Indústrias no polo naval de Rio Grande cortam investimentos e demitem em massa

  • 23/02/2015

O que antes era um temor começa a se tornar realidade. Com boa parte das empresas que atuam na indústria naval envolvida no escândalo da Petrobras, a engrenagem do setor passa a engasgar diante da redução de crédito nos bancos e recuo de investimentos da estatal, a principal cliente dos estaleiros.

É o reflexo mais triste do esquema de corrupção praticado dentro da maior petrolífera do país na última década: milhares de trabalhadores que não têm a ver com o escândalo de desvios de dinheiro em contratos com a Petrobras podem ficar sem emprego. De dezembro para cá, 1,8 mil vagas foram fechadas. Em dois anos, também devido a entrega de encomendas sem o recebimento de novos pedidos, são quase 12 mil dispensas no Rio Grande do Sul.

O polo de Charqueadas foi afetado diretamente pela crise de uma das empresas do setor. A dificuldade vivida pela Iesa Óleo e Gás levou à demissão de mais mil trabalhadores no fim de 2014. A Andrade Gutierrez ensaiou assumir o negócio, mas desistiu “por enfrentar dificuldade nas negociações”.

 

Abertura de 3 mil vagas fica incerta

A situação tende a se agravar ainda mais com o fantasma de demissões que ronda o polo de Rio Grande, braço forte dessa indústria no Rio Grande do Sul. Rumores dão conta que o consórcio QGI Brasil (formado pelas empresas Queiroz Galvão e Iesa) estaria prestes a desistir de montar e integrar módulos de duas plataformas de petróleo encomendadas pela estatal.

A empresa não confirma a informação, mas uma fonte que acompanha a situação de perto confirma que a possibilidade é real caso não haja a interferência do governo no assunto. O impasse no negócio é a negativa da Petrobras na aprovação de aditivos no contrato, o que limita o dinheiro disponível para a montagem ao valor previsto inicialmente na licitação, de US$ 1,6 bilhão.

Considerados comuns no segmento, os aditivos foram uma das ferramentas utilizadas para inflar o valor das obras e desviar recursos, como mostrou a Operação Lava-Jato, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Se confirmada a suspensão da montagem na QGI, pelo menos 4 mil trabalhadores deixariam de ser recontratados.

– O impacto era esperado, mas não em contratos que já foram assinados. Isso preocupa, principalmente em um segmento que ainda não está totalmente maduro – afirma Marcus Coester, diretor do comitê de Óleo e Gás da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).

 

Situação das plataformas montadas em Rio Grande

  • P-66: entregue no fim de 2014
  • P-67: 92% concluída
  • P-69: 75% concluída
  • P-70: deve entrar em montagem no dique seco em março

 

A incerteza também afeta trabalhadores da Engevix, no Sul do Estado. Em setembro passado, a empresa já havia anunciado que tinha desistido de construir uma fábrica de módulos na Capital, afundando de vez o sonho de criar um polo naval do Guaíba. Agora, pode estar prestes a entrar com pedido de concordata, conforme indicam analistas do mercado. A assessoria da Engevix nega a informação.

Em São José do Norte, em frente a Rio Grande, do outro lado do canal, a Toyo Setal, proprietária do estaleiro EBR, responsável pela montagem de módulos da plataforma P-74, não se manifesta sobre o assunto. O esperado é que a unidade gerasse 3 mil empregos no pico das atividades, mas agora isso também é dúvida.

 

Estaleiros ficam sem receber

Os principais estaleiros que produzem equipamentos para a exploração da camada do pré-sal de petróleo são os mais afetados pela crise que começa a se desenhar no setor naval. Prestadores de serviços para a empresa Sete Brasil, criada para gerenciar a montagem das sondas a serem usadas pela Petrobras, estão sem receber desde novembro.

Entre os estaleiros afetados, está o da Engevix em Rio Grande, que passa por situação financeira delicada desde a deflagração da Operação Lava-Jato. A empresa mais que dobrou o endividamento nos últimos dois anos e tem parte relevante do faturamento ligado ao setor naval, cerca de 54%.

A dívida da Sete Brasil com a empreiteira pode chegar a R$ 250 milhões. Por meio de assessoria, a Engevix nega que tenha havido demissão em massa no estaleiro nos últimos meses e pontua que a variação no número de funcionários está ligada a diferentes etapas de construção das plataformas, “que em determinado momento exige mais ou menos trabalhadores”.

No Estaleiro Enseada, na Bahia, pertencente às construtoras Odebrecht, OAS e UTC, as obras foram paralisadas desde que os pagamentos começaram a atrasar. Na semana passada, 350 trabalhadores foram mandados embora.

A estimativa é de que, desde novembro, o número de dispensados some 3 mil.

 

Escândalo faz banco segurar empréstimo

A inadimplência da Sete Brasil é reflexo do envolvimento do ex-gerente da Diretoria de Serviços da Petrobras Pedro Barusco em possíveis pagamentos de propina. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sinalizou não liberar empréstimo de US$ 3,2 bilhões que seriam utilizados para garantir a construção do primeiro bloco de sondas. A justificativa do pedido é que, sem o suporte, a empresa, controlada por três grandes bancos, Santander, Bradesco e BTG, e fundos de pensão, iria à falência.

A redução de investimento da Petrobras não é o único problema que aflige os fornecedores, avalia Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, instituição que representa os estaleiros no Brasil.

– O preço do petróleo é o fator mais preocupante. A crise da Petrobras poderá encontrar um ponto de equilíbrio ainda este ano. O conjunto de fatores torna o cenário delicado. Existe a possibilidade de um quadro mais claro a partir do segundo trimestre – avalia.

 

Fonte: Zero Hora (RS) – Cadu Caldas

 

23/02/2015|Seção: Notícias da Semana|Tags: |