Redução do AFRMM no BR do Mar não serve à cabotagem e impacta indústria naval, dizem especialistas

  • 18/06/2020

O programa do governo federal de incentivo à cabotagem, o BR do Mar, continua gerando discussões, apesar de já finalizado e prestes a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Para especialistas na área, uma das principais mudanças previstas pelo projeto, que pretende reduzir o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) na navegação de longo curso, não serve de incentivo ao setor, como deve ainda impactar negativamente a indústria naval brasileira. A redução no AFRMM no longo curro prevista pelo governo é de 25% para 10%. Atualmente o projeto se encontra na Casa Civil e deve chegar ao Congresso ainda este mês.

A taxa de AFRMM é destinada a compor o Fundo da Marinha Mercante (FMM), cujo objetivo principal é estimular a construção naval, bem como melhorar o sistema de transporte aquaviário. No entanto, de acordo com o consultor, Djalma Netto, ao longo dos anos a cabotagem praticamente não utilizou esse recurso. Ele afirmou que o fundo tem sido destinado, principalmente, para a construção de estaleiros, setor de apoio marítimo e navegação interior.

Embora ressalte que não conheça a fundo o projeto do governo federal, Netto acredita que a mudança sobre o adicional de frete não terá efeitos significativos sobre a cabotagem. Por outro lado, segundo ele, deve impactar negativamente o setor da indústria naval, tendo em vista que 95% dos recursos do FMM são provenientes do AFRMM do longo curso. “O impacto será grande, pois vai reduzir para metade os recursos”, frisou.

Segundo ele ainda, a proposta de redução beneficia o setor do agronegócio que, atualmente, paga um custo adicional na ordem de 25% da produção com o frete. Para ele, diante desse cenário, o que o governo deve fazer é sentar, analisar melhor o problema e fazer as contas sobre os impactos positivos e negativos que a proposta pode causar aos setores envolvidos.

Na avaliação do vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sergio Bacci, a proposta de redução do AFRMM surge para atender a demanda do agronegócio e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com o objetivo de reduzir, especialmente, o valor sobre a importação dos fertilizantes. “A verdade é que tão pegando carona na cabotagem para reduzir o Fundo da Marinha Mercante”, criticou.

De acordo com ele, o governo tem afirmado que existe muito recurso no FMM e que essa redução sobre o adicional da navegação de longo curso não vai interferir de forma significativa no montante atual. No entanto, segundo ele, haverá um forte impacto com a redução, principalmente, no setor da indústria naval já fragilizada no país.

Bacci afirmou que a proposta do governo também caminha na contramão das possibilidades de retomada no contexto de pós-pandemia do novo coronavírus. Segundo ele, o investimento na indústria, não apenas na indústria naval, poderia reduzir o impacto do desemprego que será gerado pela crise atual.

Para ele, o investimento na indústria seria ainda mais importante nesse momento do que no comércio, por exemplo, tendo em vista que depois da pandemia as pessoas estarão com menos poder de compra, o que vai reduzir inevitavelmente a demanda do comércio. “Se o projeto (da BR do Mar) já era um absurdo antes da pandemia, no pós-pandemia vai ser um absurdo em dobro”, disse.

O diretor da Erres Shipping Services, Luiz Labruna, lembrou que normalmente os projetos que buscam flexibilizar as normas a respeito da navegação de cabotagem brasileira, são, em essência, promotores de polêmicas tanto ela abrangência, como pela forma que alguns pontos são abordados. Entretanto, ele também entende que a redução da alíquota sobre a remuneração do transporte aquaviário de longo curso, não sirva como medida de incentivo à navegação de cabotagem.

Sobre o Projeto de Lei apresentado pela senadora Kátia Abreu, também sobre a cabotagem, e que prevê, entre outras medidas, a extinção gradativa do AFRMM, ele afirmou não acreditar que tal extinção seja uma solução nem que contribua, de forma significativa, em efetiva redução do frete aquaviário. “Os problemas a serem enfrentados, de fato, dizem respeito às questões de garantias perante os agentes financeiros do FMM”, frisou.

Fonte: Portos e Navios –  Dérika Virgulino
18/06/2020|Seção: Notícias da Semana|Tags: |