O setor de defesa no Brasil pode ser nos próximos anos uma boa fonte de novos negócios para área nuclear do País. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Olga Simbalista, a área de propulsão naval está muito bem em termos de perspectivas, especialmente por conta do desenvolvimento do submarino nuclear. “Temos uma costa imensa de cerca de 8 mil km e 95% das nossas importações são feitas pelo mar. Da mesma maneira, 90% do petróleo está no mar. A defesa dessa área é vital em termos estratégicos”, explica Olga, ao detalhar a importância do Brasil ter submarinos monitorando nosso litoral.
A entidade tem, dentro de seu plano de ação, a meta de acompanhar o processo de revisão do programa nuclear brasileiro, que está sendo feita pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. A Aben também está começando a se preparar para organizar a International Nuclear Atlantic Conference, no ano que vem.
Poderia fazer um balanço das principais perspectivas para o mercado nuclear atualmente?
O setor nuclear brasileiro compreende algumas áreas. A primeira é a de propulsão naval, com a construção do submarino nuclear. O reator está sendo desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Este centro tem unidades no campus da USP e outra grande unidade em Iperó (SP), onde está sendo construído o prédio para alojar o núcleo do reator e todas as instalações do ciclo do combustível nuclear.
Esse ciclo do combustível tem uma etapa chamada de “sensível”, que é a parte de enriquecimento de urânio. Quem sabe enriquecer, pode fazê-lo para alimentar uma usina com um grau de 4% ou 5%; pode também enriquecer para submarino nuclear, com um nível de 20%; e pode enriquecer acima de 90% para artefatos nucleares. Por isso é chamada de uma tecnologia sensível. A Marinha desenvolveu essa tecnologia de enriquecimento nos anos 90 e vem se aperfeiçoando. Em Aramar (SP), eles possuem o ciclo do combustível completo, fabricam combustíveis para reatores de propulsão nuclear e reatores de pesquisa.
Este segmento está muito bem conduzido. Semanas atrás, em Itaguaí (RJ), tivemos o lançamento do submarino convencional Riachuelo. Temos uma costa imensa de cerca de 8 mil km e 95% das nossas importações são feitas pelo mar. Da mesma maneira, 90% do petróleo está no mar. A defesa dessa área é vital em termos estratégicos. O objetivo deste submarino é fazer a defesa essa costa. Esse parte de propulsão naval, em termos de perspectivas, está muito bem e deve atingir todas as metas.
E em relação as demais áreas?
Hoje, grande parte dos radiofármacos usados no Brasil são importados de Rússia e Argentina. O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) vai ser usado para que fazer que o Brasil seja autossuficiente na produção de radioisótopos na área de saúde. A Amazul e o IPEN estão fazendo o projeto detalhado, e a planta vai ficar localizada em Iperó próximo de Centro [da Marinha] de Aramar. O terreno está desapropriado e existe a intenção da USP de criar um campus ali próximo para uma unidade dedicada à energia nuclear.
O segmento de pesquisa e desenvolvimento é muito vivo. Existem quatro grandes institutos de pesquisa no Brasil: o IPEN (SP), o IEN (RJ), o CDTN (MG) e o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (RJ). Além disso, a CNEN tem um centro em Goiana e outro em Recife que também desenvolvem atividades para área de saúde.
Como enxerga a retomada das obras da usina de Angra 3?
Angra 3 ainda está neste imbróglio, mas estamos vendo uma luz no fim do túnel. O próprio ministro de Minas e Energia, que estaria deixando o ministério de em abril, disse que daria uma solução ao problema do endividamento da Eletronuclear com o BNDES e Caixa. Pelo o que eu vi, o ministro está trabalhando no sentido de conseguir um prolongamento da dívida e a revisão da tarifa de Angra 3. Uma vez feito isso, fica fácil conseguir contratar parceiras estrangeiras para concluir o empreendimento.
No ano passado, nesta mesma época, a situação era pior do que hoje. Já temos a luz no fim do túnel. Se o que o ministro prometeu acontecer, no ano que vem já devemos ter um parceiro para retomar Angra 3.
Quais são os principais desafios e obstáculos atualmente?
No caso do programa de propulsão naval, é não ter solução de continuidade e serem mantidos os orçamentos que vem sendo feitos. É um desafio relativamente pequeno. O mesmo vale para o RMB. No caso de Angra 3, é preciso equacionar a questão das dívidas com BNDES e Caixa, além de rever a tarifa de energia.
Qual são os próximos passos da Aben?
O nosso grande desafio é dar um suporte de informação à sociedade sobre tudo o que está acontecendo. O setor nuclear não é só Angra. Temos uma série de frentes para mostrar quantas coisas existem dentro deste mercado, que possui grandes atrativos. Vamos preparar nossa próxima “International Nuclear Atlantic Conference”, que acontecerá em 2019. É o maior evento internacional do hemisfério sul.
Eu gostaria também de reforçar a importância do comitê do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que está fazendo a reavaliação do programa nuclear como um todo. Isso não era feito há anos. Acompanhar esse processo de reavaliação faz parte do nosso plano de ação. Já estivemos em Brasília algumas vezes para acompanhar.
Falando em eventos, qual a importância deste tipo de atividade para o setor?
Esse ano teremos grandes eventos no Brasil. O primeiro vai acontecer na próxima semana, que é um seminário da World Nuclear University (WNU). O evento vai acontecer na Urca, no Rio de Janeiro, em parceria com a Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan). Depois, teremos o Seminário Internacional de Energia Nuclear (SIEN) e também a reunião da seção latino americana da American Nuclear Society, aqui no Brasil.
Este tipo de evento, para quem já está no mercado, agrega conhecimento de novas tecnologias, novos contratos e troca de informações entre empresas. Mas para o público jovem, é uma oportunidade de conhecer um setor que é muito pouco abordado dentro das universidades.