Principal polo naval do país, Rio revive temor dos anos 80

  • 23/03/2015

RIO – Um dos setores mais estratégicos do Rio desde o Barão de Mauá no século XIX, a indústria naval vive um novo momento de crise e incertezas. No estado, que concentra metade dos estaleiros no país, o número de demissões já chega a 4.900 nos últimos meses e outras 4.200 vagas correm o risco de desaparecer. A crise, reflexo da paralisia dos investimentos da Petrobras por causa dos casos de corrupção, freou também um dos principais projetos do governo estadual, o polo de navipeças, que seria em Duque de Caxias. Especialistas veem a indústria em encruzilhada semelhante à vivida nos anos 1980, quando houve a derrocada dos estaleiros: ou o setor se moderniza e sobrevive com competitividade, sem subsídios públicos, ou está fadado a encolher.

 

O professor Floriano Carlos Martins Pires Junior, da Coppe/UFRJ, um dos maiores especialistas do país no setor, afirma que essa indústria vive uma encruzilhada igual à dos anos 1980:

— A crise da Petrobras antecipou um problema que ocorreria: o setor estava precisando de um ajuste estrutural, estava superdimensionado, projetos que não se sustentam sem o subsídio do governo. O momento agora é da busca da eficiência e da competitividade. A indústria naval brasileira poderia até exportar: 85% do mercado mundial é dominado por China e Coreia do Sul. O Brasil poderia brigar por parte desses 15%, sobretudo em equipamentos de maior tecnologia embarcada.

Mauro Osório, professor de economia da UFRJ, afirma que os estaleiros respondem por 5% dos empregos industriais do Rio, cerca de 30 mil postos, e têm salários acima da média das demais indústrias:

— O Rio pode até ganhar neste momento se conseguir alcançar um novo patamar de competitividade, por ser um cluster mais consolidado.

 

Alexandre dos Reis, diretor de Relacionamento de Mercado da Firjan, lembra que metade da indústria do setor está no Rio: são 22 estaleiros e 260 empresas de navipeças. Ele afirma que, para o setor sobreviver, serão necessários aperfeiçoamentos em gestão, qualificação e cadeia de suprimentos organizada:

— Apesar dos problemas momentâneos, ainda existe demanda. Estimamos em 150 navios de apoio necessários até 2020.

 

Com os estaleiros do Rio em situação crítica, o polo de navipeças — anunciado em 2012 e com previsão de geração de cinco mil empregos com a atração de investimentos privados de R$ 1,5 bilhão — foi cancelado. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento do Rio, o polo, que seria instalado em Duque de Caxias, “teve sua localização tornada virtual”. Por isso, o polo será compreendido em um conceito que não se restringe a um só local.

— As empresas estão em diversos pontos do estado. Há muitos distritos industriais no Rio — disse o subsecretário de Energia, Logística e Desenvolvimento Industrial do Rio, Marcelo Vertis.

  

Mais demissões à vista

Rogério Lima da Silva, niteroiense de 43 anos, trabalha há 15 em estaleiros. Após mudar de emprego em 2013, acabou demitido do estaleiro Camorim em abril de 2014 e não consegue emprego:

— Fiz cursos no Pronatec para virar soldador e, enquanto não acho um emprego no setor, vou usando o conhecimento que ganhei na construção civil e na parte de eletricidade fazendo bicos — disse ele, que sonha com um novo emprego em estaleiro.

 

Mas isso parece cada dia mais distante:

— Todos os estaleiros estão desmobilizando. A Petrobras falou que as obras em andamento não iriam parar, mas não é isso que está acontecendo — afirmou Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói.

Entre os estaleiros, as demissões assustam executivos do setor. Após desligar cerca de mil operários, o estaleiro Brasa — cujo sócio é a holandesa SBM, proibida de ser contratada pela Petrobras em função do escândalo de corrupção — pode ter que cortar mais dois mil operários, dizem os sindicatos, com o fim da construção de módulos para duas plataformas (Maricá e Saquarema). Do outro lado, o estaleiro admite que “o adiamento de licitações e a suspensão de projetos pode, sim, acarretar mais demissões no setor naval”.

— Encomendas estão sendo adiadas e canceladas. O setor sofre com essa falta de planejamento. O estaleiro EBE (do Grupo MPE, que também está proibido de ser contratado pela estatal por suposta formação de cartel) está demitindo todos os mil funcionários de sua unidade em Itaguaí, por causa do fim das encomendas da Modec — diz Alex Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio.

Procurada, a EBE, que aluga espaço da Nuclep, em Itaguaí, diz que a falta de projetos é o grande motivador das demissões. Mas a empresa diz manter a expectativa do surgimento de novas obras e o aproveitamento dos quase mil profissionais que estão sendo dispensados. O mesmo grau de incerteza atinge o estaleiro UTC, em Niterói.

 

Segundo Edson Rocha, a empresa teve que demitir 600 operários que trabalhavam na construção de módulos para quatro plataformas, já que o estaleiro não obteve resposta de novas encomendas da Petrobras. Rocha diz que outros 150 funcionários podem ser demitidos. A Petrobras disse desconhecer novas encomendas para a UTC no Rio. A UTC não quis comentar.

 

No estaleiro Inhaúma, já foram demitidos 849 trabalhadores, mas o sindicato vê o risco de mais três mil demissões, já que a estatal teria decidido fazer parte da conversão de duas plataformas na China. A informação, porém, é negada pela Petrobras. Mas se muitos estaleiros promovem demissões em massa, alguns, como o Brasfels, em Angra dos Reis, estão mantendo os trabalhadores, na expectativa de que a situação seja resolvida.

— Os empresários estão tentando manter o quadro de pessoal, esperando que a situação seja resolvida o mais rapidamente possível. O governo tem que dar um direcionamento de como poderemos sobreviver — disse Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, o sindicato dos estaleiros.

Fonte: O Globo – Bruno Rosa, Ramona Ordonez e Henrique Gomes Batista

 

Fornecedores do setor de óleo e gás sofrem com calote de estaleiros e demitem 6 mil

23/03/2015

 

RIO – Na esteira da crise naval, a indústria de máquinas e equipamentos também sente os efeitos da paralisação da Petrobras e dos problemas financeiros dos estaleiros por causa dos casos de corrupção da Operação Lava-Jato. Cerca de seis mil empregos de fornecedoras para o setor de óleo e gás foram cortados desde o início do ano passado, revela a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

 

Sem encomendas e sofrendo com a falta de pagamento de estaleiros Brasil afora, as empresas fornecedoras já operam com 50% da capacidade. O setor de óleo e gás soma 15% do faturamento de R$ 80 bilhões anuais da indústria de máquinas e equipamentos. Segundo o presidente da Abimaq, José Velloso, cerca de 900 empresas fabricantes de materiais trabalham para a Petrobras direta ou indiretamente.

— O setor não sabe o que fazer. Estamos no escuro sem qualquer informação. Não existem mais previsões, ninguém planeja mais nada. A situação é muito grave — lamentou Velloso.

 

O coordenador do MBA Gestão de Negócios em Indústria Naval Offshore da Fundação Getulio Vargas, Alberto Machado Neto, acredita que, com o retrocesso do setor naval, a indústria de materiais e equipamentos continuará sendo afetada:

— Na medida em que a crise se aprofunda, aumentarão as demissões atingindo também o pessoal mais qualificado. O problema está deixando de ser conjuntural para ser estrutural. Não estou vendo nenhum movimento no sentido de atuar na recuperação da indústria naval. É preciso buscar iniciativas sólidas para colocar o braço na alavanca e começar a recuperação.

 

Henrique Gomes, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco, lembra que no estado empresas que fornecem materiais para os estaleiros já enfrentam momentos de crise:

— Com a redução na atividade dos estaleiros de Pernambuco, alguns fabricantes já estão sem receber e têm de demitir. A crise se alastra por toda a cadeia.

 

Preocupação com Polos

Especialistas se preocupam com a paralisação da construção dos polos navais no Brasil — que reúnem justamente os fornecedores da cadeia. Além da suspensão do polo de navipeças no Rio, outros empreendimentos foram interrompidos. É o caso do Polo 2 de julho, no interior da Bahia, em Maragojipe. O empreendimento previa investimentos entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões e a geração de oito mil a 12 mil empregos. A ideia do polo era atrair pequenas e médias empresas do setor.

 

No Sul, a crise na Petrobras e nos estaleiros também jogou por terra o crescimento do polo de Rio Grande — que surgiu em 2005. Executivos lembram que muitas empresas fornecedoras que tinham comprado áreas para se instalarem na região mas, com a redução na atividade dos principais estaleiros da cidade, acabaram desistindo. Em 2010, surgiu a ideia de criar um segundo polo no Rio Grande do Sul: em Chaqueadas. Porém, o projeto acabou sofrendo os impactos da crise que abate o setor. Uma das principais empresas do local, a Iesa Óleo e Gás — em recuperação judicial e proibida de ser contratada pela Petrobras por uma suposta formação de cartel — disse que fechou sua unidade e demitiu 1.023 trabalhadores. — É uma falta de consideração da Petrobras que nos mobilizou, estimulou investimentos para atender a suas demandas, e agora sequer nos recebe. A Petrobras está pagando em dia seus compromissos em andamento, contudo, o grande problema é que não aceita pagar mais qualquer aditivo aos contratos — lamentou Velloso.

 

Procurada, a Petrobras disse que “está em dia com suas obrigações contratuais perante às contratadas e que todos os pagamentos de seus compromissos reconhecidos estão sendo realizados de acordo com a legislação vigente e com o estabelecido nos contratos”.

 

Fonte: O Globo – Ramona Ordonez


Corrupção afunda retomada da indústria naval

22/3/2015

 RIO – A indústria naval brasileira experimentou uma reviravolta nos últimos tempos. Da euforia da retomada na última década, quando crescia 19,5% ao ano, o setor passou a um quadro de demissões em massa e incertezas, em razão dos casos de corrupção que assolam a Petrobras e parte de seus fornecedores. A recuperação do setor, praticamente inexistente desde os anos 1980, foi um dos pilares do governo de Luiz Inácio Lula da Silva desde o primeiro mandato em 2003, quando anunciou em palanques a construção de plataformas para a Petrobras no país. A medida era parte da política de conteúdo local, impulsionada pela oferta de financiamento público. Da pujança naval — decantada em discursos de Lula e da presidente Dilma Rousseff durante as dezenas de visitas aos empreendimentos — resta agora apenas a lembrança das promessas e o silêncio das autoridades, além de milhares de trabalhadores desempregados em estaleiros de todo o país.

 

Desde o início do ano passado, quando a crise no setor se agravou, os estaleiros já demitiram cerca de 28 mil trabalhadores. Se somar os reflexos no setor de máquinas e equipamentos, o número de desempregados já supera os 34 mil. E a crise não deve parar por aí. Estima-se que ao menos outros 12,2 mil empregos estão em xeque nos principais polos navais do Brasil, dizem os sindicatos. Os pequenos municípios de Maragojipe, na Bahia, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ajudam a ilustrar esse cenário. Nas duas localidades, as demissões já se refletem na economia, com piora nas condições de vida, queda no faturamento do comércio e paralisação de obras de infraestrutura.

 

Construtoras controlam estaleiros

O corte de vagas é resultado do cancelamento de encomendas da Petrobras, com a Operação Lava-Jato da Polícia Federal. Há ainda o imbróglio envolvendo a Sete Brasil, criada para construir 29 sondas para o pré-sal e que tem a Petrobras entre seus sócios. Citada na delação premiada de Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, a Sete Brasil — que teria recebido propina de estaleiros — enfrenta problemas de caixa em razão do atraso do BNDES em liberar um financiamento de US$ 21 bilhões. A crise já forçou um dos bancos a solicitar pagamento antecipado de um empréstimo-ponte ao Fundo Garantidor da Construção Naval até o mês que vem.

 

A Sete disse que contratou auditoria externa que concluiu que todos os contratos desde o início de operação “estavam dentro dos padrões e preços praticados no mercado internacional.”

 

Segundo especialistas, o cenário é mais complexo porque boa parte dos estaleiros tem como controladores construtoras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras na formação de cartel.

— Não vejo solução imediata. A Sete Brasil não tem que ser destruída em função de atos errados de seus executivos. Não podemos perder o que conquistamos nesses últimos anos em termos de capacitação tecnológica e de mão de obra — avalia Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, o sindicato que reúne os estaleiros. Em 2003, o setor naval gerava 7 mil empregos e hoje emprega mais de 79 mil.

 

DÍVIDA DE US$ 1,25 BILHÃO COM ESTALEIROS

Especialistas avaliam que alguns estaleiros terão de fechar as portas e as encomendas serão reduzidas. Até então, com a perspectiva de dobrar a produção de petróleo até 2020 pela Petrobras, a previsão era de investimentos de US$ 100 bilhões na indústria naval até 2020. O coordenador da graduação em Engenharia do Ibmec-RJ, Altair Ferreira Filho, lembra que Petrobras e fornecedores respondiam, em 2012, por 13% do PIB:

— Vai ter um freio de arrumação e alguns dos 11 maiores estaleiros atuais deverão desaparecer. Mas é preciso alguma ação do governo para preservar o que já foi conquistado.

 

Com as denúncias de corrupção, a Petrobras reduziu os investimentos em 30% este ano, para US$ 31 bilhões, e trabalha na redução de seu novo plano de negócios, o que já é sentido pelos estaleiros.

 

Além disso, a crise financeira na Sete Brasil afetou em cheio cinco estaleiros no país, que estão sem receber desde novembro: a dívida chega a US$ 1,25 bilhão, segundo fontes. Um dos casos mais graves é o do estaleiro Paraguaçu, em Maragojipe, que, após ter 7.200 trabalhadores, conta hoje com 576 operários. A empresa é controlada por Odebrecht, OAS e UTC — proibidas de serem contratadas pela Petrobras por suposta formação de cartel —, além da japonesa Kawasaki, que é parceira tecnológica.

 

Em Pernambuco, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) — controlado por Queiroz Galvão e Camargo Correa, listadas na Lava-Jato, além da parceira japonesa Ishikawajima (IHI) —, suspendeu o contrato com a Sete. Com isso, 780 trabalhadores foram demitidos e outros mil correm o risco de perder o emprego. Procurado, o EAS não retornou. Especialistas ressaltam ainda que a IHI e a Kawasaki não foram envolvidas nos casos de corrupção e, mesmo assim, têm seus investimentos ameaçados. Procuradas, não retornaram.

 

Sensação de concordata branca

Três estaleiros ainda não demitiram: Rio Grande, Brasfels (RJ) e Jurong Aracruz (ES). A Sete Brasil confirmou o atraso nos pagamentos e disse que estuda novo empréstimo-ponte.

 

Entre os investidores da Sete Brasil, há a sensação de que a empresa está em uma espécie de concordata branca. Além da Petrobras a Sete tem como acionistas os fundos de pensão Petros, Previ, Funcef e Valia, os bancos Santander, Bradesco e BTG Pactual e os fundos EIG Global Energy Partners, a Lakeshore, a Luce Venture Capital e FI-FGTS.

— Sabemos que a Sete está sem pagar os estaleiros, mas foram os estaleiros que subornaram para ganhar contratos na Petrobras — desabafou uma fonte dos investidores.

 

Outro executivo ligado ao negócio diz que a Petrobras ainda não assinou os contratos de aluguel das sondas e estaria trabalhando com term sheets (documentos preliminares), o que impediria a liberação do dinheiro do BNDES. Ele credita a demora na assinatura ao ambiente desfavorável da Lava-Jato ou a uma “arrogância corporativa da Petrobras”. Uma fonte da estatal garante que os documentos definitivos estão assinados.

 

Fonte: O Globo Ramona Ordonez e Bruno Rosa

 

 

23/03/2015|Seção: Notícias da Semana|Tags: |