Construção naval ainda esbarra em altos custos e
problemas de gestão nos grandes estaleiros
A construção naval brasileira ainda precisa de avanços para buscar a competitividade internacional almejada pelo governo. Para o setor, as principais dificuldades envolvem os altos custos e problemas de gestão nos grandes estaleiros, que sofrem com questões trabalhistas, falta de capacitação da mão de obra e defasagem tecnológica. A preocupação é que os atrasos nas entregas de navios, plataformas e sondas se tornem maiores e prejudiquem a indústria naval e offshore, que tem programado investimentos de bilhões de reais até 2020 e, possivelmente, nas décadas seguintes.
O coordenador do laboratório de tecnologia submarina da Coppe/UFRJ, Segen Estefen, alerta que a construção das FPSO é uma equação importante na medida em que alguns estaleiros em operação no Brasil têm problemas para diminuir o tempo de entrega. Para o professor, esse ponto é crítico e deve ser encarado como possibilidade para que o país gere empregos e desenvolvimento de tecnologia. “Isso mostra carência do setor no Brasil em questão de gestão, planejamento, chegada da matéria-prima no tempo exato e conclusão das etapas de forma programada”, aponta.
Estefen diz que o atraso na entrada em operação implica falta de retorno econômico para o investimento, gerando prejuízos enormes para o operador. “Libra e outros campos estarão sempre a mercê do operador querendo acelerar e das dificuldades intrínsecas da entrega desses navios no Brasil. É um gargalo que precisamos corrigir. Esse atraso excessivo pode inviabilizar o processo de recuperação da construção naval no país”, observa.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) alerta para necessidade de planejamento para a construção de plataformas de produção de petróleo nos próximos 15 anos. O debate sugerido visa atender à expectativa de contratação de 31 plataformas de produção até 2020 e outras 41até 2030, conforme espera o setor. A maior parte dessas entregas ocorrerá até 2025. Atualmente, 16 unidades estão em construção no Brasil.
O presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, defende um modelo de negócios com ações que possibilitem a construção local de um estoque de cascos de plataformas. “Queremos uma base de construção de cascos para licitações de plataformas”, disse Rocha, durante a Marintec South America 2014 (11ª Navalshore), que ocorreu em agosto, no Rio de Janeiro.
A proposta é dar mais agilidade à produção, aumentando a produtividade nos estaleiros e permitindo maior tempo para capacitar a indústria. “Uma das soluções são projetos padronizados de sistemas de produção. No Brasil já temos modelo de projeto de plataforma que são as replicantes em construção no Rio de Grande do Sul”, explicou Rocha.
Em julho, a presidente da Petrobras, Graça Foster, visitou o Estaleiro Rio Grande (ERG) e demonstrou preocupação com o cronograma dos cascos. A Ecovix, responsável pelo ERG, tem a previsão de entregar até 2016 oito cascos de FPSO (P-66; P-67; P-68; P-69; P-70; P-71; P-72; P-73) para a petroleira. O primeiro projeto (P-66) foi entregue em abril de 2014 e encontra-se ancorado no cais para ajustes finais, antes de seguir para integração de módulos operacionais. Atualmente, o dique-seco abriga as plataformas P-67 e P-69.
O presidente da Ecovix, Gerson Almada, diz que o prazo do contrato com a Petrobras foi reajustado em seis meses, margem que ele considera “natural para um projeto desse porte”. Ele acrescenta que a alteração do processo produtivo do estaleiro e a transferência da construção de parte das FPSOs replicantes P-66 e P-67 para a China, assim como os módulos de acomodação das oito plataformas, foram a alternativa encontrada para otimizar os prazos. “Essa margem é resultado de métodos construtivos diferentes e do investimento no pórtico que minimizaram o atraso. O cronograma final de entrega está mantido dentro desta revisão”, garante.
O Sinaval ressalta que a construção das plataformas exige participação dos fornecedores e empenho dos estaleiros. O pleito junto à Petrobras e demais empresas, segundo Rocha, é de encomendas grandes para viabilizar o aumento dos percentuais. Atualmente, falta escala para fabricação de alguns produtos no Brasil, como motores, bombas e guinchos. “Tudo que é possível ser fabricado no Brasil, está sendo comprado no país. Estamos importando aquilo que realmente não tem no Brasil e não tem prazo para ser entregue”, afirma Rocha.
Entretanto, o presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Maquinas e Equipamentos (CSEN/Abimaq), Marcelo Campos, afirma que a indústria local não está vendendo quase nada para os estaleiros. Ele lembra que a maioria deles compra projetos e equipamentos no exterior. Atualmente, o setor de O&G representa apenas 5% do faturamento das cerca de 4,5 mil empresas associadas da Abimaq. A maior parte de equipamentos fornecida por empresas desse segmento é de válvulas, tubos, conexões e painéis elétricos.
Ainda assim, de acordo com o Sinaval, o índice de conteúdo local dos navios petroleiros é da ordem de 65%. No caso das plataformas, as compras no Brasil são de 55%, enquanto os barcos de apoio chegam a ter 65% (PSV 4.000, 4.500 e 5.000). Já os PLSV (lançadores de linha) têm percentual de 45% no Brasil e podem chegar a 55%. Uma das razões para o índice mais baixo é que existem somente dois fabricantes no mundo de lançadores de cabo.
O gerente executivo do Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), Elizio Araújo Neto, acredita que o plano está cumprindo os objetivos de construir navios no Brasil e garantir conteúdo local mínimo de 65% no país. Ele diz que o terceiro pilar a ser conquistado pelo setor é garantir indústria competitiva que permita preços compatíveis com o mercado internacional. “É importante porque, se isso não acontecer, fatalmente não conseguiremos sustentar a indústria no futuro”, afirma.
A Transpetro tem comprado aço no Brasil a preços competitivos com o mercado internacional. “Hoje, compramos aço no Brasil a preços bastante compatíveis com o praticado no mercado internacional. Aço para nós em termos de custo não é problema”, conta Araújo Neto. Ele reconhece que o país ainda não tem escala e disponibilidade para fabricar alguns equipamentos e ressalta que a isenção de tarifas torna os preços de importação menos caros.
Já o custo do trabalhador é considerado alto, na comparação com outros países, sobretudo na relação homem-hora. Araújo Neto explica que esse parâmetro mantém o Brasil menos produtivo que países como Coreia do Sul e Japão.
De acordo com o Sinaval, a China domina o mercado de navios graneleiros de grande porte, com 65% das encomendas, e cresce na construção de petroleiros. A Coreia do Sul segue líder na construção de navios petroleiros, com 48% das encomendas, e na construção de porta-contêineres e gaseiros. Cingapura ganha destaque na produção de plataformas de produção de petróleo e sondas de perfuração. O Japão se destaca na construção de navios especializados, gaseiros e porta-contêineres.
O gerente executivo do Promef diz que o Brasil pode sonhar em conquistar futuramente encomendas da carteira global, que hoje é da ordem de US$ 240,9 bilhões, e prevê construção de mais de quatro mil embarcações. Ele aponta a necessidade de o país conquistar ganhos de produtividade, manter a continuidade das encomendas e formar mão de obra de qualidade. “A Coreia levou 30 anos para atingir o patamar que o Brasil deve alcançar na metade do tempo”, destaca.
Há quatro anos, os acionistas do estaleiro Vard optaram pela construção da unidade em Pernambuco para melhorar sua produtividade. O grupo decidiu que a unidade de Niterói (RJ), que já construiu e entregou 33 embarcações offshore, estava defasada. A estratégia agora destina as demandas de grande porte para Pernambuco e os serviços de acabamento à unidade de Niterói. “Uma das formas de melhorar a produtividade é fazendo investimento maciço em tecnologia e no parque industrial”, afirma o presidente do VardPromar, Miro Arantes.
O grupo investiu R$ 350 milhões na nova unidade. Inaugurado em dezembro de 2013, o estaleiro possui carteira de R$ 920 milhões, por meio de oito navios do Promef. O primeiro corte de aço do VardPromar aconteceu em julho de 2013. O gaseiro EP-3, batizado de Barbosa Lima Sobrinho, foi lançado em agosto. A expectativa é de que a embarcação seja entregue à Transpetro até o início de 2015.
Arantes lista como desafios para o setor melhorar a produtividade, o que significa consolidar treinamentos, desenvolver a cadeia de fornecedores e implantar um programa de contratação que evite que os estaleiros fiquem sem demanda. Ele conta que a carteira de gaseiros do Promar termina em 2016 e que a unidade de Niterói estará com carteira zerada em 2015. “Se houver hiato na linha de produção, temos que mandar pessoas embora. Se dispensarmos as pessoas que treinamos, daqui a pouco não as teremos disponíveis. O estaleiro não pode viver de picos e vales”, alerta Arantes.
Dos oito gaseiros encomendados ao VardPromar, dois foram lançados e estão passando pelo acabamento no estaleiro Vard Niterói. O primeiro será entregue em novembro de 2014 e o segundo em março de 2015. A unidade de Pernambuco também construirá dois PLSV (barcos de lançamento de linha) para a joint venture entre a DOF e a Technip.
A melhoria nos índices de produção passa pelos projetos, instalações e capacitação da mão de obra. O presidente do VardPromar conta que, mesmo após a inauguração do EAS, a mão de obra em Pernambuco ainda precisa de experiência. Arantes observa que esse é um fenômeno comum em todo o país, desde os gestores até os operários. Ele lembra que alguns gerentes e diretores da unidade de Niterói se transferiram para o estaleiro Promar. No entanto, esse é um processo dispendioso e os estaleiros têm como primeira opção buscar mão de obra local.
Araújo Neto, da Transpetro, lembra que o Brasil ficou 20 anos sem lançar navios de grande porte, contribuindo para predominância de armadores estrangeiros no país e sucateando os estaleiros. Ele destaca que, em dois anos, sete navios entraram em operação e um comboio de embarcações fluviais já está pronto. E acrescenta que os navios estão com contratos de construção, com exceção de três bunkers que serão relicitados.
A frota própria da Transpetro, de 60 navios, tem participação em torno de 36% no transporte de cargas da Petrobras. A idade média da frota da Transpetro é de 16 anos. O objetivo da companhia é chegar a 2020 com uma frota de 110 navios. O Promef prevê a construção de 49 navios, com investimentos de R$ 10,8 bilhões. Araújo Neto, da Transpetro, destaca que o programa viabilizou a construção de estaleiros como o Atlântico Sul (PE), VardPromar (PE) e Rio Tietê, além da modernização de estaleiros do Rio de Janeiro, como o Inhaúma (antigo Ishibrás).
Araújo Neto destaca que os estaleiros saíram da inércia e as encomendas estão sendo entregues, mas existem ajustes a serem efetuados no programa. Apesar do aumento da demanda, ele admite problemas de gestão nos estaleiros e o desafio de formar gestores capazes de tocar a indústria de forma profissional e competitiva. “Chegou a hora de buscar com muita ênfase a questão da produtividade”, projeta. Para isso, é necessário reduzir os custos dos estaleiros brasileiros com o aço, mão de obra, equipamentos e navipeças.
Nos últimos anos, empresas japonesas vêm ganhando grande participação nos estaleiros brasileiros. A JMU (Japan Maritime United) possui 25% do EAS, enquanto a Kawasaki possui 30% do Enseada Indústria Naval (BA). A Mitsubishi e associadas detêm 30% do Ecovix (RS). Já a Toyo tem participação no EBR (RS).
Um convênio assinado em 2013 entre o Senai e a agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) tem como objetivo a formação de instrutores nas unidades do Senai no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. Em agosto, a Petrobras assinou acordo para empréstimo no valor de US$ 500 milhões destinados a projetos de construção e conversão de 12 cascos de plataformas FPSO. O acordo foi firmado com a agência japonesa de seguro de crédito Nippon Exportand Investment Insurance (NEXI) e com o Banco Mizuho. As plataformas estão sendo construídas para projetos do pré-sal, na Bacia de Santos, incluindo áreas da cessão onerosa.
O presidente do Sinaval diz que a participação de japoneses e outros países é importante para acelerar a capacitação brasileira. Na avaliação do sindicato, o Brasil evoluiu bastante nos últimos anos, enquanto países asiáticos levaram mais de 20 anos nesse processo de amadurecimento para atingir o estágio atual de produtividade. Rocha reconhece que os problemas de gestão estão entre as principais preocupações dos estaleiros. “A gestão é um problema sério dentro dos estaleiros em função de não haver formação suficiente para técnicos nesse período de 10 anos”, analisa.
Rocha diz que existe demanda para a construção naval até 2050 e que o Brasil possui estaleiros preparados com tecnologia de quinta geração. Ele destaca que a construção naval brasileira avançou na tecnologia e hoje possui 82 mil empregos diretos e chegará a 100 mil postos de trabalho em breve. Ele diz que, se a indústria nacional fosse artesanal como na década de 1970, haveria hoje 150 mil empregos diretos.
Entretanto, o Estaleiro Ilha (Eisa), no Rio de Janeiro (RJ), retomou as atividades no final de agosto, após mais de dois meses paralisado devido a problemas financeiros que motivaram atrasos no pagamento dos trabalhadores. A carteira do estaleiro é uma das maiores do país, com encomendas de 26 embarcações que somam cerca de R$ 2 bilhões. A situação foi resolvida momentaneamente após um empréstimo de U$$ 120 milhões de um fundo americano, que possibilitou o pagamento dos salários atrasados dos 3.200 trabalhadores do estaleiro.
No mercado, ainda giram incertezas sobre o futuro do estaleiro, que pode ser vendido. De acordo com Leônidas Rezende Dutra, superintendente do Synergy, grupo que controla o estaleiro, existem muitos investidores nacionais e estrangeiros interessados em aportar recursos no estaleiro.
O secretário de administração e finanças da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CMM), Edson Carlos Rocha da Silva, estranha os problemas financeiros do estaleiro, considerando que o Synergy — controlador do Eisa — vem apresentando bons resultados com outro ativo, a empresa aérea Avianca. “O Grupo Synergy adquiriu a massa falida e, hoje, a Avianca está de vento em popa. Como um estaleiro desse tipo pode quebrar? Os empresários me parecem pessoas sem compromisso com a construção naval brasileira”, questiona.
Campos, da CSEN/Abimaq, acredita que, daqui a alguns anos, os estaleiros terão período de aglutinação em que o mercado irá se consolidar. “Nenhum estaleiro hoje quebra por falta de encomendas no Brasil, e sim por problemas de fluxo de caixa”, analisa Campos. O advogado Marcos Castro, sócio do escritório Stocche Forbes, observa tendência de consolidação a médio e longo prazo. Ele acredita que, apesar da demanda, pode ser que estaleiros sem encomendas fiquem para trás.
Castro imagina que esse processo acontecerá num horizonte de cinco anos. “Daqui a alguns anos, é inevitável que comece a haver fusões e aquisições nesse setor. Os mais fortes vão acabar sobrevivendo. Haverá um número menor de estaleiros, mas talvez mais robustos. Quem conseguir vencer esse período de implantação tende a ficar bem posicionado”, analisa Castro.
Para Arantes, do VardPromar, o estaleiro é um projeto de longo prazo. “Se o investidor não vislumbra horizonte mínimo de cinco a 10 anos, ele não faz o investimento. Se o nível de incerteza estiver alto com a questão da continuidade do programa de nacionalização e de construção naval no país, acho que os estaleiros ainda no papel ou em fase de desenvolvimento não decolarão”, analisa.
A Ecovix mantém carteira de encomendas suficientes para conservar projetos até 2018, incluindo a produção dos cascos e também os navios-sonda. A empresa aposta nas reservas de petróleo do pré-sal e no crescimento do setor de exploração e produção nas próximas décadas. A empresa classifica as descobertas de óleo em águas ultraprofundas como um desafio tecnológico para a Petrobras e para a construção naval. A Ecovix já investiu R$ 1,4 bilhões para ampliação do estaleiro.
A empresa confirma que o cronograma dos três navios-sonda encomendados ao estaleiro Rio Grande permanece para 2016, 2017 e 2018. O estaleiro contratou projeto de uma empresa holandesa que forneceu a tecnologia e o conceito do navio sonda a ser aplicado. “Hoje todos os navios-sonda existentes no Brasil são importados. Um dos desafios, considerável, é cumprir o índice de nacionalização para a construção dos navios. Para isso é fundamental que os grandes fabricantes internacionais, que são recorrentemente os mesmos, comecem a se instalar no país”, analisa Almada.
Ele acrescenta que, apesar de recente, a sociedade com os japoneses contribuirá para a especialização dos profissionais. “Já existem profissionais especializados que foram trazidos para funções para as quais não havia mão de obra local, devido ao grau de complexidade da atividade e são fundamentais para o processo construtivo e de formação da mão de obra local”, aponta. A empresa contratará 2.500 pessoas para a construção dos navios-sonda. Ele acredita que o prazo é um atrativo para a mão de obra, que busca estabilidade de projetos de longo prazo.
Castro, da Stocche Forbes, diz que um dos principais desafios está sendo ressuscitar uma indústria que ficou mais de uma década limitado a obras de pequeno valor agregado. Ele ressalta a complexidade da construção e integração de plataformas e FPSO, que chegam a envolver três a quatro estaleiros por unidade. Algumas demandas de menor valor agregado, como a conversão de cascos, são feitas fora do país, por conta da agilidade e do preço.
Ele diz que, por esses projetos envolverem muitos recursos, é preciso preocupação muito grande para evitar desperdício de material e retrabalho. “É um negócio de números enormes, as margens não são muito grandes. Um estaleiro pequeno bem gerido dá lucro porque as margens são pequenas e os valores muito grandes. Mas também é fácil errar a mão em alguma coisa, principalmente no começo, e ficar no prejuízo”, observa Castro.
Fonte: Portos e Navios