O ano de 2015 inaugurará no transporte marítimo a era dos megaconsórcios, a associação de armadores em escala inédita para cobrir os tráfegos internacionais mais disputados. Dois entram em operação neste mês e outros dois menores, já em atuação, estão sendo ampliados. A estratégia é uma tentativa da indústria de reverter os resultados financeiros ruins dos últimos cinco anos, otimizando a utilização dos supernavios de até 20 mil Teus de capacidade (contêiner de 20 pés). Nenhum deles cobrirá os tráfegos do Brasil. Mas a região será impactada indiretamente, pois os armadores deslocarão as embarcações das rotas principais para as secundárias, como as que atendem a América Latina.
Especialistas acreditam que até 2016 navios com capacidade para 12 mil a 13 mil Teus chegarão à costa brasileira – o que vai impor ainda mais pressão sobre as atrasadas obras de dragagem a cargo do poder público. Com limitações físicas, os portos brasileiros enfrentam hoje dificuldades para atender embarcações de 9.600 Teus, as maiores em atuação regular por aqui.
A MSC, vice-líder do transporte internacional de contêineres, vai mandar navios de 8.500 Teus para a costa oeste da África, onde hoje dificilmente se vê embarcações maiores do que 5 mil Teus.
“Espera-se que parte do efeito cascata da substituição dos navios de 10 mil a 12 mil Teus por navios de 14 mil a 20 mil Teus nos tráfegos leste-oeste possa impactar alguns serviços que operam atualmente na costa brasileira. Se isso de fato ocorrer, novos consórcios poderão surgir”, afirma Leandro Barreto, diretor de Análises da Datamar Consulting. Para Barreto, a tendência é que tão logo os armadores superem os desafios da implantação desses megaconsórcios as parcerias se espalhem para os serviços norte-sul, incluindo, aí sim, o Brasil.
Os megaconsórcios utilizam navios cada vez maiores para obter ganhos de escala. Contudo, só são viáveis com uma taxa de utilização acima de 80%, daí a necessidade de compartilhamento entre os armadores. A onda foi iniciada em meados de 2013 com o anúncio de uma aliança operacional chamada P3 pelas gigantes da navegação Maersk Line, MSC e CMA CGM. Juntas, as três respondiam à época por 38% da capacidade mundial. A aliança foi vetada pelos órgãos de proteção à concorrência da China, após ter sido aprovada pelas autoridades dos EUA e Europa.
Criou-se, então, o 2M, associação entre a Maersk Line e MSC cuja previsão é entrar em operação neste mês. Será o maior megaconsórcio, cobrindo 21 rotas. Segundo Peter Gyde, principal executivo da Maersk Line no Brasil, não há planos de que a associação chegue à América Latina. “Há amplas operações conjuntas de navios na costa e esperamos que isso permaneça na medida em que os tráfegos da Costa Leste da América Latina continuem sob pressão devido às más condições econômicas e aos altos custos.”
Várias empresas tiveram prejuízo em função da queda dos fretes médios e do aumento dos custos do combustível
Michel Donner, assessor da consultoria inglesa Drewry, explica que o conceito de consórcio não é novo. Acordos de compartilhamento de espaço, os chamados “vessel sharing agreement” (VSA), existem há pelo menos duas décadas. O que mudou foi o tamanho e o escopo das novas alianças. Apesar de o Brasil não ser servido por megaconsórcios, a média de armadores nos serviços que ligam o Brasil ao resto do mundo e a capacidade média das embarcações vêm aumentando, conforme mostra levantamento feito pela Datamar Consulting a pedido do Valor.
Enquanto os VSAs são negociados individualmente para cada linha/serviço, e válidos por curto prazo (normalmente um ano), os megaconsórcios preveem alianças entre os armadores em diversos tráfegos e por um período mais longo.
“O fato relevante é que os membros ficam independentes na parte comercial e de marketing. E não se trata de fusão e aquisição”, afirma Donner.
O maior VSA em operação no Brasil envolve nove empresas e conecta a Costa Leste da América Latina à Ásia. Neste mês será inaugurado outro, um acordo entre a Hamburg Süd e a UASC para troca de espaço. A Hamburg Süd vai embarcar nos navios da UASC nos tráfegos Ásia-Europa e Ásia-EUA. E a UASC vai embarcar, a partir de fevereiro, nos porta-contêineres da Hamburg Süd entre a Costa Leste da América Latina com a Ásia e Europa.
Nos últimos anos várias empresas amargaram prejuízo em função da queda dos fretes médios e do aumento dos custos do combustível dos navios, decorrentes da crise mundial. Apostava-se, então, num processo de consolidação, mas isso não aconteceu na medida imaginada em razão das estruturas das empresas e de interesses nacionais em companhias de navegação.
“A alternativa tem sido estabelecer novas modalidades de trabalho conjunto para gerenciar custos e ganhar escala sem investimentos pesados. É provável que esse cenário se mantenha no próximo ciclo, enquanto as empresas mais fortes vão se recapitalizar e as companhias mais fracas vão focar em nichos ou serem possíveis alvos de fusão, como a CSAV e a CCNI “, diz Gyde.