Mundo continuará por muitas décadas dependente da energia fóssil
Em julho de 1965, o então Ministro Hélio Beltrão, do Planejamento e Coordenação Geral, das melhores cabeças que o Brasil já teve na área da administração, proferiu palestra, editada pela Imprensa Nacional, sobre as falhas mais comuns da nossa vida político-administrativa: a falta do planejamento central e institucionalizado, a inadequada fiscalização dos dinheiros públicos, fruto de legislações minuciosas e muitas vezes conflitantes, e a confusão ao se centralizar o planejamento e o controle também se adotar a centralização da execução.
Mais de meio século se passou, diversos dirigentes buscaram com filosofias e métodos dos mais diferentes colocar nosso País na rota do crescimento e da inclusão social, com poucos, efêmeros e pífios resultados. No entanto lá estava, nas palavras do mestre Hélio Beltrão com a simplicidade da própria vida, a receita mágica: planeja-se e controla-se num só lugar, executa-se conforme as condições específicas de cada setor, de cada região, de cada objetivo.
O Pró-Brasil pode colocar um rumo seguro para a ação governamental, mas sua efetividade depende, entre outros fatores, da alocação dos recursos existentes para os investimentos compatíveis com as necessidades nacionais, atendendo à mais ampla faixa da população brasileira.
Em primeiro lugar é necessário deixar claro que o planejamento, pela própria natureza, é centralizado, mas não se opõe às forças do mercado; ao contrário, lhes dá ordem e progresso, como bem enuncia o Pró-Brasil.
Na apresentação do Programa, o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, foi enfático ao falar da sinergia.
Deixar unicamente nas mãos do mercado o planejamento nacional, na melhor hipótese, poder-se-iam obter ilhas de prosperidades – subordinadas as internacionais e atuais cadeias de valor e divisão do trabalho – desconectadas entre elas e, o que é mais relevante, do interesse nacional.
Outro grande mestre da administração brasileira, o professor Alberto Guerreiro Ramos, da Escola Brasileira de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EBAP), ao comentar a iniciativa do Ministro Beltrão registrou que resolvia um problema “jurídico e da eficiência”. É o que também se depreende dos slides apresentados na exposição do Ministro Braga Netto.
Vamos tratar de um tema que, embora seja habitualmente colocado como energia ou viabilizador econômico, é um elemento de eficiência, o que lhe dá também um caráter transversal no planejamento, ainda que sua execução seja específica e complexa. Estamos nos referindo ao petróleo.
O mundo contemporâneo está e continuará por muitas décadas, provavelmente século, dependente da energia fóssil (carvão, petróleo e gás natural). Nenhuma outra fonte primária é tão eficiente. Todas as que se denominam renováveis são na realidade pretensamente ou potencialmente renováveis, pois para sua produção, distribuição, manutenção e uso o conhecimento humano ainda não pode, e não se sabe se algum dia poderá, dispensar a energia concentrada e confiável dos hidrocarbonetos de origem fóssil.
A quantidade de energia utilizada por agente produtivo, qualquer que seja seu emprego no processo de obtenção de resultados culturais, sociais ou econômicos, pode e deve ser confrontado com a eficácia do seu aproveitamento, ou seja, com a eficiência do método e o custo despendido.
É por isso que a energia consumida por habitante é um indicador que demonstra muito bem o grau de desenvolvimento da nação, como se observa na Tabela que se segue, com dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
O modelo que vem sendo adotado, desde 2014, na administração da Petrobras contraria o princípio da eficácia. Há enorme desperdício de esforços e mau aproveitamento do que é usual na indústria do petróleo em todo mundo e em qualquer regime político e econômico: a empresa integrada.
O que é uma empresa integrada de petróleo? Permitam-nos citar o trabalho apresentado na Escola Superior de Guerra (ESG), em 1992 (P.A. de A.G. de Pinho, A Empresa Integrada de Petróleo – Promotora de Desenvolvimento, ESG, Departamento de Estudo, TE-92 DAE): “Todos os países do mundo, variando apenas em intensidade, praticam a intervenção estatal na economia do petróleo” e “apenas com a integração dos diversos segmentos que compõem o negócio do petróleo, a empresa pode administrar receitas, riscos e mercados que, no conjunto, a tornem viável”.
O negócio do petróleo está dividido em dois grandes segmentos, em inglês denominados upstream e downstream.
O primeiro congrega todas as atividades para a procura e a produção de óleo e gás. É atividade de alto risco, atualmente – com a evolução das tecnologias para obter informações do subsolo e para construção de modelos geológicos, possibilitando inferir acumulações de hidrocarbonetos – tem-se o indicador em torno de 15% para os acertos.
Além disso, como as descobertas estão, cada vez mais, em áreas de fronteira exploratória, como as águas oceânicas ultra profundas, o custo dos desenvolvimentos dos campos descobertos tende a ser mais alto. Alia-se a estes fatos a extraordinária volatilidade dos preços do barril de petróleo no mercado internacional; nestes 20 anos do século XXI tivemos, a dólar de janeiro de 2016, o barril a US$ 140 (2009) e a US$ 14 (2020).
O downstream é o mesmo que se encontra na indústria de transformação tecnologicamente complexa: o ingresso de insumo do qual se obtém diversos produtos, seus transportes, distribuição e comercialização. O fato de se terem alienado a comercialização (distribuição) e o transporte (malhas de gasodutos) nas atividades da Petrobras a deixam uma empresa de petróleo mutilada.
Retomemos ao planejamento governamental reintroduzido no modelo de gestão nacional. Há um efeito nada desprezível no planejamento: a avaliação dos desempenhos.
Voltemos às críticas de Hélio Beltrão. O conjunto excessivo de normas e ameaças punitivas engessa a ação governamental.
Como então exercer o adequado e necessário controle, aplicar incentivos, premiar e punir? Colocando metas de diversas ordens que servirão para avaliar os desempenhos, tais como, mas não limitadas à aplicação de tecnologias, ao emprego de mão de obra, à realização de custos, ao cumprimento de prazos, qualidade e segurança dos empreendimentos, integração de esforços e muitas mais que cada área de ação governamental adequará a seus projetos, inseridos no Pró-Brasil.
A Petrobras pode assumir como metas, por exemplo: 1) o abastecimento do mercado brasileiro aos menores custos possíveis; 2) investimentos com máximo conteúdo local, com o desenvolvimento eficiente de fornecedores brasileiros; 3) a agregação de valor ao petróleo cru, com seu refino e transformação em combustíveis e petroquímicos; 4) a substituição da exportação do petróleo cru pelo seu consumo interno, buscando exportar produtos de maior valor agregado; 5) o aumento da quantidade e da qualidade da mão de obra de brasileiros dedicados a cadeia de petróleo e gás; 6) o desenvolvimento de energias potencialmente renováveis que apresentem os menores custos possíveis.
Os adequados objetivos da Petrobras e o melhor uso do petróleo brasileiro podem conferir maior eficiência a amplos e diversos segmentos da economia nacional. A disponibilidade de energia relativamente barata e aplicação de mecanismos de Estado para apropriação e distribuição da renda petrolífera potencializam a criação de valor e o desenvolvimento de competências transversais no Brasil.
Felipe Coutinho, engenheiro químico, Presidente da AEPET.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.