O déficit na balança de serviços é responsável por pouco mais da metade do rombo nas transações correntes do Brasil. Em 2014, até outubro, o movimento verificado nos últimos anos de concentração da piora do saldo negativo em serviços em poucos setores se acentuou com o aumento dos investimentos no pré-sal, o incremento da atividade mineradora e o avanço de grandes obras.
Apenas com aluguel de equipamentos o país gastou US$ 18,3 bilhões nos dez primeiros meses do ano, quase a metade do déficit total (US$ 39,9 bilhões) e seis pontos percentuais acima do observado entre janeiro e outubro de 2013.
O cenário do início da década, quando superávit com bens compensava a conta negativa em serviços, chegou ao fim com a deterioração da balança comercial no período, na avaliação de analistas. A tendência é que o setor de serviços continue piorando o saldo do país com o exterior.
Segundo analistas, o foco do país está no comércio de bens, o que dificulta a reversão da trajetória de elevado e persistente déficit em serviços. Enquanto a conta de serviços dobrou o saldo negativo ano a ano na última década, as transações correntes — que somam ainda as contas de rendas e balança comercial — só começaram a ficar deficitárias a partir de 2008. Nos três anos anteriores, o saldo na balança de bens foi superavitário na casa dos US$ 40 bilhões. De lá para cá, o saldo foi diminuindo e neste ano deve registrar pequeno déficit.
Juntamente com esse movimento das transações correntes do Brasil, houve mudança nas relações econômicas entre os países e o setor de serviços, que adiciona valor e condiciona a venda de produtos, ganhou maior participação.
Em comparação a 2013 — sempre entre janeiro a outubro, de acordo com dados do Banco Central divulgados esta semana — o déficit em serviços cresceu pouco neste ano, 1,3%. O Brasil conseguiu obter superávit expressivo apenas em serviços empresariais, profissionais e técnicos (US$ 9,8 bilhões).
O saldo negativo é causado quase na totalidade por três subcontas: aluguel de equipamentos, onde o saldo negativo subiu 17,3%, viagens internacionais (alta de 15%) e transportes (queda de 10% no déficit de US$ 7,5 bilhões). O último subsetor flutua de acordo com a corrente de comércio de bens. Neste ano até outubro, o recuo era de 3,7%, segundo o Ministério do Desenvolvimento.
O saldo com gastos e receitas com viagens internacionais bateu recorde neste ano ao ficar negativo em US$ 15,8 bilhões. A desaceleração da economia e a desvalorização do real neste segundo semestre, no entanto, possuem poder maior para frear o incremento desse tipo de gasto no exterior. Na visão do economista Rafael Bistafa, da Rosenberg & Associados, outubro já demonstra essa tendência, com o recuo de 11% nesses gastos ante setembro e de 7% em relação ao mesmo mês um ano antes.
“Essa depreciação do dólar já começa a fazer algum efeito na conta de viagens internacionais, que é mais sensível. Em aluguel de equipamentos, por outro lado, os contratos são mais longos, respondem a outra dinâmica da economia. Por isso, essa conta tende a ganhar mais peso no déficit total no próximo ano”, afirma Bistafa.
Entre janeiro do ano passado e outubro deste ano, a Petrobras exportou US$ 9,7 bilhões em plataformas de petróleo de maneira contábil — o produto não sai fisicamente do país, mas a estatal paga aluguel para a subsidiária no exterior para ganhar vantagem fiscal. O grosso desses aluguéis, não divulgados pela Petrobras, está em operação e influencia o aumento nos gastos com o serviço.
As outras empresas de petróleo e gás que trabalham no país em conjunto com a estatal também alugam do exterior a maior parte do maquinário usado na produção. Como neste ano a produção de petróleo do país cresceu 9,8% de janeiro a setembro ante o mesmo período um ano antes, puxada pelo avanço na exploração do pré-sal, houve maior pressão na conta de aluguéis. Bistafa destaca que grandes obras exigem o aluguel de máquinas pesadas do exterior, assim como a atividade mineradora.
A composição do déficit em serviços mostra que essa balança é mais rígida do que a de bens em relação aos movimentos da economia, na visão de Bruno Lavieri, economista da Tendências Consultoria. A estabilidade do déficit neste ano foi precedido de incremento de 13,6% do saldo negativo em 2013 sobre o ano anterior.
“O ano passado foi de baixo crescimento, mas a conta de serviços não acompanhou esse movimento. Dado que a economia não vai acelerar forte nos próximos anos, alguma hora o déficit vai se estabilizar. O problema é que ele é alto e não há mais o resultado de bens para balancear”, afirma.
O déficit na conta de rendas, de US$ 30,3 bilhões neste ano, forma a outra metade do rombo de US$ 70 bilhões nas transações correntes até outubro. Até fim de dezembro, o saldo negativo deve ficar em US$ 91 bilhões nas contas da Tendências e em US$ 87 bilhões nos cálculos da Rosenberg. “Dificilmente vamos sair desse patamar em 2015. O câmbio serve mais para mudar a composição, não o resultado em serviços”, diz Lavieri.
A trajetória na balança de serviços revela, a medida que o tempo avança, “as deficiência do setor externo”, segundo Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele nota que a economia brasileira, considerada protecionista tanto em bens como em serviços, não consegue conter a tendência de crescimento das importações na segunda conta e acredita que a tendência estrutural em serviços é de incremento do déficit nos próximos anos. Atualmente, o saldo negativo na balança de manufaturados, dentro da balança comercial, está ao redor de US$ 105 bilhões.
“Ainda é bem maior do que em serviços, mas a distância vem diminuindo. Agora, imagina esses dois déficits, grandes, o impacto que isso provoca nas contas externas. E se nem estamos discutindo isso, como país, muito menos estamos perto de tomar alguma medida que ajude a solucionar o problema”, afirma Arbache.
Arbache cita o acordo comercial que está sendo negociado entre Mercosul e União Europeia. A proposta sul-americana, encabeçada pelos interesses brasileiros, não contempla o setor de serviços. “É aí que está o maior nó, pois os europeus querem entrar nesse mercado, possuem uma proposta para ser negociada e por aqui ainda nem se olha com a devida atenção o setor”, afirma o economista.
Fonte: Valor Econômico — Rodrigo Pedroso | De São Paulo