As empresas que atuam no mercado de rebocadores portuários estão criticando a atuação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) no setor. Os rebocadores auxiliam navios maiores a fazer manobras nos portos. A discussão começou em dezembro e vem se aprofundando, provocando, inclusive, divisão no Sindicato Nacional das Empresas de Navegação e Tráfego Portuário (Sindiporto Brasil).
A diretoria do Sindiporto disse ter sido surpreendida, em dezembro, por duas autorizações concedidas pela Antaq, sem prévio aviso por escrito aos armadores, para que a empresa Transmar Serviços Marítimos, também associada à entidade, afretasse quatro rebocadores de bandeira estrangeira. Depois de tentar, sem sucesso, anular as autorizações em áreas técnicas da agência, o sindicato resolveu levar o tema à diretoria da Antaq, o que ainda será feito.
A discussão ganhou relevância porque, segundo o Sindiporto, existe frota de bandeira brasileira suficiente para atender a demanda do mercado nacional. Nos últimos dez anos, foram construídos em estaleiros nacionais 120 rebocadores. A frota atual no país é de cerca de 220 rebocadores de porte, sendo somente um deles construído fora do Brasil, segundo fontes de mercado.
Há também uma questão legal como pano de fundo nessa disputa. O episódio da Transmar provocou dúvida no mercado sobre qual a política a ser seguida pelo órgão regulador: trazer navios de fora ou continuar a construir no Brasil, disse executivo de uma empresa.
O diretor-geral da Antaq, Mario Povia, negou que a agência tenha planos de priorizar os afretamentos de navios de bandeira estrangeira em lugar da frota de bandeira nacional. O objetivo é privilegiar a empresa brasileira que opera com frota local, disse Povia. “Temos de nos manter aderentes à política pública do governo”, afirmou.
Povia se referiu à lei 9.432, de 1997, que trata sobre a ordenação do transporte aquaviário. A lei protege a bandeira brasileira na cabotagem, no apoio marítimo e portuário. Essas atividades da navegação são privilégio de empresas nacionais. A lei prevê o afretamento de embarcação estrangeira quando verificada a inexistência ou indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira. A empresa brasileira de navegação interessada em afretar um navio estrangeiro precisa fazer a chamada circularização: uma consulta ao mercado sobre a disponibilidade de embarcação de bandeira brasileira para prestar o serviço.
A Antaq implementou, na atual administração da agência, uma ferramenta eletrônica, o Sistema de Gerenciamento de Afretamento na Navegação Marítima e de Apoio (SAMA), para fazer essa circularização, antes feita por fax. O problema no caso das autorizações de afretamento dadas pela agência à Transmar, em outubro de 2014, foi que nenhum dos quase 20 associados do sindicato foi consultado, via email, sobre a disponibilidade de embarcações, disse o representante jurídico do Sindiporto no questionamento administrativo enviado à Antaq.
No documento, o Sindiporto pediu a anulação das autorizações de afretamento recebidas pela Transmar. Francisco Reis, gerente-executivo do Sindiporto Brasil, afirmou que a entidade conseguiu, em um primeiro momento, a suspensão temporária das autorizações. Mas, em 24 de dezembro, houve o indeferimento do pedido do sindicato pela superintendência de outorgas da agência reguladora. Reis disse que houve decisão de continuar com o questionamento administrativo, levando o assunto à diretoria da agência. Não houve decisão ainda sobre um eventual encaminhamento do assunto para a esfera da justiça comum. Procurada, a Transmar não respondeu perguntas enviadas pela reportagem.
O diretor-geral da Antaq disse que a circularização do pedido de afretamento da Transmar foi feita e colocada no sistema eletrônico, o Sama. Mas reconheceu que houve um problema de tecnologia da informação, já corrigido, que impediu o envio do email. “O sistema requer a visita das empresas ao site pelo menos duas vezes por dia, o email é um plus [acréscimo]”, disse Povia.
Segundo ele, das cinco mil circularizações feitas no ano passado, apenas dez se referiram ao segmento de apoio portuário e casco nu (o aluguel de embarcações sem tripulação). Um executivo de uma empresa do setor disse estranhar, porém, a “coincidência” de os pedidos de afretamento da Transmar não terem sido enviados por email, conforme determina a regra.
Povia afirmou que a Wilson Sons, uma das empresas que mais protestaram no caso das autorizações dadas à Transmar, não participou de um workshop sobre o uso do sistema Sama. “Possivelmente vamos chamar outro workshop sobre o uso do [sistema] Sama”, disse Povia.
A Wilson Sons, líder no segmento de rebocadores portuários no país, não quis se pronunciar. Fonte próxima da empresa disse que a Wilson Sons Ultra Tug, da área de apoio marítimo (offshore), mandou representantes ao treinamento.
Fonte: Valor Econômico – Francisco Góes