Sergio Bacci, vice-presidente executivo do Sinaval: esperança no próximo governo – Foto: Eduardo Martino

Entrevista: Sérgio Bacci, do SINAVAL

  • 03/04/2018

Na linha de frente da entidade mais combativa em torno do conteúdo local, o executivo diz estar disposto a aceitar o possível em vez do ideal. Pelo menos, por ora.

Um dos atores do mercado de petróleo e gás que mais partiu para o enfrentamento no ano passado em torno da discussão do conteúdo local, o Sinaval parece agora estar disposto a aceitar o “possível”, em vez do ideal. E põe as esperanças desse segmento no próximo governo, com o qual pretende se sentar e propor mais que índices de conteúdo local, mas uma política industrial que mire o longo prazo. Em entrevista à Brasil Energia Petróleo, o vice-presidente executivo da entidade, Sérgio Bacci, admite que o segmento é dependente da Petrobras e não tem condições de competir com a China em termos de preço, mas que há muitas coisas com condições de serem feitas aqui desde que haja vontade política.

O tom da disputa em torno do conteúdo local acalmou em relação ao ano passado, o que aconteceu?

Nós iniciamos o debate com o que achamos o que era o ideal. Mas no meio do caminho, vamos vendo o que é possível. Com o que foi aprovado pelo CNPE, pelo menos temos alguma perspectiva de alguma coisa sendo construída no Brasil. Este ano precisamos respirar na expectativa que o próximo governo entenda nossa situação.

A indústria naval brasileira tem condições de fazer cascos no Brasil?

A três questões que levantam são preço, prazo e qualidade. Temos qualidade, igual ou melhor do que qualquer lugar do mundo. Prazo: a China faz mais rápido que nós, é verdade. Mas por que isso? Porque lá não tem a situação de o projeto mudar a todo momento. E se o cliente não quiser mais o FPSO, há quem compre, não há problema em deixar na prateleira. Aqui, como temos cliente único, temos esse problema. E aí surgem os atrasos. Prova de que entregamos no prazo se não tivermos mudanças a todo momento são os barcos de apoio. De 2002 a 2014, foram entregues centenas de embarcações do tipo dentro do prazo.

E preço, tem?

A China é mais barato, como tudo o que se faz lá. Porque lá os custos são outros. A mão-de-obra é mais barata, os impostos menores. Não dá para comparar. Se compararmos com a Noruega, somos competitivos. Esse discurso de que a China é mais barato é fácil para quem não quer fazer no Brasil. É uma decisão política, como foi a de fazer no país. A pergunta que tem de ser feita é quantos empregos gera se for feito na China. A crise do Rio de Janeiro, na economia e na segurança, passa pela crise da indústria naval. Muitos motoristas de Uber são oriundos da indústria naval. Quem não tem oportunidade de ir dirigir Uber, vai para o crime. A cidade de Rio Grande também quase quebrou. O problema no Brasil é a falta de política de Estado. É preciso pensar o país a longo prazo.

Como a corrupção afetou o negócio da construção naval?

Teve corrupção, mas você pode prender o corrupto e manter a empresa funcionando. Em qualquer lugar do mundo é assim. Aqui você prende o empresário e põe a empresa numa lista negra. CNPJ não faz malfeitos. CPF, sim.

Diante desse cenário, qual é o plano B?

Temos trabalhado em alguns projetos. Tem um com a Marinha, para construir quatro corvetas e 25 barcos de patrulha, um barco de transporte de tropa, mas que não resolve o problema dos grandes estaleiros construídos para fazer FPSO, sonda, etc. Estamos propondo uma mudança na legislação em que 10% arrecadado no FMM seja repassado a fundo perdido para a Marinha para fazer esses projetos.

E os grandes?

Tem uma parte que se especializou na montagem dos módulos, o EBR, o Brasa. Com a aprovação dos 40% para conteúdo local, os módulos são montados no Brasil. Estamos discutindo no governo a possibilidade de construir petroleiros no Brasil. Mas o ideal seria fazer sonda e plataforma no Brasil. Se a Petrobras fizesse metade de suas plataformas no Brasil, estaríamos com o problema solucionado.

Há perspectiva de mudança?

Vamos procurar cada um dos candidatos a presidente da República e levar para ele o que achamos que pode ser possível fazer para o setor no próximo governo. Para que possamos no ano que vem ao menos ter a possibilidade de espaço de diálogo. Nossa perspectiva é que o próximo governo entenda que esse setor é importante para o país.

Dessa forma, a indústria naval não permanece muito dependente do governo?

Nós queremos que o governo discuta uma política nacional de Estado, na qual o governo vai decidir que segmentos da indústria nacional devem ser desenvolvidos e que são importantes para o crescimento do país. Se no meio do caminho, se decidir que a indústria do tabaco é mais importante que a naval, isso faz parte do processo.

Governo nesse caso é Petrobras?

Somos dependentes da Petrobras. Ela é uma sociedade de economia mista, que tem que gerar lucro. Mas ela também tem um papel social no país. Nunca na história desse país, parafraseando meu amigo Lula (risos), a Petrobras virou as costas para o país como está virando agora. Ela resolveu seguir a lógica do mercado, do lucro a qualquer custo. Está errado. Tem que tirar a empresa do buraco, mas não pode virar as costas para o país. Eu posso cobrar isso da Statoil, da Shell? Eu não posso. São empresas privadas.

Mas a Petrobras, nesse momento de crise, tem condições disso? Para quase todo mundo é um momento de sobrevivência.

Se você pega um pedaço da dívida que a Petrobras pagou, renegociasse, teria condições. Não tenho a menor dúvida. Se tivesse vontade política, algumas coisas poderiam ser feitas no Brasil. Construir fora do Brasil é uma decisão ideológica.

Uma política de Estado passaria por mudanças na lei?

A forma é questão para os que entendem de lei. O que eu acho é que tem que sentar governo, empresas e trabalhadores e fazer uma política industrial em que quem venha a sentar no trono tenha que cumprir aquela política. O que falta é diálogo. Quando eu fui do governo, a lei do fundo (Fundo de Marinha Mercante), na minha gestão, foi negociada com todos os atores e passou no Congresso sem nenhuma mudança. Porque teve diálogo.

Como é o relacionamento com a Petrobras hoje?

Falta diálogo. No waiver de Libra, por exemplo, não teve. Aí manda um pedido de zero. Podia ter havido um acordo, mandado para a ANP algo acordado. Quem bidou com 65% e ficou em segundo lugar, ficou prejudicado. Quem investiu para atender a uma demanda ficou prejudicado. E aí a gente precisou ir para o enfrentamento. E sabemos que isso não é bom para o país.

O Sinaval pensa em diversificar sua atuação?

Hoje nós temos quatro opções: cabotagem, longo curso, apoio portuário e barcaça. Barcaça é construído na região Norte do país e não vai parar. Tem estaleiro com encomenda até 2020. Apoio portuário também está caminhando. Cabotagem e longo curso: começamos a fazer os petroleiros da Petrobras. Muda o governo, cancela os contratos de navios que já estavam quase concluídos, como os três do Mauá, que estão apodrecendo. É dinheiro do povo apodrecendo na Baía de Guanabara. Hoje as grandes empresas de navegação são de capital estrangeiro. Veja o caso da Login. Contratou um navio no Eisa, teve problema, e aí teve mesmo, e foi comprar na China um que já estava na prateleira por US$ 28 milhões. Sabe quando nós conseguimos fazer um navio por esse valor? Nunca. Ou o governo, por meio da Petrobras, faz a gente ser competitivo ou nunca seremos. A China é assim. Quando não tem demanda privada, o governo demanda.

O descomissionamento de plataformas é uma opção?  

Essa discussão só aparece agora porque os estaleiros estão sem obras. Quem paga a conta do descomissionamento? O armador não vai pagar a conta para descomissionar.

A diversificação de petroleiras no Brasil pode ajudar a indústria?

O problema é que para que eu dispute o mercado, preciso ter uma curva onde consiga ter tecnologia, mão de obra e preço…isso é um processo de aprendizagem. Se não tenho esse processo, e aí tem que vir do governo até que se atinja um certo patamar que se dispute mercado.

O Sinaval não defende um requisito perene…

Preciso ter um tempo para fazer essa aprendizagem. Hoje se eu tenho uma encomenda, tenho que comprar tudo no exterior. Se eu tenho uma demanda de médio prazo, tem possibilidade de indústrias virem para o Brasil para construírem suas plantas aqui e fornecer para a nossa indústria.

É o pensar no longo prazo?

Os países asiáticos pensam a longo prazo e têm uma política de Estado.

A aprovação da proposta do Pedefor no CNPE pacifica o setor naval?

Chega um ponto que a gente tem que parar de brigar.  Tem que andar para frente. Vamos buscar as alternativas dentro dos 40% para serem feitas no Brasil.

E aí o Sinaval releva a briga pela construção dos cascos?

Vamos continuar insistindo que é possível fazer no Brasil, mas não adianta ficar dando murro em ponta de faca. Vamos fazer módulos, pelo menos para girar a nossa indústria. E, com a mudança do governo, se mudar o governo, pode tudo.

Então, o Sinaval considera que a proposta um avanço?

Para nós é um retrocesso porque você traz de 65% para 40%, mas do zero que queriam chegar aos 40% é um avanço, um meio termo.

Ainda que os módulos sejam feitos aqui, há mais estaleiros que serviço. Quem sobrevive?

Se nem módulo tiver, fecha tudo. Tendo módulo, tem pelo menos o Brasa, Brasfels e EBR. No EAS, módulo não paga a conta, mas é possível fazer, como o Enseada e o Jurong. Estamos falando em seis estaleiros.

O que é muito…

É muito. Destes seis, três podem pegar obras. Ou a gente continua insistindo ou vamos pegar as chaves dos estaleiros que não conseguirem, o carnê do BNDES e vamos levar de volta lá. Ninguém investiu R$ 3 bilhões para construir um estaleiro porque acordou de manhã e resolveu fazer isso. Tinha demanda de longo prazo.

E qual seria a solução?

Precisa pagar a conta. É financiamento com dinheiro público. Se não pagar, é dinheiro público jogado no lixo. Ah, mas deram garantias. Só que no Brasil todo mundo sabe que uma disputa judicial de garantia vai demorar algumas dezenas de anos para se resolver. A melhor solução é ter obra.

Quantas pessoas estão empregadas hoje e até quando esses estaleiros aguentam?

Perto de 30 mil pessoas hoje. Chegamos a ter 82 mil. Se até dezembro de 2019 nada acontecer, zera. Poucos vão ficar. Vão ficar pequenos estaleiros no Norte, o Wilson Sons, Chouest, CBO e Keppel.

Quem pega financiamento é o armador. Como obrigá-lo a fazer a obra aqui?

Aí é o papel do governo, via BNDES. A mudança de TJLP para TLP aumentou o custo.  Por que a Petrobras faz na China? Porque está atrelado ao financiamento com uma taxa muito menor que a brasileira. O FMM era extremamente positivo, tanto assim que empresas estrangeiras como a Chouest, vieram construir aqui, fazendo estaleiro e quase 40 embarcações em dez anos.

O Sinaval ainda pode entrar na Justiça contra outras licitações de FPSOs?

Depende de vários fatores. Entrar só para marcar posição, sou da tese que não tem que fazer. Se vai com uma boa possibilidade de ganhar ou de pelo menos abrir um diálogo, pode ser.  Vai ser caso a caso. Se tiver diálogo…

E o sr. vê algum candidato com esse perfil de diálogo?

Não vejo, pelo menos hoje, nenhum candidato à presidente da República capaz de ser alguém que busque essa aproximação. Com a Abespetro, (o debate) estava radicalizado no começo e o Firmo (NR: José Firmo, ex-presidente da entidade) veio e faltou pouco para gente fazer um acordo. O número de 40% saiu dessa conversa com Abespetro e Abimaq. O Firmo cumpriu um papel que a ANP devia ter cumprido.

Em algum momento no passado o Sinaval se deu conta de que o cenário estava sendo superdimensionado?

Não é papel do Sinaval ficar decidindo se constrói estaleiro no país. Temos um voto no conselho diretor do FMM, que é feito por 13 pessoas (governo, empresários e trabalhador). Nem nós, nem os trabalhadores e nem o governo foi contra a construção de nenhum estaleiro no país.

Mas em nenhum momento o Sinaval detectou uma luz amarela?

Não. Por exemplo, a Sete Brasil. Tirando  os desvios, é um projeto extremamente inteligente porque tirava do balanço da Petrobras o custos dessas sondas. Era necessário fazer as 28? Não cabe a mim dizer. A Petrobras falava que sim, mas agora diz que não. Todos os estaleiros teriam obra por pelo menos dez anos. Se em 2012 eu falasse para vocês que esse projeto da Sete Brasil daria problema, o que vocês falariam para mim?

Que sim, pois as grandes empresas de perfuração  levaram décadas para formar suas frotas e muitas sequer chegam a ter esse número de sondas…  

O problema que deu foi da corrupção e aí é outra coisa.

Mas as obras nos estaleiros começaram a apresentar problema e atraso antes da Lava-Jato, tanto das sondas quanto dos FPSOs…

Trabalhei 45 dias na Sete Brasil. Uma parte do problema foi funding do BNDES. As unidades que estavam sendo construídas estavam em um ritmo absolutamente normal, tanto é que tem sonda quase pronta. O projeto era viável e só se destruiu na hora que estourou a Lava-Jato.

Mas e os FPSOs que mais de uma ano depois não tinham saído do papel?

A crise começa em maio de 2014, com a Lava Jato. Não tinha grandes atrasos de obra. Poderia ter um atraso ou outro, mas nada que mudasse a curva de produção.

O  Sinaval faz mea culpa de alguma coisa desse imbróglio?

Se lá em 2013, meu anjo da guarda chegasse para mim e falasse: ‘Sérgio, vai dar problema’ é evidente que eu avaliaria. Mas a gente estava muito tranquilo. A indústria naval começa em 2001 e vinha numa curva sólida de crescimento, estava se construindo e gerando emprego. Ninguém achou que ia dar problema. Só tinha um cara que dizia o contrário. Era o professor Floriano. 2010, quando o Lula deixou o governo, você iria falar que o país iria estar na desgraça que está hoje? No período que ele foi presidente, minha  vida melhorou muito e a vida de todo mundo melhorou muito. Depois foi…Então, como poderia imaginar que em 2018 eu estaria vendendo almoço para pagar a janta? Tínhamos 52 associados, estamos com 32.

Fonte: Brasil Energia – 
03/04/2018|Seção: Notícias da Semana|Tags: |