É chegado o momento de oportunidades reais para estaleiros brasileiros e sul-americanos
Opinião: por Ronald Carreteiro
Quando um velho e enferrujado superpetroleiro de 70 m de altura e 400 m de comprimento chega a um estaleiro de desmantelamento à espera de operários que trabalharão na operação de corte, muita coisa está por detrás desta atividade empresarial.
Em primeiro lugar, a geração de empregos a uma equipe de maçariqueiros que, equipados com maçaricos de oxiacetileno, precisarão de quase dois meses para o corte de um navio com quase 40 mil t de deslocamento de peso leve. Além disso, uma forte engenharia naval e um conjunto de profissionais e técnicos em diversas especialidades da engenharia, segurança, meio ambiente e administração
Na primeira semana, o óleo, os resíduos tóxicos e outros resíduos serão removidos por bombeamento, partes da proa e de algumas anteparas serão retiradas, assim como todo o topside. A reciclagem, então, começará dentro de um planejamento de logística reversa.
Os cabos, o aço, os geradores, as bombas, motores elétricos, chaminés, hélices, botes salva-vidas, escadarias, pias, vasos sanitários, lâmpadas, todos os parafusos e porcas, os fios elétricos, as madeiras, e os vidros, as sucatas ferrosas e não ferrosas serão removidos, vendidos e transformados em materiais de construção, vigas, chapas metálicas, móveis, entre outras finalidades. As chapas de aço naval do casco serão comercializadas e poderão ser usadas na produção de chapas navais novas.
Cada pedaço do navio será reciclado, reutilizado e/ou revendido. No máximo, 5% não será reciclado e será considerado resíduo da atividade. Os navios ajudarão a movimentar cidades e indústrias locais.
A União Europeia propôs regulamentos que determinam que navios de bandeira europeia só possam ser desmantelados por estaleiros que cumpram rigorosas normas ambientais. A estimativa da organização é que as toneladas anuais de resíduos tóxicos contidos em navios inservíveis sejam devidamente removidos, tratados e adequadamente destinados.
Armadores europeus terão de remover seus resíduos tóxicos antes que alcancem os estaleiros de desmantelamento do material naval e terão de cumprir requisitos ambientais e de segurança. Os navios europeus só poderão ser reciclados nos estaleiros autorizados e inspecionados por certificadoras internacionais. De 2017 até dezembro de 2019, 34 estaleiros foram devidamente autorizados para efetuarem o desmantelamento de navios inservíveis.
Poucos estaleiros de desmantelamento situados em Bangladesh, Paquistão e Índia — os principais polos para essa atividade até 2016 utilizando o Beaching Method (desmantelamento nas praias) — serão capazes de cumprir os padrões propostos pela Comunidade Europeia sem um robusto investimento.
Os números são difíceis de constatar, mas organizações ambientais informam que, nos últimos 12 anos, centenas de homens que trabalhavam em estaleiros de desmantelamento por este antigo método, ou seja, que atuavam nas praias e sem nenhuma sustentabilidade, morreram ou se mutilaram.
Em média, morria um trabalhador por semana nos estaleiros, e um trabalhador se feria a cada dia. E era fácil substituir os operários, pois, quando um trabalhador se feria, havia dez dispostos a substituí-lo. E os governos somente recolhiam os impostos dos estaleiros.
Mas, Peter Khoeler, comissário de Meio Ambiente da União Europeia, que esteve no Brasil em 2019, não parece convencido. “Ainda que o setor de desmantelamento de navios tenha melhorado suas práticas, muitas instalações ainda continuam a operar sob condições perigosas”
Este cenário está em mudança gradual e continua. Como a Europa não tem espaços para estaleiros de grande porte, é chegado o momento de oportunidades reais para estaleiros brasileiros e sul-americanos.
O certo é que o setor de desmantelamento de navios tem papel importante na economia circular.
Além de fornecer aço e inúmeros materiais, os estaleiros empregam grandes quantidades de funcionários diretos e indiretos, geram riqueza, trabalham com sustentabilidade e podem contribuir no país com tratamento de resíduos de diversas comunidades, indústrias e hospitais, em uma área de influência entre 160 a 200 km de distância de sua localização, pois são obrigados a efetuarem o tratamento dos resíduos da atividade de desmantelamento.
Vale o registro de que ainda não existe um único estaleiro de desmantelamento na América do Sul.
Ronald Carreteiro é engenheiro, professor e coordenador do Comitê Técnico da SOBENA sobre Desmantelamento de Navios e Descomissionamento de Plataformas.