De volta ao mercado

  • 17/10/2019

Com baixa nas construções, estaleiros consolidam manutenção de plataformas como alvo de negócios

A perspectiva de crescimento do setor de petróleo e gás no Brasil, sobretudo a partir da descoberta do campo de pré-sal, impõe importantes desafios para o setor no sentido de avançar na eficiência da produção. É preciso cuidar também da segurança operacional, dos trabalhadores e do meio ambiente. Dessa forma, as atividades de integridade e manutenção de ativos offshore são fundamentais para que os níveis de produção sejam mantidos ou até mesmo melhorados. Esse fato tem gerado abertura de mercado para empresas especializadas em manutenção industrial e para os estaleiros que enfrentam, atualmente, retração em projetos de construção.

Como afirma o diretor geral da Elfe Operação e Manutenção, empresa do ramo de manutenção industrial e facilities, Mauro Cerchiari, quando o mercado de petróleo e gás dá sinais de que está aquecendo, a manutenção costuma ser o primeiro setor a ser contemplado, visto que serve de preparação do parque produtivo na retomada do crescimento. Por essa razão, a empresa entende que o mercado de integridade e manutenção offshore tem demanda crescente, pois é necessário para garantir o crescimento da produção brasileira no setor. Na visão da Elfe, portanto, as empresas prestadoras de serviço precisão se capacitar e se preparar tecnicamente para a excelência operacional e também em QSMS (Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde).

Atualmente a Elfe presta serviços de manutenção industrial em várias plataformas offshore nas Bacias de Campos, Espírito Santo e Rio Grande do Norte para Petrobras, Modec, Teekay e outras do segmento de óleo e gás. A Elfe realiza projetos de engenharia, confecção de estruturas e tubulações, caldeiraria, pintura, manutenção mecânica, elétrica e instrumentação, bem como serviços especializados em guindastes, turbomáquina e sistemas de climatização.

A depender do serviço, os contratos normalmente são de 36 meses, podendo incluir paradas programadas ou campanhas de pinturas, variando de 90 a 120 dias. Para a realização das atividades de manutenção a empresa mobiliza um efetivo de 2,5 mil trabalhadores.

Com o ciclo de baixa em projetos de construção naval que vem ocorrendo nos últimos anos no país, os estaleiros têm apostado no mercado de manutenção de ativos offshore. De acordo com o diretor comercial do Estaleiro Enseada, Carlos Tsubake, com a manutenção de plataformas a empresa está conseguindo manter parte da mão de obra estratégica mobilizada, além de remunerar o estaleiro para cobrir parte dos custos fixos recorrentes. “Atualmente temos condições competitivas para realizar as manutenções de plataformas offshore no Brasil, sem a necessidade de transportá-las para o exterior”, explicou o diretor, que enxerga um cenário positivo desse mercado para os próximos anos. “Este é um mercado de demanda constante e tende a crescer em função da pluralidade de novos clientes decorrentes da entrada de novas operadoras nos campos do pré-sal brasileiro”, completou.

O estaleiro mantém contrato ativo com a empresa Prosafe para a manutenção da UMS Safe Concordia. O serviço ainda está em fase de levantamento do escopo de manutenção e reparo que devem ser realizados na UMS para então serem definidas quais atividades serão feitas. Outro contrato também está em curso, porém já em fase de finalização com a Ocyan. O estaleiro entregou recentemente a plataforma de perfuração SS Norbe VI, que permaneceu por 12 meses no estaleiro em smart stacking (energizada a partir da subestação elétrica de 69 KV e 29 MW de potência), condição em que as embarcações são energizadas sem a necessidade de geração própria, o que resulta em economia para os clientes. Nessa plataforma, o Enseada realizou serviços de manutenção de estruturas, tubulação e pintura.

A perspectiva da realização do megaleilão do pré-sal prevista para acontecer em novembro tem criado boas expectativas para os estaleiros no Brasil, visão esta compartilhada pelo vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sérgio Bacci. Ele avalia como positivas as chances de novas obras, tanto de manutenção quando de construção.

Entretanto, o cenário atual é difícil para a maioria dos estaleiros nacionais, praticamente sem obras. Sendo assim, os serviços de manutenção são o nicho mais importante realizado hoje por eles. Diante desse quadro, o Sinaval tem cobrado algumas providências junto ao governo federal, entre elas a ampliação do prazo de carência e pagamento de financiamentos obtidos pelos estaleiros através dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Além de ser uma importante possibilidade de negócio para estaleiros e empresas de manutenção industrial, as manutenções de plataformas offshore têm importância ainda maior para os operadores que, cada vez mais, enxergam nessa atividade melhoria da eficiência operacional, com redução de riscos estruturais e humanos.

Para tanto, as grandes empresas realizam Planos de Manutenção ou Gestão de Integridade Naval, para que os processos de manutenção ocorram de forma contínua, com o objetivo de reduzir o número de paradas não programadas nas atividades da plataforma, otimizando manutenções, inspeções e testes. É o que ocorre na Petrobras, empresa que opera o maior número de plataformas no Brasil. Conforme destaca a empresa, as manutenções têm um rigoroso processo prévio de planejamento e são realizadas com a plataforma na sua locação, e não no estaleiro.

As manutenções programadas, que não são possíveis de realizar com a plataforma operando, pois exigem a parada de determinados equipamentos, implicam perdas de produção. Porém, devido ao planejamento prévio das manutenções da plataforma, as perdas já são consideradas na previsão de produção, o que gera redução de surpresas quanto aos impactos econômicos. O tempo da parada programada também é estipulado no planejamento e pode acontecer a cada dois ou três anos.

O processo básico de manutenção realizado pela Petrobras é dividido em quatro etapas: Estruturação, que implica a definição de estratégias e a elaboração de planos; Identificação, que identifica e registra a necessidade de manutenção; Planejamento e Programação, que se refere ao programa de serviços e, por fim, Execução, que é a execução propriamente dita dos serviços de manutenção conforme o planejado.

De acordo com o João Felipe, engenheiro naval da Petrobras, todos os processos de manutenção da empresa são mapeados, além de serem utilizadas ferramentas para o armazenamento de dados de inspeção; histórico de falhas e disponibilização do estado de cada unidade. A retroalimentação de informações a partir de dados obtidos com as inspeções aprimora o processo de manutenção das plataformas.

Entretanto, apesar do planejamento das manutenções, a Petrobras ainda enfrenta desafios para aumentar a eficiência dessa atividade. Alguns desses desafios passam pela diminuição da exposição do homem ao risco. Conforme informou João Felipe durante o II Workshop sobre Integridade e Manutenção de Ativos Offshore, realizado pela SOBENA, foram realizados cerca de 30 mil mergulhos para inspeção apenas em 2018. Com esse número elevado, a empresa busca nas novas tecnologias a redução dessa estatística e com isso salvaguardar a vida dos trabalhadores.

Outros desafios como o aumento da disponibilidade da plataforma e mudanças de métodos de inspeção para torná-los mais eficientes também estão diretamente relacionados à perspectiva de inclusão de novas tecnologias. Pensando nisso, a Petrobras criou o projeto Petrobras Conexão e Inovação em parceria com o Sebrae para que empresas, startups e a indústria possam apresentar soluções em tecnologia e melhorar a gestão da integridade de ativos offshore.

Desde 2016 a Petrobras mantém contrato ativo com a Prosafe, que tem embarcações semissubmersíveis — Unidades de Manutenção e Segurança (UMS) — que utilizam o conceito de Floating Shipyard (Estaleiro Flutuante). A unidade UMS já faz parte do Plano de Manutenção da Petrobras que utiliza a plataforma Safe Notes da Prosafe. Esta, juntamente como a Safe Eurus, consideradas plataformas irmãs, foram projetadas para atuarem especificamente no Brasil. A Petrobras já fechou contrato para fretar a Safe Eurus, que deve começar operar ainda este ano.

Uma UMS tem diversos espaços disponíveis para armazenamento de materiais, oficinas, escritórios, equipamentos, guindastes com alcance de 30 metros, área de deck, entre outros espaços e aparelhagens. São embarcações conectadas constantemente por meio de uma gangway com a plataforma, oferecendo suporte contínuo de manutenção e segurança, sem que a FPSO necessite parar de produzir.

Embora a Petrobras já realize uma forte política de manutenção de plataformas, esta ainda não é uma realidade das empresas do setor offshore, segundo afirma o pesquisador e professor de Engenharia Naval da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Antonio Vaz Pinto. Para ele, a impressão é de que, mesmo as gigantes do setor ainda resolvem os problemas à medida que vão acontecendo.

O professor explica que a boa prática da manutenção deve passar pela definição de um plano de manutenção (preditiva, preventiva ou corretiva), pela instalação de sistemas supervisores e acompanhamento de máquinas de importância vital no processo produtivo. Além disso, devem ser feitas análises de vibração, bem como de óleo lubrificante ou mesmo de parâmetros operacionais como temperatura e pressão.

Vaz Pinto destacou ainda ser sempre desejável que as manutenções não impliquem paradas dos equipamentos e a consequente perda de produção.

Dessa forma, ele entende que o estudo de confiabilidade pode ser um forte aliado para garantir uma operação de manutenção contínua dos equipamentos. Esse estudo destaca três parâmetros capazes de definir o tipo de manutenção recomendado para cada equipamento. Os parâmetros são: ocorrência de falha, detectabilidade da falha e sua severidade. A partir de então são atribuídos valores a esses parâmetros que definem a manutenção necessária.

Para tanto, o estudo de confiabilidade baseia-se na constituição de um banco de dados por meio do qual são registrados dados de histórico de falhas. As falhas são categorizadas desde incipientes até graves e são coletadas por longos períodos. O professor frisou também que a desmobilização da plataforma mesmo que temporária envolve custos muito maiores quando comparada às manutenções in loco e constantes.

Com o advento da indústria 4.0, algumas possibilidades se abrem para melhorar processos, incluindo de manutenção de plataformas. E a utilização de banco de dados (Big Data Analytics), bem como da Internet of Things (IoT) estão entre os principais potenciais tecnológicos que devem ser utilizados cada vez mais pelas empresas do setor de petróleo e gás.

Durante o II Workshop sobre Integridade e Manutenção de Ativos Offshore, a Halliburton, uma das maiores do mundo em fornecimento de produtos e serviços do setor de energia, apresentou o programa Halliburton Digital Solutions que tem como proposta a análise de dados digitalizados de forma inteligente, de modo que gere solução e auxilie as empresas do setor de petróleo e gás na tomada de decisão sobre manutenção de sistemas produtivos.

A empresa trabalha com a ideia de manutenção prescritiva. que seria mais eficiente que as manutenções preventivas. A primeira propõe que a empresa, já sabendo que determinado equipamento pode falhar, tome uma atitude antes que a falha ocorra. As manutenções preventivas, mesmo identificando o problema com antecedência, ainda sofrem com períodos de No Productive Time (NPT), mesmo que pequenos.

Atuando com modelos de data-driven a proposta de manutenção prescritiva, portanto, verifica o sintoma antes que ele ocorra, impedindo que se realize. Assim, não há nenhuma perda de produção da plataforma, além de possibilitar que sejam postergadas algumas manutenções que deveriam ser realizadas em shutdown (paradas programadas).

Muito embora propostas que avançam nas atividades de manutenção estejam em curso, como é o caso da manutenção prescritiva utilizando o que há de mais moderno em tecnologia na atualidade, as paradas programadas para manutenção de plataformas offshore ainda ocorrem porque algumas manutenções não são possíveis de se realizar com a plataforma operando.

Assim, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), das 142 plataformas que estão em operação atualmente no Brasil, estão com paradas programadas para este ano as seguintes plataformas: Peroá, PNA-2, FPSO Capixaba, P-18, P-40, P-54, P-66 e FPSO Cidade de Ilhabela.

Uma das funções da agência é fiscalizar a segurança das operações nas atividades que integram a produção de petróleo, gás e bicombustíveis, a fim de preservar a saúde dos trabalhadores, a proteção do meio ambiente, bem como a eficiência energética. E, para tanto, a fiscalização nas atividades da manutenção das plataformas consiste em verificar se aqueles requisitos estão sendo considerados.

Segundo informação da ANP, a fiscalização avalia, sobretudo, a consistência dos planos de manutenção que deverão funcionar de acordo com os requisitos normativos e os procedimentos estabelecidos pelo operador, conforme as boas práticas da indústria do setor de petróleo e gás. No processo de fiscalização são realizadas auditorias por meio das quais é avaliado se os operadores cumprem sua atribuição, que é a de estabelecer planos de inspeção, teste e manutenção a fim de buscar a integridade de seus sistemas, estruturas, equipamentos e sistemas críticos de segurança operacional, respeitando os requisitos da Prática de Gestão nº 13 do Regulamento Técnico do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO) da ANP.

A Agência destaca que a definição de Equipamentos e Sistemas Críticos de Segurança Operacional, que é abordado pela Prática de Gestão nº 11, são elementos que em caso de falhas poderão causar ou contribuir de forma significativa para um quase acidente ou acidente operacional. Portanto, a manutenção da integridade daqueles é de fundamental importância para a segurança das instalações em plataformas offshore.

Para a realização das auditorias dos sistemas de gestão, a ANP segue três passos: o planejamento que é feito com base no conhecimento da instalação a ser auditada; a imersão da equipe auditora no sistema de gestão da operadora e, por fim, a avaliação para a garantia da melhoria contínua do sistema.

Foram realizadas, desde 2009, mais de 300 auditorias em plataformas marítimas. Só no primeiro semestre deste ano, foram realizadas 20 auditorias, com uma média de 14 em não conformidade (NC), isto é, inadequadas em algum aspecto avaliado. Uma das não conformidades críticas apresentadas este ano foi o aumento da perda de contenção (derramamento de óleo). Já foram 23 eventos só no primeiro semestre de 2019, fato este que tem preocupado a agência e que tem motivado um alerta às operadoras.

A ANP também tem o poder de interditar plataformas. A interdição decorre da existência de riscos graves e iminentes, cuja solução imediata para a redução do risco é a parada de operação. A última interdição relacionada à falta de manutenção adequada ocorreu em junho deste ano, com a interdição de linhas de produção cujas válvulas de segurança se encontravam em condições degradadas. A Agência não informou dados sobre a operadora dessa plataforma.

O Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustível (IBP) também realiza auditorias com a finalidade de oferecer a Certificação de Serviços Próprios de Inspeção de Equipamentos (SPIE). Essa certificação é aplicável a quaisquer empresas que operem com caldeiras, vasos de pressão, tubulações e tanques metálicos de armazenamento.

Trata-se, portanto, de uma certificação voluntária e as plataformas offshore que queiram obter a SPIE devem observar alguns regulamentos e normas, tais como: a Norma Regulamentadora 13, as Portarias do Inmetro 537/2015 e 582/2015 e a ABNT NBR ISO IEC 17065. São realizadas, normalmente, auditorias anuais, por meio das quais o IBP verifica o respeito a esses documentos.

São verificados, entre outros requisitos: estrutura organizacional SPIE; efetivo mínimo; qualificação e capacitação dos profissionais; cumprimento da programação da inspeção dos equipamentos; atualização e rastreabilidade de arquivos; relatórios de inspeção, procedimentos internos; indicadores de desempenho e ocorrência de acidentes em equipamentos controlados pelo SPIE.

As plataformas offshore devem atender também a requisitos estabelecidos em regulamentos internacionais como, por exemplo, o Modu Code, Marpol, ILLC, entre outros. De acordo com a DNV-GL, uma das maiores classificadoras navais do mundo, esses regulamentos definem uma periodicidade durante as quais vistorias devem ser realizadas a bordo das plataformas, de modo que seja verificado o cumprimento os requisitos estipulados nesses regulamentos. Todas as embarcações devem passar ao menos por uma vistoria por ano.

Em adição aos regulamentos, a DNV-GL verifica o atendimento ao seu próprio conjunto de regras. Portanto, o método utilizado pela classificadora consiste em um apanhado de testes em equipamentos e sistemas, verificações visuais, ensaios não destrutivos e análises documentais.

Os critérios observados durante as vistorias concentram-se, basicamente, em requisitos para a preservação da segurança da tripulação, da unidade e do meio ambiente. Entre os clientes da DNV-GL para serviços de classificação no Brasil estão Petrobras, Equinor, Ocyan, Petroserv, BW Offshore, Teekay Offshore, Prosafe e Seadrill. Atualmente, existem 26 plataformas offshore operando no país com classe DNV-GL, estando sujeitas a vistorias anuais.

Fonte: Portos e Navios – Dérika Virgulino
17/10/2019|Seção: Notícias da Semana|Tags: |