A indústria naval brasileira se recupera até hoje de um duro baque que começou em 2014, quando houve uma curva descendente do número de encomendas e se instaurou um período de escassez de projetos, demissões e grandes estaleiros entrando em recuperação judicial. A maior parte dos projetos de plataformas de petróleo e gás passou a ser encomendada a estaleiros asiáticos, o que levou a cadeia de fornecimento local a se reinventar e buscar novas formas de sobrevivência. Com propostas de mudanças no marco regulatório da navegação e nos mecanismos de financiamento em discussão, a indústria naval tenta dialogar para garantir conteúdo local relevante e melhores condições de financiamento.
Há mais de dois anos em discussão pelo governo e, desde 2020, no Congresso, o projeto de lei da cabotagem (PL 4.199/2020), chamado de BR do Mar, promete contribuir para a indústria naval brasileira. As propostas, no entanto, tiram o sono de estaleiros e fornecedores de navipeças, que temem que a modificação do marco regulatório da navegação e da construção naval seja prejudicial devido às isenções de impostos federais previstas na importação de navios de cabotagem, o que retiraria esse mercado dos estaleiros locais.
A avaliação é que os armadores veem na importação dos navios com isenção de impostos uma alternativa melhor do que a aquisição das unidades no mercado nacional. Os construtores também estão atentos à sinalização do governo de implantar um programa semelhante para navegação fluvial, o que poderia desequilibrar um dos poucos mercados em que o Brasil consegue fornecer com sucesso: o de construção de barcaças, balsas, rebocadores fluviais e empurradores fluviais para atendimento ao escoamento da produção do agronegócio.
Outra preocupação latente é com a falta de recursos para o financiamento das obras navais com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM). Há projetos de lei em tramitação no Congresso que preveem a redução, ou até extinção, das alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que provê os recursos para construção de embarcações de navegação interior. A própria existência do FMM está ameaçada por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em tramitação.
No final de abril, o governo retirou a urgência constitucional do PL da cabotagem, que estava trancando a pauta no Senado. Em junho, foi aprovado o requerimento para realização de uma sessão de debates temáticos na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para debater esse PL. Na solicitação, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator do projeto, sugeriu convidar representantes do governo, da Marinha do Brasil, de órgãos de controle, de empresas de navegação, usuários do transporte de carga, estaleiros, operadores portuários, entre outras entidades setoriais. O parlamentar justifica que, por se tratar de um tema complexo, é necessário aprofundar o estudo a respeito do projeto. Até o fechamento desta edição, a sessão ainda não tinha uma data definida.
Também em abril, a mesa diretora do Senado acolheu uma carta de representantes de estaleiros solicitando a alteração ou retirada de dispositivos do projeto de lei 4.199/20 considerados prejudiciais à indústria naval brasileira. A principal reivindicação é que as regras de afretamento do PL da cabotagem não contemplem embarcações estrangeiras destinadas ao transporte de petróleo e derivados e ao transporte de gases nesse modal.
O ofício, endereçado ao presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi encaminhado pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Na carta, a entidade reiterou o apoio à emenda 64, de autoria do deputado Helder Salomão (PT-ES), que propõe que as regras de afretamento do programa não sejam abertas a petroleiros e gaseiros de bandeiras estrangeiras. A proposta foi apresentada durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados, mas não foi incluída no texto aprovado em dezembro de 2020.
A proposição destaca que a construção desses tipos de embarcações no Brasil foi bem-sucedida nos anos 2000 e que um dos principais objetivos do BR do Mar é o equilíbrio da matriz logística brasileira por meio da ampliação, do barateamento e da melhora na qualidade do transporte de cabotagem. O parlamentar questionou que, para aumentar a participação do modal aquaviário no transporte interno de cargas e diminuir a dependência nacional do transporte rodoviário, o PL propõe a concessão de benefícios ao afretamento de embarcações estrangeiras, como a concessão de bandeira brasileira e a suspensão total de tributos federais na entrada dessas embarcações no território nacional.
“Estas medidas notadamente impactarão negativamente e significativamente a indústria naval. Frente a isto, pergunta-se: por que incluir no programa BR do Mar embarcações destinadas a carregar produtos que já são usual e maciçamente transportados através da navegação de cabotagem?”, indaga Salomão em sua proposição. Na justificativa, o autor acrescenta que a participação expressiva da cabotagem com a utilização de petroleiros e gaseiros gerou milhares de empregos em estaleiros nacionais, renda e desenvolvimento para diversas regiões do país.
Em relação às plataformas de petróleo, representantes da indústria naval brasileira acreditam que a baixa competitividade nas demandas por FPSOs (unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência) vai além do custo Brasil e passa por políticas que estimulem o conteúdo local. O diretor-executivo de petróleo e gás da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Alberto Machado, entende que as operadoras compram itens no exterior, mesmo onde o custo Brasil é competitivo. Para Machado, muitas vezes, as compras são feitas fora do país pela comodidade e facilidade de acesso a crédito e a recursos de bancos de fomento que exigem conteúdo local na origem.
“Se exige lá e não exige aqui, compram lá. É mais cômodo comprar o pacote nos vários empreendimentos que estão acontecendo no mundo. Tem o custo Brasil, mas tem o problema da ‘não oportunidade’. Temos que colocar a indústria brasileira de cara para o gol. Enquanto não houver oportunidades, esse será um problema sério para nós”, alertou Machado durante evento promovido, em junho, pela Abimaq.
O presidente do conselho de óleo e gás da Abimaq, Idarilho Nascimento, acredita que o mercado de FPSOs continuará sendo de grande representatividade no Brasil, em função das características de desenvolvimento do pré-sal e das atividades offshore, assim como na região da Guiana e do Golfo do México. Ele observa que a região da Guiana se desenvolve muito com foco das grandes operadoras (majors) em embarcações de grande porte. “Nos últimos anos, todo esse mercado [construção de FPSOs] foi basicamente colocado na Ásia. No início, tentaram fazer integração no Brasil com cascos reformados lá fora e alguma coisa somente de integração no Brasil”, analisa Nascimento.
Representantes da construção naval percebem movimentos que podem resultar em algum conteúdo local, mas aquém do que a indústria naval brasileira espera. Recentemente, estaleiros e fornecedores locais acompanharam as concorrências das plataformas P-78 e P-79. A celebração de termos de ajustamento de conteúdo local (TACs) de contratos passados também pode gerar algumas demandas para a indústria nacional. “Temos visto que existe uma preferência e que operadores só fazem no Brasil aquilo que efetivamente precisa ser feito no país, o que é lamentável porque teríamos condição de fazer parte maior de conteúdo local, desde que houvesse uma política que neutralizasse assimetrias competitivas”, diz a presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), Nicole Terpins.
Para ela, a estratégia das operadoras é de conteúdo local reduzido para FPSOs, mantendo no Brasil apenas a demanda necessária para cumprir com os percentuais mínimos exigidos. Nicole lamenta que, apesar do potencial, a capacidade utilizada seja inferior ao que essa indústria projetava para os próximos anos. “Vemos aumento na perspectiva de novas encomendas para FPSOs. Ela existe, mas não no volume que poderia ser e que gostaríamos que fosse a ponto de alimentar todo o mercado”, avalia.
Nicole relata que, nas concorrências à construção de um casco de FPSO, a tendência é o estaleiro asiático “bidar” com base no valor do aço naquele continente. Outra vantagem é a possibilidade de importação da embarcação pelo Repetro (regime aduaneiro especial), sem nenhum tipo de imposto. Ela vê os estaleiros brasileiros sem poder comprar aço asiático devido às políticas antidumping e ao custo Brasil. Ela explica que existe demanda para reparo, todavia com dinâmica diferente de navios de cabotagem. A expectativa é que esse tipo de serviços se materialize ao longo do tempo.
A demanda potencial para construção de plataformas e navios destinados ao setor brasileiro de petróleo e gás até 2027 reúne uma carteira com aproximadamente 39 plataformas de produção, 60 navios aliviadores e 117 embarcações de apoio marítimo, que totalizam 216 projetos com investimentos da ordem de US$ 81,6 bilhões. A projeção é do Sinaval. A avaliação do sindicato, no entanto, é que os estaleiros nacionais e a indústria fornecedora brasileira praticamente não participarão dessas obras, que devem se concentrar principalmente em estaleiros asiáticos, devido às atuais regras de conteúdo local.
“Esse é o resultado prático e incontestável dessa política. O conteúdo local precisa, mas ainda não é um vetor de desenvolvimento nacional, não apenas por conta das leis”, disse a assessora jurídica do Sinaval, Daniela Santos, em maio, durante o workshop sobre conteúdo local promovido pela ANP. Ela destaca que o trabalho desenvolvido pelas empresas, entre 2003 e 2014, permitiu ganhos de produtividade em toda a indústria brasileira de petróleo e gás.
A assessora cita que, em alguns projetos de construção de FPSOs, além da conversão dos cascos, os módulos foram produzidos em quase sua totalidade no Brasil durante esse período. Atualmente, porém, o cenário é de grande redução da produção de módulos e a integração local deixou de ser feita no Brasil. “Eles são completados no exterior e, muitas vezes, precisam passar por uma complementação ou por uma correção dentro do Brasil pelas empresas brasileiras”, afirma Daniela.
O Sinaval acredita que os pilares da indústria naval são: demanda perene, recursos financeiros, desenvolvimento da cadeia produtiva e reserva de bandeira, como em países como China, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos, onde essa atividade está consolidada. “Essa circunstância decorreu fundamentalmente do apoio e incentivos a estaleiros e a fornecedores locais, uma vez considerado o papel estratégico dessa indústria”, aponta a advogada. Os estaleiros nacionais empregaram duas mil pessoas nos estaleiros no final dos anos 1990, chegando a 82,5 mil empregos em 2014. De dezembro de 2014 a março de 2021, a queda do número de empregos nesta atividade caiu quase 80%, passando de 82.472 para 19.566.
O sindicato defende uma política de conteúdo local que possa ser instrumento para voltar a atingir melhores resultados. E que, para voltar a gerar empregos, é necessário engajamento de todos os entes envolvidos para chegar próximo da indústria naval mundial que dá certo e trazer ganhos para desenvolvimento nacional.
Daniela acrescenta que aumentar o número de fornecedores no Brasil passa pela redução do custo Brasil, que traz clara desvantagem competitiva. “É um fato, existe necessidade dessa isonomia e de parâmetros. Precisamos avançar nisso e voltar a conversar sobre como colocar a indústria naval e a indústria brasileira competitivas. Queremos política de conteúdo local com prazo e que permita competição”, destaca.
A assessora jurídica do Sinaval diz que, na prática, persistem problemas na política de conteúdo local apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e que deveriam ser corrigidos. “É importante retomar também as orientações do TCU para voltar a entender o que se espera da política de conteúdo local”, defende. Daniela acrescenta que o desenvolvimento nacional tem suporte na Constituição Federal, que prevê como cenário econômico aquele de bem-estar e autonomia tecnológica, afastando a dependência externa, mas fomentando a participação da sociedade brasileira em condições de igualdade no mercado internacional.
A Petrobras avalia que a exigência de índices de conteúdo local elevados pode gerar resultados adversos para a indústria e diferentes dos objetivos das políticas de fomentá-la. A empresa afirma ser a favor da competitividade, sem reserva de mercado e com conteúdo local compatível. A avaliação é que o elevado nível de conteúdo local criado no passado gerou reserva de mercado que resultou, no final do processo, em aumento de custos e perda de competitividade em alguns projetos.
“Avaliamos que a estratégia de contratação gerada na época — para desenvolver ao máximo mercado nacional — foi malsucedida, gerando custos elevados no pagamento de sobrepreços e atraso de produção”, disse o gerente setorial de conteúdo local da Petrobras, Edival Dan Júnior, em maio, durante reunião da comissão especial de indústria naval e offshore da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Na ocasião, ele apresentou uma relação de contratos de replicantes e plataforma da cessão onerosa cujas datas de entrada em produção, por questões de gestão de riscos, registraram atraso médio de 32 meses, com impacto na arrecadação de US$ 12,6 bilhões. Para o Rio de Janeiro, US$ 3,9 bilhões deixaram de ser gerados, o equivalente a 31% desse total. De acordo com a Petrobras, os atrasos das plataformas geraram impacto de sete mil empregos diretos e 70 mil empregos indiretos.
Entre os projetos estão a P-66 e a P-67, respectivamente, com atrasos de 31 meses e de 50 meses na entrega, além da P-71, prevista para entrega em 2023 e cujo atraso é estimado em cinco anos. Dan explicou que esses projetos tiveram contratação com estratégia pulverizada de fornecimento e previam integração com uma empresa brasileira. “O impacto possível de ser gerado com exigência de conteúdo local e reserva de mercado preocupa porque pode gerar dano maior do que objetivo principal e pode ter resultados inversos ao pretendido”, analisou.
O gerente ressaltou que a Petrobras é parceira da indústria naval e que a indústria nacional oferta muitos serviços ligados com preços competitivos. Dan chamou a atenção que existem no mercado externo competidores em outros países pela produção de óleo, como México e Guiana, que seguem abrindo seus mercados e fazendo licitações. Ele salientou que, quando o Brasil aumenta custos, acaba por diminuir a atratividade e o número de projetos.
Ele acrescentou que a Petrobras obedece à Lei 13.303/2016, que estabelece que a empresa não pode gerar reserva de mercado com uma organização especial para fornecer para indústria nacional ou para indústria estrangeira. Dan explicou que, por essa lei, a operadora deve dar oportunidades iguais para todos os licitantes e que a companhia mantém a previsão de demanda contínua e de longo prazo. Em média, a contratação da plataforma se dá de cinco a 10 anos após a licitação da ANP.
O Sinaval declarou, após o posicionamento, que a decisão da companhia de encomendar plataformas em estaleiros asiáticos não foi tomada em decorrência de problemas quanto à qualidade dos produtos brasileiros. De acordo com o Sinaval, houve obras recebidas do exterior destinadas à Petrobras que apresentaram problemas técnicos. O sindicato deu exemplos de plataformas construídas na China que precisaram ficar ancoradas na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, por longos períodos para reparos e complementações por empresas brasileiras. Para o Sinaval, a qualidade dessas unidades mostrou-se deficiente e as plataformas deixaram de produzir petróleo e gás por meses.
O Sinaval cita o caso da FPSO P-67 que, após chegar da China em julho de 2018, passou por reparos na Baía de Guanabara antes de entrar em serviço no campo de Lula Norte, na Bacia de Santos. O sindicato alega que o prejuízo com o adiamento da produção de petróleo em mais de seis meses por essa plataforma nunca foi divulgado. “A Petrobras, em sua manifestação à Alerj, não menciona esse e outros atrasos na produção dos campos, nem informa os prejuízos causados ao país e, particularmente, ao estado do Rio de Janeiro, preferindo, injustamente, destacar atrasos que seriam provocados somente pela indústria naval brasileira”, aponta o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, em nota.
A entidade salienta que muitas plataformas foram entregues por estaleiros brasileiros dentro do prazo contratado e, em alguns casos, até mesmo com adiantamento em relação às datas contratuais, tendo alguns estaleiros recebido da Petrobras prêmios de desempenho e cumprimento de prazos. “Em alguns contratos, ocorreram atrasos, mas, em inúmeras oportunidades, esses atrasos foram devidos a modificações nos projetos por parte da própria Petrobras”, contesta Rocha.
O Sinaval ressalta que estaleiros estrangeiros dificilmente aceitam o grau de alterações durante a execução das obras que a petroleira pratica nas contratações à indústria naval brasileira. Além disso, menciona que sempre houve notícias de atrasos consideráveis nas entregas de várias unidades encomendadas em estaleiros asiáticos. “A manifestação da Petrobras procura atribuir ao conteúdo local a responsabilidade por atrasos, mas prefere ignorar os benefícios ao país e à sociedade brasileira em termos de geração de renda local nos estados onde as obras foram executadas e de geração de empregos de qualidade proporcionados por essas obras”, destaca Rocha.
A avaliação dos estaleiros nacionais é que a posição a favor da competitividade sem reserva de mercado e conteúdo local compatível não leva em conta os interesses do país. O entendimento do Sinaval é que níveis adequados de conteúdo local não significam a adoção de reserva de mercado. O sindicato considera que tal política foi estimulada pela Petrobras nas administrações anteriores ao governo Michel Temer e classifica seu baixo nível atualmente em vigor como “retrocesso”, com consequências danosas para a indústria brasileira e seus trabalhadores.
O Sinaval reitera que a questão da competitividade da construção naval brasileira merece uma reflexão mais profunda, na medida em que nenhuma indústria brasileira consegue ser competitiva com os preços praticados na Ásia, sobretudo na China. As principais causas, para o sindicato, estão no custo Brasil, que onera a produção nacional; na participação de governos asiáticos em favor de suas empresas nas concorrências internacionais; no regime de trabalho nesses países; e na carga de impostos diretos e indiretos que prejudica a indústria brasileira. Por outro lado, o sindicato observa governos asiáticos apoiando e favorecendo seus estaleiros com subsídios e práticas que não existem no Brasil.
De acordo com o Sinaval, o progresso dessa indústria foi interrompido após 2014, depois de um período de cerca de 15 anos a partir do ano 2000. O sindicato acrescenta que esse foi um período mais curto do que a indústria naval da Ásia teve para se alavancar. “A decisão de contratação de plataformas na China pelo menor preço ofertado é, portanto, injusta e prejudica não só os estaleiros brasileiros como também as indústrias de navipeças nacionais”, enfatiza Rocha.
Para o sindicato, a “virtual paralisação dos estaleiros” contribuiu para agravar o desemprego do país, com a perda de cerca de 70 mil postos de trabalho só nos estaleiros e de 300 mil nas indústrias que compõem a sua cadeia produtiva. O Sinaval alertou para o risco da perda de bilhões de reais investidos em estaleiros nacionais de ponta. “O projeto de atendimento à demanda que norteou a decisão de investimentos na construção e modernização de estaleiros foi desconsiderado e a situação hoje é de desalento na indústria naval em vários estados. Isso pode ser revertido, entretanto, se houver, por parte do governo brasileiro e da Petrobras, o necessário e urgente reconhecimento de que tal situação não pode mais perdurar”, conclui Rocha.
Durante a reunião da comissão da Alerj, o gerente setorial de conteúdo local da Petrobras, Edival Dan Junior, relatou que a companhia precisou fazer a realocação de plataformas que tiveram atraso médio de 32 meses e comparou que houve plataformas construídas em 34 meses. Segundo Dan, esse risco gerou necessidade de realocação das plataformas e contratação de plataformas no exterior. “Naquele momento, impactou na entrada em operação do primeiro óleo. Só não foi maior porque houve o processo de realocação”, lembra.
A Abimaq considera que o segmento subsea é um exemplo de conteúdo local que deu certo. Machado, cita que os itens submersos de exploração e produção atraíram uma grande quantidade de empresas para o Brasil. São fornecedores de equipamentos como umbilicais, linhas flexíveis, árvores de natal molhadas, manifolds submarinos e risers. O entendimento é que houve sucesso no desenvolvimento de conteúdo local nesse nicho porque esses itens estavam no primeiro elo da cadeia, por serem atingidos pelo Repetro e porque as empresas tinham relacionamento direto com as operadoras, principalmente a Petrobras.
“Esses itens vieram para o Brasil por conta do conteúdo local, pois foi exigido que eles tivessem fábrica por aqui”, destacou Machado durante o workshop sobre conteúdo local da ANP. Ele acrescenta dois projetos exitosos de FPSOs: da SBM, no estaleiro Brasa (RJ), e a conclusão da FPSO P-76, no Brasil (Techint), com preço mais baixo e com conteúdo local acima do exigido.
O diretor da Abimaq lembra que a ANP inseriu cláusulas exigindo o convite à participação da indústria nacional desde a rodada zero. Ele pondera que as cláusulas não deram certo pela ausência de consequências. “Como a cláusula está, sem consequência, acaba não gerando resultado, haja vista que tivemos vários pedidos de waiver (isenção) no passado que não comprovaram que a cadeia de valor foi convidada”, diz. Machado cita o caso de Libra, em que a indústria nacional foi considerada incapaz de atender, mas não foi nem mesmo convidada.
A Abimaq observa condições diferentes entre indústria nacional e empresa internacional que, muitas vezes, vence o certame e não se sabe como foi feita a habilitação técnica. Machado explica que, muitas vezes, a fiscalização, o acompanhamento e a inspeção são feitos de forma diferente no Brasil, o que ocasiona mais pontuação (gold points) do que aquelas que acontecem no exterior. É comum a habilitação técnica no exterior se dar mais pela função, enquanto, no Brasil, ela acaba sendo pela especificação técnica. “São vários pontos que não são atendidos na proposta internacional e são cobrados na proposta brasileira. Isso gera falta de isonomia, encarece e tira nossa competitividade”, diz Machado.
A associação também identifica que as condições diferentes de entrega (FCA) dão vantagem ao fornecedor internacional, que ganha tempo de viagem. Além disso, a assimetria de moedas encarece os custos, já que a empresa estrangeira cota em dólar e a nacional em reais, precisando fazer o hedge cambial da parte em dólar. Outro ponto de preocupação da cadeia de fornecedores nacionais foram as mudanças nas condições da Petrobras, que estabeleceram 90 dias para o pagamento da indústria local.