Para Wim Thomas, chefe da equipe de análise energética da Shell e membro do Conselho Mundial de Petróleo, o atual patamar dos preços de petróleo é insustentável e o cenário deve mudar em breve. Com certeza no final deste ano devemos ver a maré virar para os preços de petróleo, diz. Em entrevista à Folha, ele afirma que nem a queda do Petróleo nem a crise da Petrobras mudam os planos da Shell para o país – a empresa está no pré-sal, por meio do consórcio que explora o campo de Libra. São investimentos que vamos fazer de qualquer forma, para colher os resultados anos à frente, diz. Segundo Thomas, o Brasil voltará a crescer e está numa posição única no mundo, já que poderá escolher no futuro se desejará usar energia fóssil ou renovável.
Folha – O preço do barril de petróleo subiu um pouco nos últimos meses, mas ainda está longe do patamar verificado antes. É algo transitório ou as empresas terão de aprender a lidar com um novo cenário?
Wim Thomas – O problema começou com um excesso de oferta, acima do previsto. Tivemos baixa demanda no ano passado. Agora, o mercado em certo sentido está virando e veremos se ele estará mais equilibrado no final do ano. Até lá, provavelmente saberemos melhor como a produção de xisto nos Estados Unidos está respondendo, se a Opep [Organização dos Países Produtores de Petróleo] está mudando de tática ou não. Mas com certeza no final deste ano devemos ver a maré virar para os preços de petróleo porque os níveis atuais serão insustentáveis para trazer uma nova oferta significativa para o mercado. Não estou falando da oferta da Opep, porque tem custo relativamente baixo. Mas há claro a oferta fora da Opep e do mercado de xisto, com custos mais altos, e que precisa de um preço maior para ser mantida.
O baixo preço do petróleo muda os planos da Shell para o Brasil? A empresa está no consórcio de Libra para explorar o pré-sal.
Nosso horizonte de investimento no Brasil é de longo prazo e, quando falamos em águas profundas e pré-sal, estamos falando na próxima década, quando os investimentos feitos hoje começarão a se pagar. Nosso cenário mostra que o mundo precisará de mais recursos de petróleo e gás nos próximos dez a vinte anos, com um grau de demanda significativamente presente, especialmente por parte das economias emergentes. E parte da solução será a produção do Brasil.
O uso em massa de energias alternativas ainda é uma questão de preço?
Altos preços ajudam mudar de alguma forma. De outro lado, no momento, em muitos países, a geração de energia renovável está sendo movida puramente por regras e apoio governamentais, subsídios do governo, etc. E essas políticas não mudam tão rapidamente e podem ser baseadas em razões de mudança climática, segurança nacional, ou motivos geopolíticos. Se não meu engano, hoje já se investe em renováveis cerca da metade do que se investe em petróleo e gás. Então podemos dizer que é uma indústria, com seu próprio tempo, seus próprios interesses. Nesse sentido, será interessante ver como flutuações no preço do petróleo também acabarão por forçar essa indústria a ser mais eficiente em termos de custo e geração. E, no final, isso vai beneficiar a todos.
O mercado de etanol no Brasil, que a Shell investe com a Cosan, teve altos e baixos nos últimos anos. O que se pode esperar de agora em diante?
Quando, o preço do petróleo se move, as pessoas pensam: bem, por que não devemos usar etanol? Isso é pensar numa lógica de forças competitivas normais. Mas muitos países têm exigências de mistura do etanol na gasolina, e esse volume é requerido independentemente do preço do petróleo. Isso já é um mercado para o etanol. O mundo precisará de mais energia nas próximas décadas, isso inclui biocombustíveis, sem esquecer do etanol de segunda geração. Apesar das flutuações de hoje, vemos que precisaremos de mais etanol e ele encontrará seu mercado no mundo. No Brasil, especificamente, existe uma dinâmica de mercado toda especial em torno do etanol e do açúcar. Por outro lado, aqui a maior parte da água consumida na produção de cana vem da chuva, e não de lençóis freáticos. É, portanto, um cultivo mais sustentável. Esse é um dos motivos pelos quais a Shell investe no etanol brasileiro.
O senhor apresentará no Rio de Janeiro [em evento da Shell no dia 30 de junho] um estudo sobre as Cidades do Futuro. Por que essa visão é importante?
O estudo de cenários da Shell aponta que mais pessoas estarão vivendo em cidades no futuro. Há sete bilhões de pessoas no mundo e cerca de 50% já vivem em cidades. Até 2050 serão 9 bilhões e ¾ vivendo em grandes concentrações urbanas. Isso significa construir uma nova cidade de 1,3 milhão ou 1,4 milhão de habitantes a cada semana pelos próximos 40 anos. É incrível pensar nisso e, claro, esse fluxo será gradual. No desenvolvimento de cidades, é muito útil entender que tipo e quanta energia as pessoas usarão, quão eficiente será a distribuição de água, comida e outros recursos essenciais. Para dar um exemplo, nas cidades mais compactas e mais eficientes, a necessidade de uma complexa malha de transporte é menor do que em metrópoles gigantescas como Houston, Los Angeles ou São Paulo. Há uma espécie de círculo virtuoso que se pode observar quando uma cidade começa a crescer. Se você cria a cidade atrativa para as pessoas, com bons parques, conveniências, serviços, isso atrai pessoas de outras áreas. Você atrai talentos, e as empresas começam a vir, criando uma engrenagem econômica. Se isso não ocorre, se o planejamento for mal feito, as pessoas começam a sair, as indústrias vão embora, e você tem o efeito reverso. Detroit viveu isso depois da crise. E está superando apenas agora. O que mostramos no suplemento Cidades do Futuro, do nosso estudo de Cenários, são algumas das melhores práticas de cidades como Cingapura e Hong Kong, por exemplo. E a mensagem é sempre de que boa governança, bons líderes, atuando de maneira inovadora e transparente e colaborativa com todas as partes interessadas. Isso inclui moradia acessível, transporte eficiente para manter carros particulares nas garagens, grades energéticas inteligentes. Num país tropical, por exemplo, a energia solar pode ser uma boa solução. Todas essas ideias estão aí, mas elas precisam ser planejadas de uma forma integrada, porque uma vez que você construa essa estrutura, talvez seja preciso décadas tentar uma mudança de rumo. O desafio é que, até 2050, 80% do consumo de energia estará nas cidades. Por isso, olhamos as melhores práticas.
O impacto da atividade humana na mudança climática, apontada por cientistas, vem sendo questionada por céticos. Há algo a ser debatido?
Os Cenários da Shell lidam muito com as questões da mudança climática. Quais são os caminhos que podemos ver para lidar com as emissões, e o que isso significa para para o aquecimento global. Nossos estudos indicam certa esperança, porque achamos que é técnica e economicamente possível descarbonizar o sistema global em grande parte até o final do século. Uma meta que chamamos de emissão líquida zero. Não significa que não vamos emitir mais, mas que haverá ações de compensação para equilibrar o sistema. Nossa empresa leva essas iniciativas muito a sério. Nosso CEO e os de outras companhias de petróleo e gás assinaram uma carta, que foi publicada no Financial Times, com o apelo de se adotar um sistema de preço e taxação de carbono como uma prévia da próxima reunião da COP 21 em Paris.
O Brasil está lidando com uma crise econômica e política. É possível pensar numa agenda de sustentabilidade nesse momento?
Sustentabilidade pode sempre ser incentivada. Ela tem uma definição bem ampla. Algumas pessoas consideram que se trata de desenvolvimento econômico contínuo, e até o carvão pode ter um papel a desempenhar nessa cadeia. Outros enxergam a sustentabilidade através das energias renováveis. Outros ainda veem muito mais como um busca de equilíbrio com a natureza, um foco mais ecológico e biológico, como redução no uso de pesticidas. No final, acho que sustentabilidade a ver com iniciativas que contemplem um equilíbrio com o ambiente, que não deixe poluição para trás, que deixe um sistema funcional para a próxima geração. E nós podemos fazer tudo isso. As tecnologias estão aí, muitas delas acessíveis. Mas às vezes as pessoas não pensam ou não se sentem devidamente incentivadas a usá-las. Mas uma vez que nós como sociedade, a academia, todos juntos, decidirmos fazer, acho que será possível.
O momento econômico vivido pelo Brasil mudou a estratégia da Shell para o país?
Recessão é parte dos ciclos econômicos. Nossa visão é que o Brasil tem as pessoas, os recursos, e o crescimento econômico virá novamente. No nosso planejamento, vemos que nos próximos 15 anos a demanda por energia do Brasil dobrará. Nesse sentido, o Brasil está numa posição única. Como Brasil tem uma fonte de recursos enorme de energia renovável e agora também de combustível fóssil, a grande interrogação é qual será a decisão de política energética do Brasil para o futuro. Vai exportar petróleo e gás e ficar com uma composição de oferta doméstica que seja metade fóssil e metade renovável? Ficar com ¾ de combustível fóssil até 2050? Brasil está numa posição única, porque pode escolher o que deseja fazer. É uma pergunta agora é como esse quadro vai evoluir com o tempo, e que decisões o governo irá tomar nesse âmbito. Se você olhar o nosso portfolio de investimentos no país, a Shell está bem posicionada para contribuir, seja qual for a decisão.
A Shell está planejando investir em novas áreas de exploração na 13ª rodada?
Olhamos para todas as oportunidades em diversos países e as ranqueamos de acordo com atratividade econômica e aspectos técnicos, buscando maior competitividade. Então, se as áreas da próxima rodada forem atrativas, tenho certeza que olharemos para essa oportunidade com muita seriedade.
A Petrobras está vivendo um crise aguda e cortará investimentos. Como isso afeta o negócio da Shell no Brasil?
Nosso investimento tem horizonte longo. A maioria das empresas teve de recuar em planos de investimento esse ano, por causa do preço do petróleo. Mas como eu disse estou bastante confiante de que o preço do petróleo vai se recuperar em algum momento, e nosso principal projeto com a Petrobras ainda está em fase de exploração, são investimentos que vamos fazer de qualquer forma, para colher os resultados anos à frente. O que vemos mundialmente é que, quando uma companhia entra em crise, mas possui um corpo técnico de qualidade [como no caso da Petrobras], ela emerge ainda mais forte.