Sobena elaborou nota técnica sobre métodos adequados e sustentáveis para a atividade de desmonte no Brasil.
O grande porte dos estaleiros brasileiros tem chamado a atenção para um mercado ainda pouco explorado no país: o de desmonte ou desmantelamento de navios e estruturas flutuantes. Porém, segundo o engenheiro da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena) Ronald Carreteiro, o país ainda necessita de uma regulamentação que estabeleça critérios de segurança e sustentabilidade para que esta atividade seja efetivada. Desse modo, embora os estaleiros no Brasil tenham potencial para este mercado, precisarão fazer adaptações. A afirmação foi feita durante a 4º Semana de descomissionamento de plataformas e desmantelamento de navios, realizado pela Sobena, nesta terça-feira (04).
Carreteiro afirmou que o mercado mundial apresenta inúmeras oportunidades nesse segmento para o Brasil, que possui estaleiros com capacidade maior que os da Europa. Ele explicou que desde 2018, a Europa aprovou o Regulamento de Reciclagem de Navios (SRR), estabelecendo que embarcações de bandeira européia devam ser desmontadas em estaleiros credenciados. Atualmente são 42 estaleiros com essa certificação. No entanto, segundo ele, muitos deles não possuem capacidade para atender as necessidades mundiais, nem absorver navios modernos de grande porte. Esta é uma das razões pelas quais muitos ainda são desmontados à beira das praias.
“São 3,9 milhões de toneladas de peso leve por ano que são processados no Brasil. Enquanto que os estaleiros europeus não têm capacidade para mais de dois milhões de toneladas. Então nós temos uma oportunidade, ou seja. quase o dobro de capacidade dos estaleiros da Europa para entrarmos nesse mercado de maneira séria”, disse Carreteiro. No entanto, ele destacou que o as autoridades brasileiras precisam entender que esse é um processo que necessita não apenas de uma regulamentação, mas também, por exemplo, de estudos sobre impactos tributários adequados. Isso porque, segundo ele, uma sucata “já pagou” todos os impostos e não precisaria ser novamente tributada.
Com o objetivo de incentivar os estaleiros de grande porte no Brasil a entrarem neste mercado, o corpo técnico da Sobena, com o apoio da Marinha do Brasil e de organizações como a NGO ShipBreaking Plataform, elaborou uma norma técnica sobre requisitos de adaptação dos estaleiros para a reciclagem. De acordo com ele, o documento chamado de Nota Técnica de Reciclagem de Navios já foi apresentado às autoridades em uma primeira reunião. E até próxima sexta-feira deve acontecer um segundo encontro. A expectativa é que a regulamentação já esteja em vigor em 2021.
A nota seguiu aspectos da norma técnica européia e aborda questões como: a necessidade de que os navios tenham a bordo o Inventário de Materiais Perigosos (IHM), que atualmente já é obrigatória a elaboração durante a construção do navio. Além de sugestões sobre autorizações; o que deve ser considerado para os Planos de Reciclagem; como o estaleiro pode se candidatar; as responsabilidades do armador; diretrizes para gestão dos resíduos, entre outros. Sobre este último ponto, a Sobena obedeceu às recomendações da Convenção de Hong Kong sobre desmonte de embarcações. Outro aspecto destacado por ele, é que a nota também conceitua o tipo de estrutura que pode realizar esta atividade, indicando que não são apenas os estaleiros, mas também os portos, desde que atendam também a todos os requisitos.
A falta de critérios ao redor do mundo sobre esta atividade tem lavado a persistência de uma prática medieval de desmonte de embarcações, o chamado Beach Method. Este método, ainda é muito utilizado na região da Ásia, realiza este serviço à beira da praia. Segundo Carreteiro, porém, ele já encontra forte resistência e está em descontinuidade paulatina. Outros métodos também vêm sendo empregados, mas a tendência é que cada vez mais o desmonte ocorra em Dick seco.
De acordo com a representante da NGO ShipBreaking Plataform, Sara Costa, também presente ao debate, mais de 70% dos navios em nível global são reciclados em condições precárias, como, por exemplo, nas praias de Bangladesh, na Índia. Ela frisou que este procedimento causa danos irreversíveis aos ecossistemas, bem como aos trabalhadores que ariscam a vida diariamente nesses estaleiros, muitas vezes em situação análoga à escravidão.
Também representando a NGO, Nicola Mulinaris, afirmou que nos últimos dez anos, mais de 50 navios no país foram vendidos para estaleiros de desmantelamento de no sul da Ásia. Ele ressaltou que as empresas ainda continuam a enviar navios para lugares que desmontam “de forma perigosa e suja”, apesar de todas as regras e conhecimentos dos dias atuais.