Petroleiras que atuam nas Bacias de Santos e Campos, no litorial do Rio de Janeiro, poderão ter que pagar uma multa na forma de uma contrapartida tributária ao governo do estado se não cumprirem o percentual mínimo de compras de materiais e equipamentos no país (o chamado conteúdo local) previsto em seus contratos. O objetivo é desestimular importações e favorecer a indústria fluminense de equipamentos.
Essa punição está prevista no Projeto de Lei nº 3.265/20 que foi aprovado na terça-feira pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O texto segue agora para a sanção ou veto do governador.
A multa prevista no projeto é a cobrança de uma alíquota de 15% de ICMS sobre a diferença do conteúdo local que não foi executado, previsto nos contratos de concessão.
Se a lei for sancionada e entrar em vigor, deverá ser questionada na Justiça quanto à sua constitucionalidade, segundo avaliações de empresários do setor e advogados. Isso porque o projeto interfere em um assunto que é uma atribuição da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Outro fato considerado grave pelo setor é que, de acordo com o PL, a punição prevista representa um aumento da cobrança do ICMS sobre produtos importados. No Repetro – o regime tributário especial para o setor de petróleo aprovado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – é prevista uma alíquota de 3%. Ela chegaria a 18% com a penalidade.
O deputado Luiz Paulo (sem partido), um dos autores do projeto, garantiu que a nova lei não representa uma bitributação de ICMS. Segundo ele, o PL institui uma “indenização pecuniária”, ou seja, em dinheiro, no caso de as petroleiras não cumprirem os índices de conteúdo local previstos nos contratos de concessão. O ICMS foi usado apenas, segundo o deputado, como parâmetro para a metodologia de cálculo, para não se fixar um valor aleatório.
— Não se trata de cobrança de tributo, é uma indenização pelo não cumprimento de conteúdo local. Nós queremos zero de indenização, queremos que eles cumpram o conteúdo local — destacou o deputado, que assinou o projeto com Lucinha (PSDB) e André Ceciliano (PT), presidente da Alerj.
O deputado também garantiu que o projeto não prevê a ingerência do estado nas atribuições da ANP, pois é ela quem atesta se a empresa cumpriu ou não os índices de compra no país de equipamentos.
Competência da ANP
Para o advogado João Agripino Maia, sócio do escritório Schmidt Valois, o conteúdo local é uma questão regulatória que diz questão ao cumprimento do contrato de concessão e deve ser tratada e fiscalizada pela ANP.
João Maia destacou ainda que um imposto não pode ser cobrado como uma multa, e isso é que prevê o projeto de lei.
— A constitucionalidade da lei pode ser questionada porque interfere na competência da ANP, e além disso o ICMS é um imposto, e por isso não pode ser exigido como penalidade. E o que essa lei está fazendo é criar uma penalidade para as empresas que não conseguirem cumprir o conteúdo local aumentando em 15% o ICMS — destacou Maia.
O advogado destacou ainda que o Confaz não concede aos estados o poder de alterar o percentual do ICMS previsto no Repetro.
— Se cada estado decidir à sua maneira, como o Rio fez, estaremos diante de um fato muito complicado. E tudo o que se ganhou com o Repetro começa a se perder — disse.
IBP: ‘Insegurança jurídica’
O Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que representa as petroleiras que atuam no país, afirmou que o Projeto de Lei aprovado pela Alerj é inconstitucional e “invade” a competência federal sobre normatização e fiscalização de cumprimento de obrigações de conteúdo local, que são atribuições exclusivas da ANP.
“A iniciativa do legislativo fluminense gera instabilidade justamente em um momento em que o estado necessita de novos investimentos e de um ambiente de negócios atrativo. Esse cenário de incerteza reduz a competitividade e atratividade do Rio de Janeiro, bem como coloca em risco tanto projetos futuros como os em andamento, com potencial de comprometer a arrecadação do estado”, ressaltou o IBP, em nota.
O IBP afirmou que viu com “profunda preocupação” a aprovação do projeto, que traz “insegurança jurídica ao estabelecer uma dupla penalização, com grande potencial de afastar investimentos do setor no estado.”
Em sua nota, o IBP destacou ainda a importância da indústria do petróleo no Estado do Rio, afirmando que, no ano passado, 27% da arrecadação do estado foram provenientes da atividade do setor de óleo e gás, sendo R$ 8,9 bilhões em Participações Especiais (PE) do estado e R$ 4,5 bilhões em royalties do estado.
Um executivo de uma empresa de petróleo que prefere não se identificar afirmou que, se a lei for sancionada pelo governo do estadual, certamente as empresas vão questionar sua constitucionalidade na Justiça. Para esse executivo, trata-se de bitributação:
— Isso é insegurança jurídica na veia, e inconstitucional.
Oddone critica
Especialistas do setor destacaram que as regras do conteúdo local estão previstas nos contratos de concessão das petroleiras que são geridos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em nome da União. Segundo eles, além disso, o conteúdo local é nacional, não estadual.
O ex-diretor-geral da ANP Décio Oddone, atual presidente da petroleira Enauta, destacou que, no momento em que o setor de petróleo vive um momento difícil com forte queda de preços internacionais devido à pandemia, medidas que possam trazer insegurança jurídica podem afugentar os investidores.
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— O setor petrolífero está vivendo um momento complicado em função da pandemia e da transição energética, e por isso, para atrair investimentos, quanto mais estável e previsível for o marco legal, melhor. Muita discussão e alteração de regras fiscais não são positivas para a atração de capital — afirmou Oddone.