O inapropriado pedido de waiver da Petrobras

  • 17/05/2017

Por Ariovaldo Rocha

Queremos desenvolver a nossa indústria, gerar empregos, renda e tributos para o Brasil. É essa a posição que queremos discutir com a sociedade brasileira

A política de conteúdo local brasileira promoveu na última década uma revolução no setor da construção naval, que resultou na criação de 82 mil empregos diretos até 2014, configurando uma iniciativa determinante para o desenvolvimento de um amplo parque industrial naval brasileiro, além de contemplar toda a cadeia produtiva de bens e serviços para o setor de óleo e gás.

Nos últimos meses, uma discussão relevante para a indústria vem sendo travada no Brasil sob a égide de uma falsa premissa. Liderada pela Petrobras, está em curso uma clara tentativa de enfraquecer a política de conteúdo local, com o tendencioso argumento que construir plataformas no Brasil seria 40% mais caro e que os estaleiros nacionais – que fizeram pesados investimentos -, não dispõem de condições de atendimento às suas demandas para os campos de Libra e Sépia.

O pedido de isenção (waiver), solicitado pela Petrobras à Agência Nacional do Petróleo (ANP) para o FPSO do Campo de Libra, objetiva desobrigar a petroleira do cumprimento de exigências contratuais referentes aos índices de conteúdo local, de modo a viabilizar a realização de compras no exterior. O argumento do suposto custo alto de fabricação no Brasil denota, claramente, uma postura antinacionalista da Petrobras, que é o melhor exemplo do êxito do conteúdo local brasileiro.

O pedido de waiver foi lastreado em dois estudos. O primeiro, da DNV-GL, que não pretendia ser um diagnóstico da capacidade de atendimento da indústria nacional. O outro, da IHS, de 2013, completamente defasado sobre o ponto de situação dos estaleiros do país. É importante salientar que hoje o Brasil conta com parques industriais considerados “estados da arte” da construção naval mundial.

Para debater o pedido de waiver da Petrobras, a ANP promoveu há alguns dias uma Audiência Pública, oportunidade que os pontos citados foram contestados pela indústria e pelos trabalhadores, com lamentável destaque para a decisão da empresa de não revelar os números constantes da proposta da Modec que apontavam a suposta majoração brasileira.

Construir as plataformas fora do Brasil significa a eliminação de milhares de postos de trabalho, sem falar no impacto na arrecadação de impostos. A destinação do fornecimento de equipamentos para empresas estrangeiras prejudicará também os estaleiros nacionais, que investiram cerca de R$ 24 bilhões em suas unidades a partir das projeções de demanda sinalizadas pela Petrobras.

Durante a Audiência Pública, a Petrobras asseverou que, embora seu pedido seja por “0%” de conteúdo local, esta não seria a intenção do Consórcio. Não obstante a imperatividade do discurso, a Petrobras não trouxe para a audiência nenhum elemento novo, cálculo ou estudo que permitisse fazer avaliação quanto à assertividade de seus argumentos. Manteve a postura adotada em todo o processo de alegar “confidencialidade” para justificar a recusa em fornecer informações ao mercado. O argumento da confidencialidade é inapropriado.

Por outro lado, a postura do Sinaval na Audiência demonstrou, com densidade técnica e jurídica, que as premissas utilizadas pela Petrobras não se sustentam, sendo, portanto, “ilegal” o pedido de waiver, o que certamente no futuro deve gerar questionamentos jurídicos. A comparação de preços provavelmente não considerou as diferenças em termos de legislação tributária, fiscal, ambiental, trabalhista e previdenciária.

Outra alegação fantasiosa é o risco de fabricar e obter localmente bens e equipamentos no que se refere aos prazos. Isso também não é verdade, pois existem estaleiros no Brasil com capacidade técnica e índices de produtividade já demonstrados. Foi apresentado ainda o argumento de que indústria local não está apta para atender os níveis de conteúdo local exigidos pelo CPP.

Essa é mais uma informação sem amparo na realidade. A interpretação da Petrobras sobre um estudo inconclusivo que encomendou pode induzir a ANP a uma leitura equivocada.

Os supostos 40% de sobrepreço em função do conteúdo local, na verdade, referem-se ao risco de multa projetado pelos agentes fomentadores para financiar o projeto das afretadoras, considerando a incapacidade de endividamento da companhia. Os preços e custos apresentados não refletem a realidade, uma vez que a indústria nacional não foi corretamente cotada.

Portanto, por qualquer ângulo que se analise a questão, é possível afirmar com toda a segurança que não há no processo administrativo que se discute na ANP fundamentos para a concessão do pedido de waiver apresentado pela Petrobras. O Sinaval, enquanto representante da indústria naval brasileira, defende que os índices de conteúdo local contratados no CPP podem ser cumpridos. Os estaleiros nacionais têm plenas condições técnicas para apresentar propostas e aguardam a oportunidade para competir. A entidade continuará empenhada para que a lei seja cumprida em seu exato teor, com a realização de um processo de concorrência liso e transparente, dentro dos parâmetros legais, inclusive no diz respeito à política de conteúdo local, criada para um propósito nobre e que deve ser respeitado.

Queremos desenvolver a nossa indústria, gerar empregos, renda e tributos para o Brasil. É essa a posição que queremos discutir com a sociedade brasileira.

Fonte: Brasil Energia – Artigo do Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval)
17/05/2017|Seção: Notícias da Semana|Tags: |