ADM prepara investimento em barcaças no país

  • 08/04/2015

A americana ADM, uma das maiores empresas do agronegócio do mundo, com vendas globais anuais de mais de US$ 80 bilhões, pretende aproveitar sua expertise em navegação fluvial nos Estados Unidos para incrementar as operações de barcaças para o escoamento de grãos no Brasil. O foco está no chamado “Arco Norte” – especificamente no Pará e em Rondônia, onde há menos de um mês a companhia deu início a um capítulo inédito de suas atividades no país com o transporte de soja pelos rios amazônicos.

“Temos muito interesse nos rios Tapajós e Madeira. E analisamos o Tocantins também. Nossa tradição e experiência com barcaças nos EUA nos dá uma vantagem competitiva frente à concorrência no Brasil”, afirmou ao Valor o presidente da ADM para o Brasil e a América do Sul (exceto Argentina), Valmor Schaffer. Discreto como a cartilha da ADM determina, Schaffer preferiu não especificar os valores dos investimentos nos corredores fluviais neste momento. Mas disse que serão aportes “fortes”, que estão sob a análise final da matriz da multinacional, em Chicago. “Não se constrói uma barcaça por menos de US$ 1 milhão”, pontua o executivo. E a companhia precisará de algumas dezenas delas, sem contar os demais equipamentos. Líder em frota fluvial nos EUA, com quase 2 mil barcaças próprias, a ADM já havia indicado, em 2013, que tinha a intenção de dobrar a frota da Sartco (South American River Transportation Company), sua subsidiária para logística no Brasil, justamente para atender o Arco Norte.

Criada em 1997, mesmo ano em que a ADM iniciou operações diretas no Brasil, a Sartco conta hoje com três rebocadores e 24 barcaças. A atuação da subsidiária está limitada à hidrovia Tietê-Paraná, desativada há um ano devido à seca em São Paulo. Segundo Schaffer, a hidrovia era responsável pelo escoamento de 300 mil toneladas de grãos, volume ínfimo diante das cerca de 10 milhões de toneladas de grãos exportados pela múlti a partir do Brasil.

Na América do Sul, o vizinho Paraguai é hoje o mais importante para as operações da divisão de logística, ali batizada de Naviera Chaco, nome da empresa de navegação comprada pela ADM no país. A filial paraguaia transporta por ano 2,7 milhões de toneladas de sólidos e líquidos – 95% do fluxo de mercadorias da empresa americana no país. Ou seja, apenas 5% estão nas mãos de transportadoras terceirizadas. No Brasil, a intenção da ADM é crescer paulatinamente em direção a proporções similares às do Paraguai, de forma a otimizar os resultados em toda a cadeia de atuação e minimizar riscos. A recente greve dos caminhoneiros e a paralisação da hidrovia Tietê-Paraná são lembretes de que o atual ciclo de baixa das commodities agrícolas não deve interromper (no máximo postergar) projetos de longo prazo. “Nada pior que frota parada”, diz o executivo. De acordo com Schaffer, a companhia sente até hoje os efeitos da greve. “O maior número de caminhões no mercado [decorrente do crédito mais barato para compra de caminhões] foi providencial para nós até chegar a greve.

Os line ups [filas de navios que aguardam o carregamento nos portos] ainda estão acima da média. Em Santos foi de dez para 19 dias. Em Paranaguá, de 30 a 35 dias para até 46 dias”, afirma. No caso da desativação da hidrovia Tietê-Paraná, o impacto direto inclui a demissão de 80% do quadro de funcionários – “mantivemos só o que é mandatório, como o mecânico do rebocador” -, a depreciação dos equipamentos parados e a migração de 800 mil toneladas de grãos do rio para a rodovia, um modal ambientalmente mais sujo e mais caro. “Quando a frota [fluvial] não está operando, o encarecimento do frete escapa ao ‘budget’ tradicional”, disse Schaffer, que não revelou os custos adicionais decorrentes da migração.

Para crescer na navegação, o percurso para o Norte é inevitável. Além de dificilmente secarem, os rios amazônicos são considerados pelo mercado o canal mais promissor de escoamento da safra do centro-norte de Mato Grosso. Eles ligam a região originadora de grãos aos portos da região Norte em distâncias menores, entregam a matéria-prima em menos tempo à Ásia e à Europa e não enfrentam o congestionamento de Santos (SP) e Paranaguá (PR). No caso da ADM, eles também darão um ganho significativo de escala quando comparado aos volumes transportados pela Tietê-Paraná. A previsão é que 4,5 milhões de toneladas sejam escoadas por barcaças anualmente pelo Madeira e pelo Tapajós até o terminal marítimo da múlti em Barcarena (PA), inaugurado no ano passado.

As operações do porto são divididas com a Glencore. Embora mal tenha começado a navegar no Norte, a ADM vislumbra atuar também no rio Tocantins. É um movimento natural, segundo Schaffer, e para qual a concorrência também olha. Caudaloso, o rio Tocantins abriria uma nova frente de escoamento para diferentes áreas produtoras, mas um pedral no caminho impede a navegação por metade do ano, quando as águas estão baixas. Mas o período de cheia do rio coincide com o de pico da safra de soja do Centro-Oeste. ”

É preciso atrevimento, mas dá pra navegar lá. Já fazemos isso no rio Paraná”. Até que a frota própria seja formada, a ADM trabalhará em parceria com a Transportes Bertolini, segunda maior empresa de transporte fluvial do país, depois da Amaggi. É um acordo “maneiro”, diz Schaffer, referindo-se tanto ao volume relativamente baixo de escoamento previsto quanto à duração do contrato. “Em algum momento, [a parceria] vai ficar pequena em relação às nossas necessidades. Vamos precisar da própria frota para complementar o escoamento”.

No mês passado, a Bertolini começou a escoar as primeiras barcaças de soja da ADM a partir do seu terminal em Porto Velho (RO). A expectativa é que o transporte pelo rio Madeira até o porto da múlti em Barcarena alcance 1,5 milhão de toneladas de grãos por ano. Já no rio Tapajós, que corta o Pará, o volume deverá ser de cerca de 3 milhões de toneladas de grãos por ano a partir do terminal flutuante que a Bertolini entregará já neste mês no distrito de Miritituba, no sudoeste do Estado.

“É um negócio inovador. Mais barato e de execução mais rápida. Se der certo, poderia ser replicado em Tocantins “, diz o executivo sobre o terminal flutuante. “Gostamos muito de navegação e estamos há tempos nesse negócio. Avaliamos todas as oportunidades”.

Fonte: Valor Econômico – Bettina Barros  – Portos e Navios
08/04/2015|Seção: Notícias da Semana|Tags: |