entregues até agora. O programa registrou atrasos nas obras e o João Cândido, primeiro navio encomendado ao Estaleiro Atlântico Sul (EAS), foi entregue com cerca de dois anos de atraso e custo 23% acima da média do contrato original, segundo estimativas de mercado.
Mas a avaliação da Petrobras e da Transpetro é que o programa está indo bem. “Até o momento três navios da série Suezmax foram produzidos e entregues para a Transpetro no EAS: João Cândido, Zumbi dos Palmares e Dragão do Mar. O João Cândido e o Zumbi dos Palmares apresentaram prazos de construção de 44 e 45 meses respectivamente o que revela índices de produtividade semelhantes. Já o Dragão do Mar foi construído e entregue em 39 meses o que indica evolução”, disse a estatal em nota.
A melhora da produtividade no EAS é esperada à medida que novos navios do mesmo porte forem sendo produzidos em série pelo estaleiro, pois um dos fatores que impactam positivamente a produtividade do setor naval é a repetição dos projetos, afirmou a estatal.
Em 2013, um grupo de empresas japonesas comprou 33% do capital do estaleiro. Camargo Corrêa e Queiroz Galvão dividem meio a meio os restantes 66% da empresa. “A parceria com os japoneses tem gerado resultados positivos no que diz respeito à criação de programas voltados à otimização da produção, melhorando o desempenho do estaleiro desde o planejamento ao controle dimensional, na questão das soldas e na criação de melhores estratégias construtivas, garantindo maior velocidade e qualidade na construção das embarcações”, afirmou o EAS.
O estaleiro disse que hoje o EAS é uma empresa com “perenidade e com capacidade de produção simultânea”. Afirmou ainda que, além dos três navios tipo Suezmax concluídos, um quarto navio, o Henrique Dias, será entregue ainda este ano. “O EAS está trabalhando de forma simultânea em mais quatro petroleiros, além dos navios sonda, cada um em uma etapa distinta do processo construtivo. O EAS tem o compromisso de entregar 22 navios de forma escalonada até 2019”, disse o EAS. O estaleiro tem contratos de US$ 5,2 bilhões para construir sete sondas para a Sete Brasil. O Valor apurou que o estaleiro foi autorizado a fazer parte do primeiro casco da sonda na IHI, uma das sócias japonesas.
Para a Transpetro, o Promef impulsionou o renascimento da indústria naval brasileira após uma crise de décadas, com investimento de R$ 11,2 bilhões na encomenda de 49 navios e 20 comboios hidroviários. “É natural que a busca pela competitividade internacional enfrente desafios e dificuldades e os cronogramas dos navios sejam ajustados. Mas os resultados obtidos comprovam que a indústria naval brasileira está no rumo certo.” Os principais países construtores navais levaram 30 anos ou mais para chegar aos níveis atuais de produtividade. “Com os resultados alcançados até agora, a Transpetro estima que o Brasil levará tempo muito menor para atingir o objetivo de ter uma indústria naval mundialmente competitiva.”
A empresa afirmou que, após o sistema Petrobras ter ficado 14 anos sem receber um único navio construído no Brasil, a Transpetro já recebeu sete novas embarcações nos últimos três anos, sendo três em 2013. “Atualmente, 14 navios estão em diferentes fases de construção por estaleiros nacionais, sendo cinco na fase de acabamentos.”
Os contratos do Promef estipulam penalidades por atrasos não justificados. “Como parte do monitoramento e do controle da construção de seus navios, a Transpetro criou o Sistema de Acompanhamento da Produção (SAP). O SAP mapeia os fatores que possam prejudicar a execução das obras dos navios e faz os ajustes necessários. Com isso, os estaleiros apresentam ganhos consideráveis de produtividade. A Transpetro tem como procedimento o acompanhamento contínuo das obras de construção das suas embarcações em todos os estaleiros com os quais possui contratos vigentes.”
Por Francisco Góes e Cláudia Schüffner | Do Rio
Companhias investem em treinamento
28/7/2014
Três dos grandes estaleiros nacionais da nova geração – Enseada, EAS e ERG – vêm investindo em formação de mão de obra como forma de garantir melhores desempenhos de produtividade. O Enseada mandou três turmas de funcionários, em um total de 102 pessoas, para serem treinadas no Japão pela Kawasaki, sócia do estaleiro brasileiro. As turmas são formadas por empregados com origem na região onde o estaleiro está situado, no Recôncavo baiano.
O treinamento consiste em permanecer cerca de três meses nas instalações da Kawasaki. À medida que retornam ao Brasil, os empregados replicam o conhecimento que adquiriram no exterior. A expectativa é que o Enseada tenha 3,5 mil empregados quando estiver funcionando a plena carga. A partir de agosto, as equipes vão começar a assumir, de forma paulatina, as diferentes oficinas, as áreas de produção do estaleiro. A primeira sonda de perfuração encomendada ao Enseada terá que ser entregue em julho de 2016.
Para fazer frente aos serviços de construção das sondas enquanto o estaleiro está em obras, os sócios do Enseada arrendaram da Petrobras, por três anos, o canteiro de obras de São Roque, uma área vizinha com 400 mil metros quadrados. No local, estão sendo construídos os módulos da primeira sonda de perfuração. A expectativa do Enseada é que o treinamento dado aos empregados no Japão permita operar o estaleiro com uma produtividade adequada.
No Estaleiro Rio Grande (ERG), depois de greves e até interdições do Ministério do Trabalho, a fase mais crítica parece ter sido superada. O ERG levou engenheiros chineses e japoneses para treinar turmas em Rio Grande. O estaleiro quer que os funcionários vejam a indústria naval em um horizonte de longo prazo. O objetivo é criar um conceito de polo naval, semelhante ao da indústria automobilística, em que não só os trabalhadores, mas também os fornecedores se instalam no local e passam por treinamento. O Estaleiro Atlântico Sul (EAS) também investe em qualificação mão de obra.
Ariovaldo Rocha, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), disse que na primeira etapa do ressurgimento da construção naval brasileira foi fundamental o retorno à atividade de profissionais experientes que estavam aposentados. O Sinaval defende a ampliação da formação de recursos humanos nos estaleiros e a absorção de formandos de cursos técnicos. Rocha negou que o setor passe por dificuldades.
“O que existe é a previsão de novas contratações de plataformas pela Petrobras que necessitam ser dimensionadas quanto à parcela que será construída no Brasil.” Ele disse também que não há transferências de encomendas para outros países: “O que há é um movimento de contratação internacional de fornecimento de partes e blocos. A construção naval é uma indústria globalizada e no setor de offshore existem fornecedores muito competitivos na Ásia.” Fonte da indústria disse que as petroleiras gostam de trabalhar com quem tem experiência e performance comprovada. “O mais importante [para as petroleiras] é que as encomendas sejam entregues no prazo para garantir a produção e pagar investimentos.” A tendência é que os estaleiros no país se especializem em nichos.
Por Francisco Góes e Cláudia Schüffner | Do Rio
Setor enfrenta problemas no RJ
28/7/2014
O Rio de Janeiro é o berço da indústria naval brasileira. Mas, com exceções, o Rio viu seus estaleiros deixarem de investir para melhorar a produtividade e atender as exigências de armadores e da Petrobras. Um exemplo dessa situação é o Estaleiro Ilha S.A. (EISA), do Synergy Group, do empresário Germán Efromovich. O EISA vive uma crise, chegou a paralisar suas atividades e busca saídas para entregar navios encomendados por clientes privados, como a Log-In, que tem plano de investimentos de cerca de R$ 1 bilhão envolvendo a construção de sete navios no EISA, parte dos quais já foi entregue.
A Transpetro, subsidiária da Petrobras, disse que não tem encomendas no Eisa, nem no Mauá, de Niterói. No Mauá, opera uma sociedade de propósito específico chamada EISA Petro-Um que tem contratos com a Transpetro para construir 12 navios com previsão de entrega até 2018. A criação dessa SPE foi uma exigência dos financiadores para essa empresa se dedicar só a esse contrato.