Para professor, opção por desmantelamento da P-32 em dique seco foi acertada e contribuirá para curva de aprendizado dos estaleiros nacionais
O Brasil está entrando no mercado global de reciclagem de embarcações e uma fatia pequena já seria interessante para desenvolver a atividade em instalações brasileiras e criar uma cadeia de suprimentos reversa como em outros países. A avaliação é de Newton Narciso Pereira, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF) lotado na Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda. Para Pereira, existem novas oportunidades para estaleiros nacionais, que possuem vantagem competitiva devido à capacidade de receber navios de grande porte.
O professor citou um levantamento acadêmico de Guilherme Coltri Peres Ramos, mestrando em Montagem Industrial da UFF, que mapeou que, dos 48 estaleiros e instalações de reciclagem na lista da Comunidade Europeia, apenas 17 conseguiram atender navios com mais de 300 metros de comprimento. O regulamento europeu prevê que as instalações de reciclagem precisam ser certificadas e listadas na comunidade europeia. Já os estaleiros fora da comunidade precisam passar por inspeção.
“É uma oportunidade porque ainda não há estaleiros brasileiros na lista da comunidade europeia e é um mercado que deve se expandir nos próximos anos pela necessidade de instalações capazes de receber esses navios”, disse o professor durante painel no 3º dia da conferência da 17ª Navalshore.
Pereira identifica uma tendência de aumento do volume de embarcações enviadas para reciclagem nos próximos anos. Um estudo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostrou que, a partir de 2030, centenas de navios serão enviados para reciclagem. Segundo Pereira, algumas empresas já perceberam que, provavelmente, não haverá instalação de reciclagem suficiente para atender à demanda global.
O professor observa que caiu, de 800 para cerca de 400, a média anual de navios enviados para reciclagem, o que teria acumulado demandas nos últimos anos. Pereira calcula que uma fatia de 5% (40 navios/ano) já representaria uma grande demanda para as instalações brasileiras. Pereira explicou que a principal diferença entre a Convenção de Hong Kong (2009) e o regulamento europeu (2013) é a proibição de reciclar diretamente nas praias, além de exigir sistemas de proteção de derrames de todos materiais perigosos que possam cair na água.
Pereira também constatou que no período entre 2013-2019, entre publicação e entrada em vigor do regulamento europeu, o mercado asiático perdeu capacidade de atendimento de navios porque navios de bandeira europeia são proibidos de migrar para realizar esse processo na Ásia. A atividade se concentrou na Índia, Bangladesh e Paquistão a partir da década de 1980, porém os métodos rudimentares foram questionados, principalmente pela insegurança dos trabalhadores e pelos danos ambientais causados pela falta de tratamento e descarte correto dos resíduos.
Após a ratificação da Hong Kong Convention por Libéria e Bangladesh, as regras devem entrar em vigor no dia 26 de junho de 2025. No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 1.584/2021, que trata da reciclagem de embarcações. O PL, porém, não estabeleceu uma lista de materiais perigosos. Uma proposta de instrução normativa para controle de importação de resíduos inclui materiais que constam na lista de materiais perigosos de navios. A avaliação, segundo Pereira, é que a proibição poderia representar um risco à atividade de reciclagem de navios.
P-32
Pereira considera que o Brasil passou a ser player do mercado de reciclagem em 2023, a partir do anúncio da primeira grande instalação no país: o desmantelamento da plataforma P-32, pelo consórcio formado pelas empresas Gerdau e Ecovix, que administra o estaleiro Rio Grande (RS). A execução do serviço no ativo, de 44.000 toneladas, foi licitado pelo valor de R$ 3,2 milhões. Ele avalia que o método adotado para a primeira operação de reciclagem do Brasil, em dique seco, foi acertado para gerar curva de aprendizado para grandes embarcações em dique controlado, além de mostrar para autoridades brasileiras que o país tem condições de desmantelar estruturas de maneira eficiente e segura.
O professor também nota que outros países começaram a investir nessa atividade. É o caso da África do Sul, com o projeto de um estaleiro de reciclagem no Oriente Médio e da Arábia Saudita, que anunciou um novo estaleiro com quatro diques para atender navios de 350 metros a 500 metros e que entra em operação em 2025 para atender o mercado de reciclagem sustentável. Três estaleiros turcos entraram na última lista da Comunidade Europeia, divulgada em julho deste ano. “Se demorarmos muito, vamos perder esse mercado. É importante o PL (1.584/2021) ser aprovado e o ambiente de negócios ser fomentado no país porque outros players estão de olho nessa oportunidade”, alertou.