Projetos de eólicas offshore, construção de módulos de FPSOs e embarcações militares são algumas das oportunidades enxergadas por fornecedores de navipeças, segundo presidente da câmara setorial de equipamentos navais da Abimaq.
A indústria brasileira de navipeças almeja um horizonte melhor nos próximos anos, após mais de seis anos tendo que se adaptar à escassez de projetos, principalmente do setor de petróleo e gás. Além da falta de encomendas nos estaleiros nacionais, os fornecedores de equipamentos sofreram os efeitos da flexibilização da política de conteúdo local. As empresas integrantes da câmara setorial de equipamentos navais, offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSENO/Abimaq) veem como potenciais demandas para os próximos anos projetos de eólicas offshore, refinarias modulares, construção de módulos de FPSOs, projetos de embarcações militares, como as fragatas e o navio de apoio Antártico (NApAnt).
Na chamada ‘logística reversa’, esse grupo com cerca de 80 empresas associadas está atento a projetos de extensão de vida útil e de desmantelamento de plataformas. “Entendemos que estes serão os segmentos mais demandantes nos próximos anos”, apontou o presidente da CSENO/Abimaq, Bruno Galhardo, em entrevista à Portos e Navios. Ele observa que o mercado de construção se concentrou em atividades de construção de módulos, integração e comissionamento, já que a maioria dos projetos teve sua efetiva construção na China. No entanto, ele lamenta que até mesmo a fase de integração hoje venha sendo executada por estaleiros estrangeiros.
O alento é que praticamente um terço de todos os FPSOs operando no mundo está no Brasil. Para Galhardo, esse dado mostra a força e a relevância do país neste mercado. “A perspectiva é que os investimentos sejam retardados, mas não cancelados, o que significa que o crescimento da atividade exploratória continuará nos próximos anos, haja visto a expectativa de mais de 50 FPSOs nos próximos 10 a 15 anos que operarão no Brasil”, analisou. Um novo mercado que se abre, segundo Galhardo, é de projetos de eólicas offshore, que poderá demandar a conversão de embarcações para suporte a esta atividade.
A câmara setorial também identifica consultas de estaleiros que estão construindo módulos no Brasil para envio à Ásia para integração junto aos FPSOs, além de consultas para o projetos de construção das fragatas classe Tamandaré e alguns projetos de construção de barcos de apoio, como rebocadores. No entanto, a maior parte das consultas diz respeito ao fornecimento de peças e serviços às unidades existentes e que necessitam de manutenção. “Estas vendas são as que “sustentam” as empresas nos últimos anos”, resumiu Galhardo.
Confira a entrevista do presidente da CSENO/Abimaq à Portos e Navios:
Portos e Navios: A indústria naval brasileira tem histórico de altos e baixos e já vive há, pelo menos, seis anos de escassez e esvaziamento das carteiras de projetos. Diante de um horizonte ainda com muitas incertezas, quais são as perspectivas que a indústria de navipeças consegue enxergar em termos de encomendas, reparos e demais serviços?
Bruno Galhardo: O mercado de construção naval no Brasil, que já vinha cambaleando devido à falta de leilões de anos anteriores, mas via sinais de recuperação nos últimos anos com a vinda de grandes IOCs (international oil companies) e crescente investimento da Petrobras em exploração, foi fortemente atingido pela pandemia de Covid-19 e a redução no preço do barril do petróleo. De alguns anos para cá, o mercado de construção concentrou-se em atividades de construção de módulos, integração e comissionamento, já que a maioria dos projetos teve sua efetiva construção na China, contudo, até mesmo a fase de integração vem sendo executada por estaleiros estrangeiros.
Praticamente um terço de todos os FPSOs operando no mundo estão no Brasil (aproximadamente 50 unidades). Isso mostra a força e a relevância do Brasil neste mercado e a perspectiva é que os investimentos sejam retardados mas não cancelados, o que significa que o crescimento da atividade exploratória continuará nos próximos anos, haja visto a expectativa de mais de 50 FPSOs nos próximos 10 a 15 anos que operarão no Brasil.
Na CSENO, hoje vemos a revitalização de campos maduros e investimentos na aquisição e operação de plataformas antigas, uma grande oportunidade, pois, as operadoras que atuam neste segmento, precisarão investir em manutenção para garantir a integridade dos ativos. Nosso maior objetivo este ano é uma aproximação ainda maior com estes grandes players.
Estamos atentos também às questões relacionadas ao descomissionamento, pois parte dos associados se beneficiará com a demanda de serviços que esta atividade demandará. Outro tema que discutimos também diz respeito a projetos de eólica offshore e conversão de embarcações para suporte a esta atividade, temos contato com os grandes fomentadores deste segmento no Brasil e a perspectiva é excelente para os próximos anos.
PN: As empresas estão recebendo que tipo de consultas? Quais são os segmentos que dão sinais que podem voltar a demandar projetos?
BG: Com relação à projetos novos, consultas são feitas pelos estaleiros que estão construindo módulos no Brasil para envio à Ásia para integração junto aos FPSOs, além de consultas para o projetos de construção das fragatas classe Tamandaré e alguns projetos de construção de barcos de apoio, como rebocadores, entre outros. Contudo, a maior parte das consultas diz respeito ao fornecimento de peças e serviços às unidades existentes e que necessitam de manutenção, de fato. Estas vendas são as que “sustentam” as empresas nos últimos anos.
Estamos atentos ao segmento de life extension (extensão de vida útil), desmantelamento de plataformas, projetos de eólicas offshore, refinarias modulares, construção de módulos de FPSOs, projetos navais como as fragatas e o navio polar. Entendemos que estes serão os segmentos mais demandantes nos próximos anos.
PN: Há temor em relação às propostas de mudanças no marco regulatório da navegação e nas linhas de financiamento a projetos do setor?
BG: Um comitê da CSENO/Abimaq se reuniu para estudar o PL 4.199/2020 (BR do Mar) e, deste estudo, emitimos propostas de emendas ao texto base, sugerindo modificação que entendemos serem lesivas à indústria nacional. Inicialmente, nos preocupamos com a fala do governo de que este é um projeto que estimula a cabotagem unicamente, sem levar em contrapartida os impactos na indústria de construção naval no país. Entendemos que todo projeto deve ser analisado sob todos os prismas e a discussão precisa ser bem mais ampla.
Um dos nossos pleitos foi a inclusão no texto de um dispositivo que facilitaria o acesso ao FMM (Fundo da Marinha Mercante) para fabricantes de módulos, conjuntos, subconjuntos e equipamentos, além do próprio estaleiro. Defendemos o fomento à cabotagem, sabemos da importância dela para o Brasil. Mas entendemos que a construção naval em si corresponde a aproximadamente 5% do custo total. Muitos outros custos, como bunker e custos portuários, devem ser debatidos antes de se imaginar que a construção das embarcações no país é o grande vilão desta história.
PN: Em relação ao descomissionamento, há garantias de que haverá plataformas para serem desmanteladas em estaleiros nacionais?
BG: Além da CSENO, atuo na Sobena (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval), onde este tema vem sendo muito discutido em seu comitê técnico e anualmente realizamos seminários sobre o tema, onde tentamos reunir a indústria, Marinha, classificadoras, operadores, para que a discussão seja a mais plural possível.
Não existem garantias de que estas plataformas serão desmanteladas no Brasil, pois esse processo exige que se obedeça critérios internacionais e atualmente não existe estaleiro nacional certificados para tal. Sem falar que ainda se discute temas como destinação de sucatas e como resolver o impacto ambiental do coral sol.
De acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o descomissionamento é responsabilidade exclusiva dos operadores, que são livres para contratar as empresas que executarão tais serviços, desde que os compromissos assumidos no programa de descomissionamento sejam de fato realizados de acordo com as normas pertinentes. Desta forma, o operador pode enviar a plataforma para ser desmantelada fora do país, o que, com certeza, seria péssimo para os estaleiros nacionais.
Existe um potencial de aproximadamente 74 plataformas para serem desmanteladas, sendo que em torno de 20 já iniciarão [o processo], em 2021, e espera-se que este tema receba uma atenção especial este ano.
PN: E os projetos de meios navais da Marinha, estão com perspectivas melhores de demandas em relação ao setor de petróleo e gás?
BG: Visando o aumento da participação da indústria nacional nos projetos navais, a CSENO vem desempenhando seu papel de aproximação com as empresas atuantes neste segmento com forte atuação na marinha e na SPE Águas Azuis, onde buscamos auxiliar a SPE (sociedade de propósito específico) na pesquisa por fornecedores locais capacitados à atendimento de algumas demandas do projeto com o intuito de abrir espaço para empresas brasileiras. Nossa interação com a Marinha vem sendo bem positiva e regularmente nos reunimos com o almirantado para expressar os anseios da indústria nacional.
Entendemos que o ano de 2021 será importante para as definições técnicas do projeto das fragatas e o corte da primeira chapa será em 2022, onde as compras começarão a se concretizar. Com relação ao navio polar (NApAnt), estamos buscando contato com os quatro consórcios finalistas e, tão logo a Marinha decida o vencedor (julho de 2021), faremos o contato visando replicar a interação que temos hoje com a SPE Águas Azuis.
PN: O que a CSENO/Abimaq tem sugerido em termos de melhorias nas políticas setoriais?
BG: A CSENO atua de forma conjunta com o conselho de óleo e Gás da Abimaq com o intuito de defender não só os interesses de seus associados, mas como de toda a indústria nacional. Todos os temas sensíveis à indústria, como BR do Mar, conteúdo local e o TAC (termo de ajustamento de conduta), Repetro, entre outros, são discutidos e aprofundados nas reuniões dos comitês internos.
Geralmente, sugestões de mudanças aos textos base, visando a defesa dos interesses nacionais, são encaminhadas pela presidência da instituição aos diversos órgãos do governo federal, estadual e/ou municipal. A Abimaq tem forte atuação junto ao Congresso devido à frente parlamentar de máquinas e equipamentos ser bem representativa.
PN: Como a CSENO enxerga atualmente a questão do conteúdo local?
BG: Na minha opinião, a flexibilização de conteúdo local traz prejuízos à indústria nacional, pois deixa latente que o Brasil não é competitivo, por diversos aspectos. Defendo fortemente que uma política de conteúdo local deva ser implementada com início e fim pré-determinados. E que, nesse período, outras ações sejam tomadas para que, após findada esta fase, a indústria não precise mais de conteúdo local para se fazer presente e competitiva nacional e internacionalmente.
Resumindo, se faz necessário uma política industrial séria para o país. A reforma tributária seria o maior dos desafios a ser vencido para o fortalecimento da indústria nacional. Pois, com certeza, temos empresas preparadas para desenvolver qualquer projeto no Brasil, como empresas de engenharia, Epcistas, estaleiros, entre outros. Precisamos previsibilidade em termos de carteira de projetos, para que não percamos mão de obra especializada para outros segmentos.