Entrou em vigor nesta semana a determinação da Organização Marítima Internacional (IMO) para a nova composição do óleo combustível utilizado por navios, conhecido como bunker. A norma definiu a obrigatoriedade da redução do limite máximo de teor de enxofre no combustível, de 3,5% para 0,5%. Mesmo tendo sido aprovada com anos de antecedência, a medida ainda está longe de ser algo facilmente implementado este ano e ainda há muitos desafios para armadores, petroleiras e órgãos responsáveis pela fiscalização dos combustíveis, de acordo com especialistas ouvidos pelo Valor.
“É uma agenda bem importante para o setor de navegação e também para o setor de fornecimento de combustível marítimo. É um assunto que já vem sendo discutido há muitos anos. É uma redução bem drástica e bem importante”, explica Godofredo Mendes Vianna, especialista em direito marítimo e sócio sênior do escritório Kincaid Mendes Vianna.
Segundo ele, um desafio de imediato é o atendimento das embarcações logo nos primeiros dias do ano. Caso a embarcação ainda tenha no tanque combustível com as especificações antigas, ela terá que fazer a retirada e o descarte do produto para ser abastecida com o novo bunker.
Só poderão utilizar o combustível com o teor mais elevado de enxofre as embarcações que tiverem instalado um equipamento chamado “scrubber”. O componente é, na prática, um sistema de limpeza de gases de escape, que filtra o combustível e reduz a quantidade de enxofre emitida.
Mesmo antes de entrar em vigor, no entanto, a nova norma já gerou impactos econômicos no setor. De acordo com dados da consultoria Bain & Company, o preço do bunker com 0,5% de enxofre subiu 17,4% nos primeiros cinco meses do ano passado, passando de US$ 460 por tonelada para US$ 540 por tonelada. Há relatos de aumentos ainda maiores no fim de 2019. Com relação ao “scrubber”, a instalação do equipamento estava custando entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões.
Godofredo lembra ainda dos efeitos no mercado financeiro. “Os bancos que financiam a indústria e a construção de navios se uniram na Europa e assinaram um protocolo para o rastreamento e monitoramento dos navios que eles estão financiando para que obedeçam essa pauta da IMO também, sob pena, inclusive, de impactos no financiamento.”
Para José de Sá, especialista em petróleo e diretor no escritório da consultoria Bain & Company no Rio, 2020 será um ano de ajuste para o setor marítimo. Segundo ele, ainda há um mercado não desprezível de combustível marítimo com alto teor de enxofre, já que muitas companhias ainda não fizeram os investimentos necessários para se adaptarem para o novo combustível, devido a incertezas com relação às especificações do novo produto.
Por outro lado, o especialista da Bain & Company entende que os refinadores que investiram e se prepararam com antecedência deverão ter margens “bem interessantes” nos próximos dois anos. Ele destaca ainda que o Brasil tem um diferencial, já que o petróleo local possui naturalmente baixo teor de enxofre.
A Petrobras fez a mesma leitura e se preparou antecipadamente. A companhia informou ao Valor que todas as suas refinarias têm condições operacionais de produzir o bunker com baixo teor de enxofre e que a produção da empresa é suficiente para atender o mercado doméstico e ainda exportar o excedente.
A diretora de Refino e Gás Natural da petroleira, Anelise Lara, estima que a companhia tenha um ganho adicional da ordem de US$ 1 bilhão em 2020, em relação a 2018, no negócio de abastecimento de bunker.
“No que diz respeito à IMO 2020, estamos muito bem posicionados, porque nosso óleo do pré-sal é baixo em enxofre e nossas refinarias são capazes de produzir bunker com 0,5% [de enxofre] sem necessidade de adicionar mais equipamentos”, afirmou a executiva, em reunião com investidores em Londres, no início de dezembro. “Pretendemos atingir cerca de 900 toneladas de bunker para exportar em 2020, devido às características do bunker da Petrobras”, completou a diretora, na ocasião.
Outro ponto fundamental sobre a nova norma é relativo à fiscalização. Por definição, cada país deve ser responsável pela fiscalização do uso do combustível em seu território. Este é outro motivo para que a mudança no mercado não ocorra de imediato, no entendimento de Sá, da Bain & Company. “Podemos esperar um nível alto de adesão em portos importantes como o de Roterdã [na Holanda] e em Cingapura. Mas nos portos mais remotos é difícil imaginar que vai ter uma entidade representativa fiscalizando especificamente esse tema”, afirma o especialista.
No Brasil, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) se antecipou à mudança e aprovou em maio uma resolução que estabelece a especificação dos combustíveis marítimos em linha com a norma da IMO 2020. “A regra tem como objetivo contribuir para a diminuição da emissão de gases poluentes, favorecendo o meio ambiente e a saúde das populações, em especial as que vivem próximas a portos e costas”, informou a autarquia, na ocasião.