As mudanças na política de conteúdo local propostas pelo Governo Temer pode implodir a indústria naval brasileira. A Petrobras anunciou o primeiro leilão para construção de navios e plataformas para o próximo dia 16 de janeiro. A estatal afirma que o projeto de Libra depende da aprovação do pedido de waiver (renúncia de direitos legais ou interesses) para o FPSO, que está sendo licitado para ser instalado no primeiro módulo do projeto de partilha e espera contar somente com empresas estrangeiras. O evento é objeto de questionamento na justiça. Para barrar esse ataque a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT) e o Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói convocaram empresários e trabalhadores para uma força tarefa para garantir a geração de emprego e renda no país.
Uma grande reunião para iniciar o movimento foi realizada na sede do Sindicato Nacional da Indústria de Construção Naval (Sinaval) no Rio de Janeiro, na terça-feira (10/01). O objetivo do encontro foi elaborar uma agenda comum para o fortalecimento da indústria nacional, manutenção do conteúdo local com geração de emprego, renda e investimentos no Brasil. Participaram representantes da CNNCUT, Sinaval, Federação Única dos Petroleiros (FUP), Dieese e Sindicatos dos Metalúrgicos de Niterói e Angra dos Reis.
O FPSO de Libra, em processo de licitação, está programado para ser instalado em 2020, quando o consórcio planeja colocar em operação o primeiro sistema definitivo do ativo. A unidade terá capacidade para produzir 180 mil b/d de óleo e comprimir 12 milhões de m³/d de gás natural.
Além de Libra, a Petrobras solicitou também pedido de waiver para o FPSO de Sépia, área da cessão onerosa da Bacia de Santos. Depois de concluir as duas licitações, a petroleira irá lançar ao longo de 2017 outras duas concorrências para o afretamento de novos FPSOS, possivelmente para Marlim, na Bacia de Campos, e Búzios, em Santos.
O grupo de empresários e trabalhadores se preocupa com o retardo no estabelecimento dos acordos de leniência para que as empresas possam retomar suas atividades e voltem a empregar no país. A atual conjuntura inclina-se para um direcionamento das encomendas do setor para o mercado internacional, capitaneado pelas multinacionais do petróleo que passam também pela venda de ativos da Petrobras.
“Nosso objetivo é fazer com que o governo entenda que o conteúdo local é também uma questão social. Ele garante o fomento da indústria de navipeças, o setor de siderurgia e gera milhares de empregos diretos e indiretos”, afirma Edson Rocha, Secretário de Finanças da CNM/CUT e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e Itaboraí. Ele acrescenta que os trabalhadores estão preparados para construir grandes embarcações em larga escala. “Temos uma mão de obra muito qualificada e estaleiros prontos para produzir. Necessitamos dos investimentos no país para alavancar de volta o setor. O conteúdo local deve ser encarado como uma política de Estado e não apenas de governo”, conclui.
A primeira ação realizada é uma ação judicial movida pelo Sinaval e que tem como terceiro interessado a CNM/CUT que pede a suspensão das licitações para as construções de FPSOs de Libra e Sépia. As novas licitações desobrigam as empresas de aplicar o conteúdo local. A justiça solicitou explicações à Petrobras e o pedido está em tramitação. O primeiro leilão está agendado para o dia 16 de janeiro.
De acordo com o Sinaval, o conteúdo local passou a ser fator decisivo na avaliação dos lances das petroleiras por blocos exploratórios a partir da sétima rodada de licitações, realizada em 2005. A partir do conteúdo local, o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef) possibilitou que a indústria naval brasileira construísse e entregasse 17 navios de produtos e gaseiros à estatal. O setor chegou a empregar 82 mil trabalhadores em 2014. Com a crise do preço do petróleo e as investigações envolvendo a Petrobras e empresas, o corte nos investimentos provocou uma redução de 50% da força de trabalho em dois anos.
“A política de conteúdo local foi o indutor da indústria naval em 2003 que gerou excelentes frutos. Por isso da importância dessa união entre empresários e trabalhadores para que essa política não seja destruída”, afirma Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval.
A Review of Maritime Transport 2012, publicada pela Unctad, registrou que o Brasil foi o país que realizou o maior volume de construção naval em relação ao tamanho da sua frota, em função da demanda gerada por encomendas do segmento de exploração e produção de petróleo e gás. A demanda brasileira por plataformas de petróleo do tipo FPSO (produção, armazenagem e transbordo) seguiu o mesmo caminho, já que existem reservas de petróleo a explorar. O Brasil será o maior mercado do mundo para plataformas tipo FPSO nos próximos anos. Os estaleiros brasileiros têm capacidade de recuperação e a crise atual deve melhorar os processos de contratação no País.
É atrás dessa recuperação que a força tarefa de empresários e trabalhadores vai atuar. As ações passam por audiências públicas no Congresso Nacional que discuta o setor e a manutenção do conteúdo local. Envolvimento de políticos, da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e até o judiciário estão na agenda apresentada pela reunião do Sinaval. A força tarefa entende que a Petrobras deve continuar como indutora do setor. Já a estatal argumenta que as plataformas de produção ficam 40% mais caras com conteúdo local. Mas não apresentam os dados que comprovem esse argumento.
O conceito de Conteúdo Local nada mais é do que a proporção dos investimentos nacionais aplicados em um determinado bem ou serviço, correspondendo à parcela de participação da indústria nacional na produção desse bem ou serviço. Assim, quando uma plataforma ou refinaria, por exemplo, possui um alto índice de conteúdo local, significa que os bens e serviços utilizados em sua construção são, em grande parte, de origem nacional, e não importados.
A cláusula de Conteúdo Local destes contratos estabelece que seja dada preferência à contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentem condições de preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a apresentar propostas, aumentando, assim, a participação da indústria nacional, em bases competitivas, nos projetos de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural.