A palavra que tomou conta dos debates no setor de óleo e gás nesta semana foi competitividade, muito em virtude do encontro online que reuniu os principais executivos das petroleiras presentes no Brasil. Este foi o assunto da vez durante a apresentação, que também foi muito marcada pela ausência de uma mensagem com perspectivas de novos negócios para a cadeia de fornecedores do país. Ontem, o Petronotícias ouviu o setor naval para repercutir estes temas. Hoje, o entrevistado que irá debater conosco estes assuntos será o diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Telmo Ghiorzi. Ele cita, por exemplo, que o Brasil precisa de novas políticas públicas para favorecer o ambiente de negócios. “De fato, existem regulações, leis e regras no Brasil que nem sempre favorecem a nossa competitividade. Exemplos: a questão tributária, a deficiência de logística ou eventuais sobrecargas na folha de pagamento”, afirmou. Ghiorzi diz também que é preciso “achar os caminhos para que as empresas brasileiras aumentem dramaticamente a sua competitividade” e que isso depende das “competências tecnológicas que essas companhias detêm”. O diretor da Abemi defende ainda alterações no nosso sistema tributário para tirar um pouco o peso dos ombros de nossas companhias e também a ampliação do Repetro para outras áreas. “Porque se o Repetro for expandido, ele reduzirá o custo dos bens e serviços produzidos no Brasil. Ele precisa ser incorporado pelos estados e expandido para os demais elos da cadeia produtiva brasileira, o que aumentará a competitividade do país”, opinou.
As principais petroleiras presentes no país, com exceção da BP, passaram um recado de que não estão pensando em contratar a indústria local. Gostaria de sua avaliação sobre essa situação.
As petroleiras, tanto as estatais quanto internacionais, seguem uma lógica econômica. Dá para entender a fundamentação econômica das decisões destas empresas, que buscam condições de fornecimento de bens e serviços mais vantajosas e alinhadas às suas estratégias. Por outro lado, é evidente que as empresas brasileiras sofrem com essas decisões. Este contexto, em nossa visão, tem duas grandes dimensões/causas: as políticas públicas que nem sempre favorecem e a própria competitividade das empresas.
De fato, existem regulações, leis e regras no Brasil que nem sempre favorecem a nossa competitividade. Exemplos: a questão tributária, a deficiência de logística ou eventuais sobrecargas na folha de pagamento. Além disso, evidentemente, existem deficiências em algumas empresas. Algumas empresas no Brasil são muito eficientes, mas outras nem tanto. É natural que as empresas estejam em diferentes graus de competitividade. Isso explica o porquê do nosso preço ainda ser pior do que o da China. A decisão da Petrobras e das demais petroleiras segue uma lógica econômica. O que a Abemi defende é trabalhar um novo conjunto de políticas públicas que venham a enfrentar esses dois desafios.
De um lado, temos uma competição por causa do preço baixo de petróleo no mundo. O petróleo no Brasil precisa ser barato para competir com o petróleo produzido em outros lugares. E isso, a Petrobras faz muito bem e está muito avançada. A Petrobras tem um preço de petróleo competitivo, tanto é que as exportações estão super positivas neste momento. Por outro lado, talvez não sejamos tão competitivos na produção de bens e serviços. Este é o desafio que precisamos enfrentar.
Como as companhias vão aumentar a competitividade em um momento onde não há encomendas?
Precisamos, primeiro, avaliar a questão de causa e efeito. As empresas não são competitivas porque não são contratadas ou não são contratadas porque não são competitivas? Há uma lógica econômica por trás das decisões das petroleiras. Elas têm de produzir petróleo com custos compatíveis com preços ao redor de US$ 30 por barril. Este preço depende da competitividade dos seus fornecedores de bens e serviços. Se eles não estão conseguindo fazer os preços que as petroleiras precisam, é natural que estas operadoras tenham outras escolhas. A competitividade das fornecedoras influência nas decisões sobre as aquisições.
A questão é: como atingir este novo patamar de competitividade para que o Brasil seja atraente para as petroleiras? Isto é uma discussão mais complexa. É muito difícil de resolver no curto prazo. Não vamos atingir o patamar de competitividade da China ou de outros países dentro de semanas. É um processo que duraria meses ou anos. E depende muito de que alterações o governo federal, ou mesmo os estaduais, podem fazer nas legislações para aumentar a competitividade.
Acho que o principal seria a questão tributária. Por exemplo: o Repetro é um regime tributário que reduz os impostos pago pelas petroleiras e pela cadeia de bens e serviços. O Repetro precisa não só ser mantido como também estendido. Porque se o Repetro for expandido, ele reduzirá o custo dos bens e serviços produzidos no Brasil. Ele precisa ser incorporado pelos estados e expandido para os demais elos da cadeia produtiva brasileira, o que aumentará a competitividade do país. Porém, isso terá um efeito colateral que é a redução da arrecadação de impostos. É um efeito negativo imediato, mas muito positivo no longo prazo, já que teremos mais empregos e maior atividade econômica.
E quanto ao conteúdo local?
Não acho, pessoalmente, que deve ser mudada a regra de conteúdo local. A regra de conteúdo local vigente no Brasil é de 2018 e mal foi implantada ainda. É muito cedo para alterá-la. Essa regra é fruto de uma discussão profunda entre as várias entidades que atuam no setor. Até porque uma alteração na lei agora só teria efeitos só daqui a oito ou dez anos. A Abemi, em discussões com outras entidades, está evoluindo para identificar as medidas mais benéficas em relação ao conteúdo local.
Então, acho que as alterações devem ser tributárias, que são imediatas, ou focadas em como aumentar a competitividade das empresas brasileiras. Neste último caso, é uma questão de desenvolvimento de capacidade tecnológica. Nós temos que achar os caminhos para que as empresas brasileiras aumentem dramaticamente a sua competitividade. Isso depende das competências tecnológicas que essas companhias detêm.
Neste momento, há ainda um fator externo que é o câmbio. Para a indústria, o dólar é favorável. Mas e para os demais setores? Ficamos mais competitivos em relação a venda, mas a importação de equipamentos fica mais cara. Seria que o valor de venda maior por causa do câmbio compensaria os maiores gastos com importação? Essa é uma pergunta que são difíceis de responder. Estamos no meio de um redemoinho.
Não conheço algum estudo que compare produtividade em termos de homem-hora por produção aqui no Brasil para comparar com outros países. Mas digo que nosso preço pode ser melhor. Agora se podemos alcançar esse melhor preço diminuindo tributos ou aumentando a produtividade, não sabemos. Isso precisa ser mais bem estudado.
Contudo, sem contrapor o acima exposto, é oportuno mencionar que os países que têm alta competitividade nos preços, como a China por exemplo, têm regras de conteúdo local ligadas ao financiamento de empreendimentos. Assim, no caso de ativos financiados por banco chineses, FPSOs por exemplo, há regras que requerem compromisso de conteúdo local chinês para que o financiamento seja aprovado. As políticas públicas brasileiras precisam também considerar e harmonizar instrumentos como conteúdo local e financiamento.
Qual a situação atual do setor de engenharia industrial, que é representado pela Abemi, e quais as perspectivas no cenário pós-pandemia?
Evidentemente que as empresas que a Abemi representa estão sofrendo como todas as demais. Isso já não é de hoje. Tivemos crise de 2014 e a crise de 2020 veio antes de as empresas recuperarem a atividade econômica. É muito grave a situação. Muitas empresas estão sofrendo e é difícil de enxergar uma luz no fim do túnel. Nós na Abemi estamos tomando várias iniciativas em relação ao setor.
Quais?
Mandamos correspondências para autoridades, como Ministério da Economia, Casa Civil e a própria Petrobras, sugerindo modificações em relações e regras. Muitas delas já foram atendidas. Por exemplo, o governo lançou uma lei para aliviar as condições de empresas que estão em recuperação judicial. Isso facilitou um pouco. Outros pedidos de postergação de pagamento de impostos foram atendidos. O governo tomou várias medidas diante dos pedidos feitos pela Abemi e demais associações. Mas ainda temos um longo caminho pela frente.
Essas medidas tomadas até agora têm um caráter de curto prazo. O que a Abemi pensa agora é na retomada econômica. Até criamos um comitê de trabalho sobre isso. Por exemplo, no que se refere à postergação de tributos, ao invés de aliviar a tributação por três meses, deveríamos aumentar esse prazo para alguns anos. O governo está pensando já em como aliviar a tributação das empresas, porque o efeito da crise será de longo prazo.
Mesmo que seja aprovada em agosto a reforma tributária que está tramitando no Congresso, seus efeitos práticos vão demorar a chegar às empresas. Então, o governo precisa paralelamente pensar em outras ações que tenham efeito mais imediato. É uma maneira de injetar dinheiro e reativar a economia. São vários os pontos que a Abemi está pensando, sempre em conjunto com outras associações, para acharmos convergências e apresentar boas sugestões ao governo. É um debate complexo.