Depois de anos de promessas em vão, o governo tentará desatar amanhã um dos principais nós logísticos do país. Em visita ao Pará, os ministros dos Transportes, Maurício Quintella, e da Integração Nacional, Helder Barbalho, vão assinar um contrato de R$ 520 milhões para a retirada de uma corredeira de pedras que inviabiliza a navegação no Rio Tocantins em boa parte do ano.
Trata-se do maior anúncio de investimento público nas primeiras cinco semanas do governo interino de Michel Temer. A licitação foi conduzida pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ainda na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff após diversas tentativas mal sucedidas.
O Pedral do Lourenço, como é conhecida a corredeira localizada entre a Ilha do Bógea e o município de Santa Terezinha do Tauri (PA), impede totalmente a navegação nos meses em que o rio fica mais raso por causa da estiagem. Isso deixa subaproveitado o corredor hidroviário do Rio Tocantins e converte as bilionárias eclusas da usina hidrelétrica de Tucuruí, inauguradas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em monumento ao desperdício.
As eclusas foram construídas para permitir uma nova rota de escoamento de grãos e de minério de ferro em direção aos portos da região Norte, mas barcos maiores não conseguem vencer o caminho das pedras. Sem o derrocamento do Pedral do Lourenço, a estrutura em Tucuruí tem sido usada para o transporte de 150 mil toneladas de produtos por ano, o equivalente a menos de 1% do potencial de 40 milhões de toneladas previstos no canal.
O contrato prevê a elaboração dos projetos de engenharia (básico e executivo), desenvolvimento de estudos ambientais e obras em um prazo de 58 meses. A intervenção consiste em abrir uma via navegável de 140 metros de largura em um trecho de 43 quilômetros do rio. Para isso, serão removidas 1,2 milhão de toneladas de pedras.
“A conta que eu faço é a seguinte: são 24 meses para realização do projeto executivo e do licenciamento. Depois, mais 24 a 36 meses de execução da obra em si”, disse ao Valor o ministro Helder Barbalho. Lembrando que a fase inicial do contrato ainda não envolve grandes intervenções, ele afirma que o orçamento está assegurado. “Temos um volume suficiente de recursos nesses próximos 24 meses para a produção de documentos. Essa é uma pauta à qual os ministérios da Integração Nacional, dos Transportes e a bancada federal estão atentos para que não faltem recursos e para que a obra possa ser concluída.”
DTA Engenharia é acusada pela Constran de não ter a experiência necessária para tocar uma obra de tanto porte
O resultado da licitação, no entanto, deixa algumas incertezas no ar. A vitória de um consórcio liderado pela DTA Engenharia foi alvo de questionamentos do mercado sobre sua capacidade de executar a obra. O portfólio da empresa engloba atividades de dragagem e desenvolvimento de projetos para terminais portuários.
Mesmo assim, ela foi acusada de não ter a experiência necessária para tocar uma obra de tanto porte. As maiores contestações partiram da Constran, empreiteira que terminou em segundo lugar a concorrência do Dnit.
O objetivo social da DTA é a “prestação de serviços de projetos e assessorias específicas nas áreas de engenharia civil e cartografia, além de serviços de dragagem e monitoramento de água e sedimentos”, mas isso não englobaria as obras físicas contratadas pela autarquia federal, segundo recurso da segunda colocada.
A Constran alegou que a DTA compõe 98,6% do consórcio, mas o desenvolvimento dos projetos de engenharia corresponde a somente 2,33% do valor total do empreendimento. O recurso administrativo argumentava ainda que a O’Martin, construtora minoritária no consórcio, acumulava patrimônio líquido negativo de R$ 4,2 milhões em 2014 (último dado disponível em balanço).
Com base em defesa da DTA, que venceu o certame depois de ter oferecido deságio de 7% sobre o valor máximo da licitação, o departamento dos transportes rejeitou as alegações e confirmou sua vitória. “Nossa expectativa é de que ela possa executar a obra dentro dos prazos estabelecidos”, afirma Helder Barbalho, enfatizando a experiência da empresa na área de dragagem.
Se executada com sucesso, a obra regularizará a navegabilidade na hidrovia do Tocantins, que deságua no porto de Vila do Conde (PA), com posição privilegiada para o frete de produtos rumo aos Estados Unidos e à Europa.
O transporte aquaviário é considerado bem mais econômico e sustentável. Um comboio de 150 metros de comprimento, com capacidade para 6 mil toneladas, carrega o equivalente a 172 carretas de 35 toneladas. Apenas 5% das cargas do país, no entanto, são transportadas por hidrovias.
O impasse em torno do Pedral do Lourenço foi apontado como um dos motivos para a suspensão do projeto da siderúrgica Aços Laminados do Pará (Alpa), da Vale, que chegou a ter serviços de terraplenagem realizados em 2010.