Recuperação de estaleiros, grandes montantes e conquista de credibilidade vêm sendo superados para estruturação de garantias. Apólice de novos petroleiros foi capitaneada por 4 empresas, entre seguradores e resseguradores
A iminente retomada da construção de grandes navios em estaleiros nacionais, aguardada para este segundo semestre, vem após uma década de falta de projetos e desmobilização da mão de obra e com novos desafios para o setor, diante de um cenário econômico desafiador. Um deles é a composição dos seguros para projetos de ativos de grande porte, que demandam garantias para os riscos de construção e que exigem grandes montantes de investimentos.
As corretoras Gallagher e a Four participaram da estruturação das apólices para o destravamento dos contratos que foram fechados pelo sistema Petrobras para a construção dos quatro primeiros navios do novo programa de renovação e modernização da frota da Transpetro. As unidades, classe Handy, têm investimentos previstos da ordem de R$ 1,6 bilhão.
A previsão é que, em cerca de 90 dias após assinada a eficácia do contrato, sejam liberados R$ 80 milhões para a mobilização inicial (down payment), que correspondem a 5% do total do pacote de construção. Esse recurso inicial deve ser exaurido nos primeiros três a quatro meses, com a compra de aço e encomenda de equipamentos, por exemplo, e daí o processo de construção segue seu fluxo de forma mais acelerada. Até o fechamento desta reportagem não havia uma data oficial, mas a expectativa é que a eficácia do contrato seja obtida até o final de agosto.
O cronograma estimado é que, ao longo de aproximadamente 40 meses, as quatro embarcações iniciem a construção no Estaleiro Rio Grande (ERG), da Ecovix, e sigam para o Estaleiro Mac Laren, em Niterói (RJ), onde receberão os acabamentos avançados e comissionamento para serem entregues à contratante. Superadas essas etapas, a operação dos Handy dependerá do termo de entrega e aceitação junto à Transpetro.
O contrato dos Handy foi assinado em fevereiro de 2025, em cerimônia com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa assinatura ocorreu após a entrega das apólices de construção naval e de garantia. Nesse tipo de licitação, os vencedores precisam apresentar seguro-garantia e o seguro de construção naval (builders risks) do projeto. O consórcio construtor apresentou uma garantia de performance (performance bond) de R$ 160 milhões, correspondente a 10% dos R$ 1,6 bilhão que constam no contrato.
O CEO da Four Corretora, Joemir Ribeiro Ramos, contou à Portos e Navios que, para alcançar êxito nas garantias, foram aproximadas mais de 20 seguradoras e resseguradoras. Mesmo assim, houve negativas em razão do histórico recente do mercado de construção naval no país. Uma das estratégias foram road shows para apresentar a atual realidade dos tomadores da garantia, destacando a capacidade de produção de aço do estaleiro da Ecovix, que está entre as maiores da América Latina: quase 250.000 toneladas/mês, o equivalente à construção de dois navios a cada dois meses.
O ERG foi aprovado após vistorias com a presença dos seguradores, dos estaleiros e dos contratantes. “O estaleiro tem capacidade de produzir aço, tem estrutura, tem estaleiro, mas teoricamente não teria capacidade financeira para passar capacidade de segurança (garantia) para Petrobras. Mostramos essa capacidade”, afirmou Ramos. Posteriormente, no final de julho, a Ecovix anunciou que virou a página com o encerramento do processo de recuperação judicial, após parecer favorável.
A composição do risco abrangeu quatro empresas, entre seguradores e resseguradores, dentro da apólice, pulverizando o montante de R$ 1,6 bilhão. “Conseguimos distribuir essa capacidade para seguradores brasileiros e que entraram num painel”, explicou Ramos. O seguro-garantia corresponde a R$ 160 milhões, um percentual 10% do valor total de R$ 1,6 bilhão (…). Os 100% do risco estão garantidos, desde o primeiro parafuso até a entrega da embarcação ao armador”, frisou Ramos.
Guilherme Mattoso, head da área de marine da Gallagher, acrescentou que é um projeto de construção naval complexo, que envolve dois estaleiros, o que exigiu uma série de conversas e levantamentos em termos de equipamentos, capacidade de trabalhadores para construção em si, além do reboque de longa distância entre Rio Grande (RS) e Niterói (RJ). “Tivemos que explicar e negociar o processo com as seguradoras para que elas estivessem confortáveis de colocar R$ 1,6 bilhão de garantia para esse seguro”, ressaltou. Ele disse à reportagem que, nesse tipo de operação, é preciso ter uma visão ampla e entender do segurado o momento das finanças, as estruturas, o que passou e aonde quer chegar, para poder encontrar soluções de seguros.
Mattoso salientou que o projeto continuará sendo monitorado até a entrega da embarcação, com o acompanhamento do cronograma físico-financeiro das embarcações, que envolve batimento de quilha, blocos, reboques, vistorias e desembolso dos valores da obra. “Acompanhamento constante dá mais segurança para o mercado de que realmente não será algo que vai ser colocado ali para, em três anos, saber se vai sair a embarcação ou não”, explicou Mattoso.
Após essa composição, as empresas estão na expectativa de outros grandes projetos da construção naval nos próximos anos. “Esperamos atuar de novo, na construção dos oito gaseiros. Virão as demandas e veremos quais estaleiros que vamos participar. Foi um trabalho forte que fizemos”, avaliou o head da área de marine da Gallagher.
A corretora identifica um momento favorável à indústria naval no Brasil, com perspectiva de novas encomendas da Transpetro para estaleiros nacionais e com a Petrobras gerando demanda no segmento offshore. “Vemos realmente um aumento da demanda da construção naval e estaleiros que estavam parados retomando investimentos para poderem atender essas demandas”, observa Mattoso.
Ramos, da Four, concorda com os analistas que apontam a necessidade de uma política de Estado para dar perenidade à carteira de investimentos desse setor no Brasil. Ele vê novas oportunidades no horizonte com a sinalização de mais embarcações do programa da Transpetro. “Temos um soerguimento da indústria naval com esses quatro primeiros navios (Handy). Teremos em agosto mais uma licitação para a construção de oito novos gaseiros, embarcações que variam em custo de US$ 100 milhões a US$ 130 milhões cada navio”, analisou.