Focar em nichos amplia sustentabilidade da indústria, diz professor

  • 17/04/2025

Newton Pereira, do CESS/UFF, acredita que visões mais estratégicas podem fortalecer e dar mais competitividade às atividades ligadas à indústria naval, garantindo carteira de encomendas

O Brasil precisa fortalecer os nichos nos quais a indústria local é competitiva, a fim de garantir a sustentabilidade e evitar os períodos de ociosidade. A avaliação é do professor de Engenharia Industrial Metalúrgica da Universidade Federal Fluminense (UFF), Newton Narciso Pereira (foto), que enxerga mercados cativos como promissores, a exemplo do transporte de commodities agrícolas pelo Arco Norte. Pereira, que é coordenador do Centro de Estudos para Sistemas Sustentáveis (CESS) da UFF, destacou o crescimento exponencial da navegação interior nos últimos 20 anos.

O professor acredita que a complexidade econômica é fator determinante de qual tipo de serviço o país oferta e que tipo de demanda pode gerar. Pereira ressalta que a maior parte das exportações brasileiras, historicamente, é de baixa complexidade econômica e exportada por navios graneleiros. Ele chamou a atenção que, nas duas últimas décadas, a participação nas exportações brasileiras de granéis cresceu, enquanto o país praticamente manteve o mesmo patamar para produtos de alto valor agregado entre 1990 e 2023.

Ele comparou que o mapa da complexidade econômica da China é o inverso do Brasil e que a maioria das exportações chinesas está nos contêineres, o que contribuiu para os incentivos à construção de conteineiros em estaleiros do gigante asiático. “Precisamos achar nichos para garantir a sustentabilidade da indústria, senão ficaremos sempre ociosos”, afirmou Pereira, durante evento promovido pelo Cluster Tecnológico Naval-RJ e pelo Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ).

O coordenador do CESS/UFF observa que o desenvolvimento do corredor do Arco Norte tem puxado a demanda de transporte que antes escoava prioritariamente pelos portos das regiões Sul e Sudeste. O professor acredita que esse potencial poderá ser ampliado com intervenções como o derrocamento do Pedral do Lourenço, na Hidrovia Tocantins Araguaia. Ele destaca ainda a presença de comboios na bacia Amazônica que carregam o equivalente a um navio Panamax, de 75 mil toneladas, de grãos.

Em 2024, o Ministério de Portos e Aeroportos contabilizou um total de R$ 5,3 bilhões em contratos firmados com recursos Fundo da Marinha Mercante (FMM), financiando 548 novas obras, a maior parte (415) referente a projetos de navegação interior. “A demanda por obras de construção de barcaças não para. É constante e contínua nos últimos 20 anos. Significa que foi descoberto um nicho. Existem nichos e é nisso que deveríamos trabalhar, focando estrategicamente”, apontou Pereira.

O professor deu como exemplo um estaleiro português que visitou recentemente, especializado na construção para o mercado de cruzeiros que navegam no Ártico. Segundo Pereira, a carteira de projetos desse estaleiro atenderá os mercados europeu e japonês, pelo menos, nos próximos 10 anos. “Com o derretimento das geleiras, começaram a abrir novos nichos. Isso vai demandar navios com estrutura mais reforçada, propulsão mais potente e sistemas capazes de resistir às baixas temperaturas para a navegação polar”, analisou.

Outro mercado promissor, segundo Pereira, é o gás natural liquefeito (GNL), por conta dos problemas geopolíticos e pela necessidade de abastecimento de gás no continente europeu. “Percebemos que a quantidade de navios GNL disparou em termos novas ordens para construir navios. Esses estaleiros que constroem esses navios estão basicamente na Ásia. Principalmente quando pensamos em combustíveis alternativos, o GNL tem crescido exponencialmente nos últimos anos”, avaliou.

A leitura é que há uma demanda reprimida para GNL e para os novos combustíveis, que vão demandar a indústria, que precisará estar preparada para as novas tecnologias, principalmente no segmento de navipeças. Pereira também projeta que a chegada de porta-contêineres de maior porte na costa brasileira pode abrir oportunidade para reparos no país, o que demanda infraestrutura para a execução desses serviços.

O Brasil também pode aproveitar o potencial para descomissionamento e desmantelamento de embarcações para a geração de emprego, renda e demanda no país. Pereira disse que o país é o terceiro maior mercado de descomissionamento do mundo. Ele citou um estudo de 2024 que apontou que a reciclagem de navios na Europa já praticamente atingiu sua capacidade em termos do que os estaleiros do continente podem ofertar.

A partir de 2031, a capacidade de processamento de 2,5 milhões de toneladas hoje disponível para o desmonte não será suficiente para atender as demandas europeias que crescerão significativamente porque armadores vão dispensar seus navios. Segundo Pereira, esse mercado precisa ser absorvido, considerando as regras da Convenção de Hong Kong e o Regulamento Europeu.

Fonte: Portos e Navios
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