Renovação com qualidade – Formação de RH

  • 15/08/2014

O ano de 2014 chega a sua segunda metade e grandes investimentos na área de óleo e gás previstos para ocorrer até 2020 estão cada vez mais próximos. Para analistas, é preciso um empenho maior do setor nos próximos cinco anos para formação de mão de obra, reforçando a capacitação feita nos últimos 10 anos. Apesar dos programas para formação de técnicos criados nos anos 2000 terem alcançado alguns resultados, o desafio será alcançar a marca de 100 mil profissionais capacitados para atendimento às demandas do setor, conforme projeções do Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval).

O professor de engenharia oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Pires, aponta falta de ações efetivas para melhoria da produtividade e eficiência, sobretudo no que se refere a tecnologia e formação de recursos humanos. O professor também lamenta que, nos últimos 10 anos, não houve medidas para qualificação tecnológica em médio e longo prazo.

Pires alerta que o Brasil precisa de mão de obra qualificada para os novos patamares que o setor está mirando no futuro. “É preciso visão estratégica para um processo de formação mais denso de técnicos de nível médio. Se o processo tivesse sido iniciado há cinco a 10 anos, estaríamos começando a formar esses técnicos. Mas isso não foi feito”, afirma Pires.

O diretor do centro de engenharia naval do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), Carlos Daher Padovezi, observa esforços para tentar requalificar a mão de obra no nível de capacitação que havia no Brasil na década de 1980. Ele lembra que, no início da retomada, havia menos de dois mil trabalhadores nos estaleiros nacionais. De acordo com o Sinaval, o emprego direto no setor passou de 7.465 trabalhadores, em 2003, para 78.706 em 2014, com a projeção de que serão necessários 100 mil profissionais para atendimento as demandas setor já em 2016.

Uma pesquisa preliminar do Sinaval, feita por amostragem, sobre a distribuição das categorias profissionais atuantes nos estaleiros indica que 70% são operários especializados, 10% pessoal de apoio, 8% técnicos, 7% administração e 5% engenheiros. O Sinaval calcula ainda quase 400 mil empregos indiretos, se considerado o trabalho na rede de fornecedores.

Para o presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEN/Abimaq), Marcelo Campos, houve algum avanço em relação à mão de obra nos últimos 10 anos, apesar do pouco treinamento. Ele adverte sobre a necessidade de fortalecimento da indústria nacional para impedir a perda de encomendas para estaleiros no exterior. E alerta que, no caso de outros países pegarem encomendas brasileiras, haverá transferência de empregos para fora do Brasil.

Padovezi, do IPT, diz que o custo da mão de obra brasileira está num nível intermediário, ficando entre os patamares elevados de países europeus e do Japão e a baixa remuneração dos países asiáticos, como a China. O engenheiro naval acrescenta que, quanto maior o custo da mão de obra, maior a tendência de automação. Já onde o custo é baixo, a mão de obra é mais intensiva. Ele avalia que o Brasil está numa fase de transição, tentando se situar e ampliar sua automação.

O diretor do centro de engenharia naval do IPT acredita que a maior qualificação da mão de obra ainda ocorre dentro dos estaleiros. “Claramente, é uma situação de trocar o pneu com o carro andando. O desafio é qualificar ao mesmo tempo em que estiver produzindo”, afirma Padovezi. Ele ressalta que, dificilmente, uma nova indústria seria montada sem dificuldades com mão de obra.

Padovezi lembra que poucos profissionais das décadas de 1970 e 1980 foram aproveitados nessa retomada. Ele diz que programas como Prominp e Pronatec são importantes para dar noção inicial, mas o resultado efetivo se dá dentro dos estaleiros. A demanda por profissionais e as exigências de qualificação vêm aumentando ao longo da última década, motivada pelo volume elevado de investimentos no setor.

Em 2013, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) completou 10 anos. De acordo com a Petrobras, o programa vem buscando aproximação com as empresas do setor para a construção de um diagnóstico mais preciso da necessidade de mão de obra, incluindo a revisão de conteúdo programático e o desenvolvimento de ações que minimizem os gargalos detectados. Numa das parcerias, empresas prestadoras de bens e serviços selecionam funcionários ou recruta no mercado para os cursos do Prominp e dividem os custos da qualificação profissional com o programa.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) incluiu 11 cursos de qualificação de mão de obra para o setor naval no Pronatec, a pedido da Petrobras, Sinaval e estaleiros Enseada (BA), Jurong (ES) e Ecovix (RS). De acordo com a estatal, o setor naval exige que o treinamento da mão de obra considere processos de trabalho, normas operacionais e tipos de equipamentos específicos. Com carga horária que varia de 160 a 300 horas, os cursos publicados são: instalador de tubulações navais, operador de movimentação de carga, operador de ponte rolante, soldador de arame tubular naval, soldador de eletrodo revestido naval, soldador MAG naval, soldador TIG naval, caldeireiro naval, eletricista naval, mecânico de máquinas industriais e pintor industrial.

Durante quatro meses, um grupo de trabalho criado no âmbito do Prominp elaborou levantamento para adequar o guia Pronatec para atender à demanda crescente da indústria por mão de obra especializada, diante das recentes encomendas da Petrobras, com prazo de entrega até o final da década. Os cursos são solicitados pelas empresas ao Pronatec, que arcará com o custo da qualificação.

A Petrobras e o Prominp não possuem dados relativos à necessidade de contratação de mão de obra estrangeira para os empreendimentos em curso. Padovezi, do IPT, identifica que houve processo de importação de mão de obra, principalmente para atuar num nível intermediário, trabalhando com a gestão da construção naval. Ele acredita que esse processo é saudável e temporário, na medida em que profissionais desse tipo podem ser formados entre dois e três anos dentro da indústria. Padovezi observa a tendência de formação de profissionais nas faculdades e cursos profissionalizantes ligados à engenharia naval. Um dos motivos é a demanda garantida por bastante tempo, considerando visão otimista de que o país terá indústria naval forte e competitiva, em algum momento.

Estatísticas do Ministério da Educação identificam considerável aumento na procura por cursos técnicos nos últimos três anos. Em 2013 foram 553 mil alunos matriculados em cursos técnicos, ante 263 mil matrículas em 2010. “Percebemos movimentação de faculdades de engenharia para voltar a formar pessoas especializadas para atender à indústria e percebemos grande interesse dos jovens que estão entrando nessa área”, observa Padovezi.

A subsecretária de comércio exterior da Secretaria de Desenvolvimento do Espírito Santo, Mayhara Chaves, diz que, de forma geral, essa área é carente de profissionais e cursos. No final de 2013, a Secretaria de Portos (SEP) criou um fórum permanente para qualificação do trabalhador portuário, com vários entes envolvidos e a criação de fóruns estaduais. Ela conta que o fórum capixaba criou cursos de tecnólogo e gestão portuária.

A diretora institucional do estaleiro Jurong Aracruz, Luciana Sandri, destaca que o grupo Sembcorp Marine, dono do empreendimento, investirá US$ 4 milhões em cinco anos para capacitação de profissionais para a indústria naval. Estudantes do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) fazem treinamento — equivalente a um curso de pós-graduação — em tecnologia naval e oceânica no Ngee Ann Polytechnic de Cingapura. Durante um ano, os alunos passam por estágio nos estaleiros da Jurong e podem atuar como multiplicadores ao retornar para o Brasil.

Recentemente, um grupo de 23 alunos, técnicos em mecânica, se formou e já está trabalhando no estaleiro. O segundo grupo de 27 trainees encontra-se em Cingapura realizando o treinamento. Um novo processo seletivo foi aberto em julho para treinamento de mais 30 trainees do IFES em Cingapura. A empresa também promove outros cursos de qualificação profissional. Desde 2012, foram treinados 1.945 pessoas da comunidade, com investimento de R$ 1,9 milhão.

Em novembro de 2013 foi firmado convênio entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica, na sigla em inglês) para formação de instrutores. Nos próximos quatro anos, a Jica investirá R$ 10 milhões no treinamento de mão de obra especializada e na capacitação de técnicos e professores nas áreas de mecânica naval, gestão da produção naval e soldagem de materiais compostos.

Os centros de formação funcionarão em quatro unidades do Senai no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco, que vão treinar pessoal para três grandes empresas japonesas que investiram, juntas, R$ 1,6 bilhão em estaleiros do Brasil nos últimos três anos. Segundo o Sinaval, os grandes investimentos e a carência de mão de obra qualificada para esses estaleiros foram determinantes para que os japoneses decidissem transferir tecnologia para o Brasil.

Na avaliação do Sinaval, o desafio para os estaleiros brasileiros é aumentar a produtividade e, consequentemente, a competitividade no mercado mundial. A entidade avalia que a substituição dos técnicos mais antigos, que estão se aposentando, por técnicos mais jovens, promove relativa perda de experiência na força produtiva.

Para o sindicato, esse fato torna necessário que os estaleiros aumentem ações de formação continuada e de treinamento para seus profissionais, que representa aumento de custos. O Sinaval defende ainda a possiblidade de ressarcimento aos estaleiros por investimentos em formação de recursos humanos como um dos temas que deve ser considerado e objeto de legislação específica.

130 mil matrículas desde 2011

O Ministério da Educação (MEC) organiza as ofertas em educação profissional pelo catálogo nacional de cursos técnicos e pelo guia Pronatec de cursos de formação inicial e continuada (FIC). Desde 2011, os módulos voltados para o setor naval e offshore registram mais de 100 mil alunos matriculados. Nesse período, os cursos técnicos, com duração média de dois anos, receberam mais de 90 mil matrículas. Já os cursos FIC, que duram de três a seis meses, contabilizaram mais de 40 mil inscrições.

O secretário de educação técnica do MEC, Aléssio Trindade de Barros, acredita que o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) será importante para atender à demanda por mão de obra do setor. “Até 2016, vamos continuar e até aumentar a formação nessa área”, projeta. A partir de 2015, o programa vai formar novos profissionais e trabalhadores já inseridos no setor vão poder se especializar. Dessa forma, o profissional que trabalha com soldagem geral poderá, por exemplo, atuar na área naval, fazendo curso de soldador TIG, com duração de 300 horas. “Ele se especializa e consegue ocupar postos de trabalho mais desenvolvidos dentro dessa cadeia”, explica.

Os cursos técnicos relacionados à indústria naval abrangem: construção naval, automação industrial, técnico em portos, metalurgia, mecânica, manutenção de máquinas pesadas, soldagem. Já os cursos FIC formam operadores (caldeireiro naval, carpinteiro naval, eletricista, soldador, tubulações) em módulos mais curtos e específicos. A capacitação é oferecida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e pelas escolas federais e estaduais. Os principais estão em Campos dos Goytacazes (RJ), Itaguaí (RJ), Ipojuca (PE), Cariacica (ES), São Luís (MA) e Paranaguá (PR). “Se estruturou uma rede de escolas públicas ofertantes nessa área, o que é muito importante. Além disso, nessas mesmas regiões, o Senai possui unidades com oferta para essa área”, destaca Barros.

O MEC e o Ministério do Trabalho trabalham na integração de seus sistemas, que permitirá a intermediação entre a necessidade de emprego e os trabalhadores. O novo sistema tornará os currículos dos formandos no Pronatec visíveis para os empregadores, aumentando as oportunidades de inserção profissional.

Barros diz que os estados onde estão sendo construídos estaleiros já possuem boas escolas técnicas com oferta de cursos para alavancar essa formação. Ele lembra que, no início do desenvolvimento em Suape (PE), houve migração de mão de obra. O fenômeno fez com que o Senai aumentasse a escola em Ipojuca e o governo construísse uma escola federal na região, possibilitando a absorção da demanda do complexo com mão de obra local.

O secretário de educação técnica do MEC destaca que as escolas técnicas possuem articulação com o setor produtivo. Ele conta que é normal a participação de representantes das empresas em eventos e palestras nas escolas para conhecer e orientar os estudantes. “Os encontros, convênios e estágios servem para passar aos estudantes um panorama de projeção de desenvolvimento profissional, termos salariais e gerais”, enfatiza Barros.

 

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira

 

15/08/2014|Seção: Notícias da Semana|Tags: , , , , , |