A paradeira na foz do rio Paraguaçu pode estar com os dias contados. O Consórcio Villegagnon – composto pela Naval Group, Mectron e o Estaleiro Enseada – está entre os quatro finalistas de uma licitação para a construção de quatro navios de guerra para a Marinha, cujo investimento deve chegar aos R$ 6 bilhões, nos próximos sete anos. Se vencer, as embarcações serão construídas na Enseada do Paraguaçu, distrito de Maragogipe, a 140 quilômetros (km) de Salvador. O resultado da licitação deve ser divulgado no próximo dia 22.
O projeto deve gerar 2 mil empregos diretos pelos próximos quatro anos, ativar a economia do Recôncavo baiano e devolver à vida o maior empreendimento do país na área naval. Em 2014, a Enseada chegou a empregar 7,4 mil trabalhadores, sendo 86% deles baianos, oriundos de Maragogipe, Salinas da Margarida, Nazaré das Farinhas, Cruz das Almas e Santo Antônio de Jesus.
Sede do estaleiro, o município de Maragogipe registrou um aumento de 272% em seu produto interno bruto (PIB), que passou de R$ 194 milhões em 2010 para R$ 753 milhões no ano de 2013.
Amanhã, as Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) promove um encontro para apresentar o projeto do Consórcio Villegagnon a lideranças empresariais baianas. No evento, estarão presentes representantes do governo do estado, da Embaixada da França no Brasil, dirigentes da FIEB e do SENAI Cimatec, o diretor-presidente da Naval Group, Eric Berthelot, o presidente do Estaleiro Enseada, Maurício Almeida, o diretor de Desenvolvimento de Negócios do Enseada, Ruffo Chiconelli, e o diretor de Contratos da Mectron, Flávio Fonseca.
Mesmo correndo para finalizar os últimos detalhes da proposta para a Marinha, o presidente da Enseada, Maurício Almeida, falou com exclusividade ao CORREIO a respeito da licitação. “Nós temos o maior estaleiro do Brasil. E este é o maior projeto disponível atualmente, já que o setor de óleo e gás ainda não se recuperou totalmente, então isso explica o nosso interesse no projeto”, destacou Almeida.
Em um terreno próprio com 2 milhões de metros quadrados (m²) de área e a capacidade de processar 108 mil toneladas de aço por ano, o Estaleiro Enseada é considerado não só o maior do país, como também o mais moderno. Com um investimento privado de R$ 3,2 bilhões e tecnologia Kawasaki Heavy Industries, o estaleiro foi implantado estrategicamente às margens do Paraguaçu, gerando emprego e renda para a região do Recôncavo baiano, celeiro de grandes projetos offshore desde a década de 1980.
Maurício Almeida elenca três razões para definir o projeto do Consórcio Villegagnon como o melhor entre os finalistas. Em primeiro lugar, ele destaca o modelo da embarcação que está sendo oferecida. Apesar de oferecer o que há de mais moderno em tecnologia, a Gowind 3000, da Naval Group, é baseada em um modelo que já está em operação em outros países. “Não é nenhum protótipo. É uma embarcação moderna, com capacidade de deslocamento superior às outras oferecidas”, destaca.
“A Marinha especificou uma faixa de navios e nós optamos por oferecer um produto que ocupa a banda superior das especificações. Além disso, nos associamos com a Naval Group, que tem uma longa história no setor”, ressaltou.
Outro destaque favorável à Enseada está relacionado às dimensões do estaleiro. Segundo Almeida, apesar de se tratar de um projeto significativo, a construção dos quatro navios de guerra deve ocupar entre 20% e 25% da área total disponível do empreendimento em Maragogipe. “Nós temos condições de oferecer uma parceria estratégica, inclusive para atender outros projetos da Marinha, com o espaço que temos disponível, caso haja interesse deles”, ressaltou.
Além disso, o executivo da estaleiro ainda coloca em destaque a composição do Consórcio Villegagnon. “A parceria do nosso grupo com a Marinha vem de longa data e já rendeu frutos”, lembra Almeida, citando a construção de submarinos através da empresa Itaguaí Construções Navais (ICN), parceria entre a Odebrecht (sócia da Enseada) e a Naval Group.
Retomada
Caso o consórcio vença a concorrência, a expectativa das empresas é que dentro de seis meses o contrato seja assinado e a mobilização para o início das obras. “O estaleiro é um verdadeiro polo de desenvolvimento regional”, destaca Maurício Almeida. Ele lembra que entre 2012 e 2015, quando o empreendimento estava sendo implantado, foram abertas 7.057 empresas na região. “Se cada uma delas criou apenas dois empregos, podemos imaginar a abertura de 15 mil vagas”, calcula.
Além disso, ele lembra que entre 2004 e 2010 centenas de trabalhadores do Recôncavo receberam qualificação para trabalhar em atividades relacionadas à indústria naval. Essa mão de obra, acredita, teve que buscar oportunidades em outros lugares. “A Bahia exportou mão de obra qualificada, agora queremos trabalhar para trazê-las de volta. A retomada da indústria naval é fundamental para nós, mas é muito importante para a economia de todo o estado”, ressalta.
Para o vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico (SDE), João Leão, a retomada das atividades no Estaleiro Enseada é uma prioridade para a Bahia. “Não dá para aceitar que um empreendimento como aquele, que recebeu mais de R$ 3 bilhões em investimentos e que poderia estar transformando a realidade econômica do nosso estado, hoje empregue apenas 35 pessoas, entre vigilantes e o pessoal da manutenção dos equipamentos”, lamenta.
“O empreendimento está implantado, devidamente licenciado e totalmente operacional. A única coisa que falta são os contratos para fazer tudo aquilo funcionar. Neste sentido, este contrato com a Marinha é muito importante porque trata-se de um negócio que já tem recursos previstos no orçamento da União”, destaca Leão.
Entre os impactos imediatos para a economia, o vice-governador ressalta o caráter intensivo em mão de obra do projeto, bem como a sua capacidade de estimular o desenvolvimento de outros segmentos econômicos.
“Estamos falando de mil empregos diretos em um primeiro momento e de outros 4 mil indiretos. Imagine o impacto disso no setor de serviços daquela região”, analisa o vice-governador.
Segundo ele, a ponte sobre o Rio Baetantã, que liga Enseada do Paraguaçu ao continente, foi concluída este mês com um investimento de R$ 70 milhões e está pronta para ser inaugurada. “Gostaríamos muito de entregar a obra com a retomada do estaleiro”, projeta João Leão.
Tecnologia
Caso Consórcio Villegagnon – composto pela Naval Group, Mectron e o Estaleio Enseada – seja o escolhido pela Marinha do Brasil para a construção de quatro navios de guerra, ele também será responsável pela tecnologia do projeto.
A corveta Gowind, que será construída no Estaleiro Enseada, em Maragogipe, caso o Consórcio Villegagnon seja o escolhido, destaca-se como uma embarcação altamente tecnológica, com a vantagem de já ter sido testada em missões, acrescenta Miguel Andrade. A embarcação é utilizada, por exemplo, pela marinha do Egito e da Malásia. “É diferente do produto que está sendo oferecido pelos outros consórcios, que são protótipos”, explica Andrade.
Segundo ele, a embarcação permitirá à Marinha realizar operações tanto em águas brasileiras, quanto internacionais.
Além do Consórcio Villegagnon, outros três grupos concorrem para a construção das embarcações. O Águas Azuis é formado pela Atech Negócios em Tecnologias S.A, Embraer S.A. e Thyssenkrupp Marine Systems GmbH (TKMS). O Damen Saab é formado por Tamandaré – Damen Schelde Naval Shipbuilding B.V e SAAB AB. E o Consórcio FLV tem em sua composição a Ficantieri S.p.A, Leonardo S.p.A (ambas da Itália) e VARD Promar.
O setor naval brasileiro vem atravessando uma crise, desde o início da Lava Jato, que impactou as operações da Petrobras, maior contratante do setor.