Principal crítica é quanto à falta de estímulo à construção de navios no Brasil. Governo afirma que programa permitirá mais empresas habilitadas à prestação do serviço de cabotagem no país, aumentando competição e reduzindo as barreiras de entrada.
A expectativa em torno da tramitação do projeto de lei do BR do Mar (4199/2020) aqueceu o debate no setor quanto às propostas apresentadas para o desenvolvimento da cabotagem nacional. Para algumas entidades e especialistas, o texto, da forma como está, não atende aos interesses da indústria nacional. As principais críticas vão no sentido de que as novas regras de afretamento propostas favorecem a construção de navios no exterior, sem nenhum estímulo local. O PL, enviado ao Congresso há duas semanas, vai tramitar em regime de urgência.
O consultor da Porto Assessoria e Participações, Nelson Carlini, avalia que, ao tentar liberar o afretamento de embarcações estrangeiras para a cabotagem, o BR do Mar desincentiva a construção no Brasil. Ele acrescentou que o projeto não reduz custos de operação das embarcações de cabotagem e torna inócuas as contrapartidas estabelecidas na Lei 9.432/97, que direcionava as empresas brasileiras de navegação (EBNs) a investimentos locais. Carlini disse que, com a abertura indiscriminada, o interesse do investidor nacional vai desaparecer porque qualquer armador poderá trazer navios de fora. “O que mais me deixa atônito é que somos o primeiro país deste porte no mundo abrindo sua navegação interna, sem nenhuma contrapartida de ninguém, a título de melhorar a competitividade e explorar nichos que não foram explorados. Nenhum país fez isso”, comentou.
Segundo o consultor, o texto deixa ineficazes as regulamentações de tonelagem própria ao permitir o afretamento sem contrapartida de tonelagem própria. Ele entende que qualquer investidor poderá afretar uma embarcação sem contrapartida e que investidores poderão criar inúmeras empresas, contornando as obrigações. Carlini acrescentou que o PL não reduz nem os componentes do preço do bunker, nem os custos de tripulação dos navios próprios ou afretados. Ele disse que o texto não resolve o problema da taxação excessiva do combustível pesado utilizado em navios, que perde competitividade diante do preço subsidiado do óleo diesel para o transporte terrestre.
Carlini também considera que a imposição da legislação de bandeira de conveniência (aberta) na contratação da mão de obra aciona uma ‘bomba relógio’ para futuros conflitos trabalhistas. O PL prevê dois terços de tripulantes nacionais, inclusive em navios afretados a prazo. Ele defende que, em navios nacionais, bastaria adotar a dotação internacional aceita e reduzir o número de embarcados ao nível tecnicamente necessário. De acordo com o consultor, os acordos trabalhistas deveriam refletir em termos de férias e vantagens as condições internacionalmente praticadas.
A Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transportes e da Logística (Logística Brasil) alega riscos de evasão fiscal e de perda de empregos nos estaleiros a partir do programa do governo. O Ministério da Infraestrutura, porém, diz que esse controle é feito pela Receita Federal, que participou ativamente da elaboração do projeto, e que todos os riscos foram analisados pelo Ministério da Economia durante a elaboração do BR do Mar. “A equipe do governo está preparada para acompanhar a implementação e execução de todo o programa, que tem como uma das diretrizes a transparência e integridade. Caso seja identificada eventual transgressão às leis e regras postas, as medidas cabíveis serão tomadas”, disse o secretário nacional de portos e transportes aquaviários, Diogo Piloni, em uma rede social.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) voltou a afirmar que o projeto não mexe no que realmente encarece a cabotagem: praticagem, burocracia, bunker e segregação de contêineres (THC-2/SSE). O sindicato diz que o Minfra descumpriu promessa dada aos estaleiros nacionais de deixar navios petroleiros e gaseiros fora do programa. O vice-presidente executivo do Sinaval, Sérgio Bacci, alega que esse projeto está na contramão, sobretudo num momento em que é preciso gerar emprego no Brasil.
“Essa iniciativa vai gerar emprego na China e o pior: vai construir navio novos para as empresas usarem em suas matrizes e mandar caco velho para o Brasil”, criticou Bacci. A entidade também questiona a necessidade de aumento do número de cadeiras na diretoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e revogação do artigo 58 da Lei 10.233 que prevê a quarentena para cargos na diretoria da autarquia.
O representante do Minfra disse que o PL abrange uma parte considerável dos desafios brasileiros na cabotagem e que questões tais como bunker e burocracia estão sendo endereçadas em outras iniciativas. Piloni ponderou que a questão do ICMS sobre bunker terá protagonismo estadual, com o suporte necessário do governo federal. “Quanto ao acordo sobre petroleiros e gaseiros, nada melhor do que facultar ao Congresso, e seus representantes do povo, arbitrarem a questão”, respondeu o secretário.
Na avaliação de Carlini, a proposta inviabiliza a construção naval brasileira, que poderia empregar dezenas de vezes mais que os marítimos. Ele ressaltou que, independente dos problemas de corrupção no segmento nos últimos anos, os estaleiros nacionais tiveram grande contribuição nas décadas de 1970 e 1980, chegando a exportar. O consultor sugere a extinção da exigência de compra de equipamentos similares nacionais e a que seja dada preferência no afretamento de navios construídos no Brasil quando de contratos de longo prazo, em mesmas condições aos estrangeiros, a fim de alavancar a Indústria e o emprego.
Carlini disse ainda que o BR do Mar não incentiva suficientemente o que chama das empresas brasileiras de investimento em navegação (EBINs). Ele sugeriu que estas deveriam ser equiparadas a fundos de investimento em infraestrutura que são isentos. Dessa forma, ele acredita que haveria encomendas de navios no Brasil, a serem operados pelas EBNs, se houvesse a preferência ao afretamento para atendimento de contratos de longo prazo, em condições parelhas ao afretados do exterior. Ele acrescentou que o PL transfere ao Ministério da Infraestrutura decisões cruciais de liberações, critérios de afretamento e autorizações para afretamento para atendimento de contratos de longo prazo. Para o consultor, isso torna o ambiente da navegação instável, visto que decisões executivas importantes setoriais podem receber uma concessão especial e ser retirada do mercado.
O governo entende que o BR do Mar permitirá a ampliação do número empresas habilitadas à prestação do serviço de cabotagem no país, aumentando a competição e reduzindo as barreiras de entrada. “Temos recebido manifestações de diversos potenciais novos entrantes, que estão muito animados com as perspectivas”, afirmou Piloni. O secretário manifestou ainda que foram inseridas no programa medidas importantes de fomento à indústria naval, entre as quais a possibilidade de empresas estrangeiras acessarem o Fundo da Marinha Mercante (FMM), o estímulo à docagem e manutenção no Brasil, atualmente feita de forma majoritária no exterior, visando o aproveitamento do parque de estaleiros do Brasil.