As opções de destinação e de reaproveitamento de plataformas offshore ao final do ciclo operacional geram serviços e estudos para indústria no Brasil. Apesar do processo em curso de regulamentação e internalização de normas internacionais, já existem contratos firmados e serviços em andamento para desmantelamento e reciclagem de partes dessas estruturas.
A perspectiva de ocupação dos grandes estaleiros nacionais com projetos de construção de navios, porém, pode reduzir as áreas para o desmonte dessas unidades nos próximos anos. Em alguns casos, há possibilidade de investimentos para a prorrogação da vida útil das plataformas.
O Estaleiro Rio Grande (ERG), da Ecovix, localizado no Rio Grande do Sul, realiza em seu dique seco o desmantelamento da antiga P-32, recebida em dezembro de 2023 e cujo cronograma prevê a conclusão ainda em 2025. A Ecovix foi contratada pela Gerdau para desmantelar a embarcação, no modelo de destinação sustentável promovido pela Petrobras. Essa é uma das principais demandas do tipo em estaleiro nacional.
A dona do ERG também negocia com a Gerdau o desmantelamento da P-33, que também foi arrematada pela empresa siderúrgica no certame da petroleira. A P-32 era uma unidade do tipo FSO, enquanto a P-33 foi um FPSO. O ERG, um dos estaleiros de maior porte do Brasil, também deve iniciar ainda neste segundo semestre a mobilização para a construção de quatro petroleiros para a Transpetro. No entanto, o reparo, o desmantelamento e a reciclagem de navios continuam no radar do estaleiro para os próximos anos.
“Manteremos as atividades em questão no radar, porém com restrições operacionais, principalmente para uso do dique, visto que as construções vão demandar mais dessa estrutura”, ressalta o diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila. O estaleiro da Ecovix conta ainda com dois grandes pórticos, um de 600 toneladas e outro de duas mil toneladas, além de guindaste móvel de 750 toneladas e equipamentos de movimentação horizontal de carga (SPMTs) de 800 toneladas de capacidade.
Ávila explica que, pelas características do dique, ainda é possível fazer, simultaneamente, uma construção e um desmantelamento, por exemplo. “Com relação ao mercado de reparos, entendemos que somente se for em condição de embarcação atracada”, acrescenta o diretor da Ecovix.
O consórcio formado pela Belov e a empresa Braserv foi vencedor esse ano da licitação para os serviços de descomissionamento de seis jaquetas da Petrobras localizadas nas águas rasas do município de Itaparica, na Bahia. A concorrência incluiu serviços de projeto, abandono definitivo de cinco poços, descomissionamento de seis jaquetas, remoção de linhas submarinas, limpeza e descarte final de todas as estruturas retiradas. O consórcio será responsável por todas as etapas até a aprovação final da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“A Petrobras já licitou e já está iniciando o abandono definitivo de diversos poços marítimos em Sergipe. Após o término dessas atividades, certamente se iniciará o descomissionamento dessas jaquetas e todo o mercado está acompanhando de perto e aguardando ansiosamente”, projeta o diretor do grupo Belov, Juracy Gesteira Vilas-Bôas.
A Belov Engenharia é o braço do grupo responsável pelos projetos de descomissionamento, enquanto o Estaleiro Belov (BA) será responsável pelo fornecimento de área e pelos serviços de desmantelamento. Vilas-Bôas acredita que a Belov Engenharia está bem-preparada para executar o descomissionamento dessas jaquetas de Sergipe, uma vez que executa uma série de atividades inerentes aos serviços de descomissionamento.
Ele acrescenta que o grupo possui um estaleiro já licenciado para as atividades de desmantelamento. “Temos diversas embarcações próprias, temos vasta experiência com serviços de mergulho, serviços de ROV, serviços de survey completos, além de um corpo de engenharia robusto”, elenca o diretor.
O plano de negócios 2025-2029 da Petrobras prevê 10 plataformas removidas até 2029 e 58 após 2030, além do recolhimento de aproximadamente dois mil quilômetros de linhas flexíveis e do abandono de mais de 420 poços no período. Somente o valor referente ao custo de abandono (Abex) é da ordem de US$ 10 bilhões. A carteira dos próximos cinco anos considera o ajuste de cronograma de remoção em função das contratações planejadas de EPRD (engenharia, preparação, remoção e disposição).
A Petrobras também possui trabalhos para alongar o ciclo de vida dos ativos, com foco no aumento do fator de recuperação e na maximização do valor do portfólio de exploração e produção (E&P), com alternativas para reversão do declínio da curva de produção e prolongamento da vida produtiva de maneira segura, eficiente e rentável. Entre essas alternativas estão a renovação dos contratos de E&P, a extensão de vida produtiva e o gerenciamento de reservatório para aumento do fator de recuperação, além de projetos complementares, projetos de revitalização e upsides exploratórios.
Esgotadas todas as possibilidades para o prolongamento da vida produtiva, a empresa parte para a etapa de destinação dos ativos. As plataformas serão destinadas ao reaproveitamento ou reciclagem. Para a primeira opção estão em desenvolvimento estudos para verificar a viabilidade do reaproveitamento das plataformas. Para a segunda, a destinação sustentável tem foco na geração de valor, economia circular, segurança e respeito às pessoas e meio ambiente.
Os estudos de projetos de desenvolvimento da produção e projetos de revitalização incluem análise de viabilidade técnico-econômica com modelo de contratação a definir. A revitalização de “Barracuda e Caratinga”, por exemplo, incluiu a contratação de FPSO, com entrada em operação prevista para 2029. O mesmo para os casos de “Marlim Sul e Marlim Leste” e para “Albacora”, também com previsão de contratação de FPSOs, mas com entrada em operação esperada para 2030.
A Petrobras tem, pelo menos, três plataformas offshore no radar para passarem por processo de reaproveitamento, em vez de serem desmanteladas. A companhia pretende abrir, ainda em 2025, uma licitação para iniciar a primeira etapa de reaproveitamento da plataforma P-37, localizada na Bacia de Campos. A diretora executiva de engenharia, tecnologia e inovação da Petrobras, Renata Baruzzi, diz que, num primeiro momento, será feito o desmantelamento das partes que a empresa avaliar que não serão utilizadas e, paralelamente, será desenvolvido um projeto para usar o casco.
Além da P-37, outras duas plataformas estão no radar: a P-35, talvez para 2026, e a P-47 na sequência — todas instaladas na Bacia de Campos. A diretora também não descarta a P-19 entrando nessa lista. “Todas são candidatas. Temos 50 plataformas para descomissionar. Tirando aquelas fixas do Nordeste, todas as FPSOs são candidatas ao reaproveitamento, se tiver um projeto para ser usada”, afirmou Renata, em evento promovido pelo Estaleiro Mac Laren, em agosto, no Rio de Janeiro (RJ).
A diretora explica que o reaproveitamento de plataformas gerou acordos de entendimento com instituições para pensar em como será feita, por exemplo, a troca de chapas de aço, recertificação e topsides. “É uma forma de ajudarmos a empresa a ganhar musculatura e ‘voltar para o jogo’. Estamos bastante animados com essa alternativa”, diz Renata.
Ela contou no evento que a empresa aprovou o conceito da P-37 e que estão sendo feitos ajustes na documentação para que a licitação possa ir à rua no segundo semestre de 2025. Acrescenta que uma RFI (request for information) foi encaminhada para mais de 100 empresas para saber se havia interesse delas em trabalhar nessa área — e recebeu retorno positivo.
A executiva pondera que os estudos ainda são muito incipientes. “Voltamos com dois projetos para a mesa para estudar: a revitalização Marlim Sul/Marlim Leste e de Barracuda/Caratinga. Esses são dois naturais [candidatos] para ver se conseguimos usar esse casco para esses dois projetos”, comenta Renata. Atualmente, a P-32 está sendo desmantelada no Estaleiro Rio Grande (RS) e duas plataformas (P-33 e P-26) estão acostadas no Porto do Açu (RJ).
O Estaleiro Atlântico Sul (PE) participa de grupos de trabalho junto com o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) e a Petrobras, que estudam a atividade de reaproveitamento de plataformas (retrofit). O CEO do EAS, Roberto Brisolla, diz que é um serviço de revitalização um pouco diferente de reparo, mas que existe capacidade de ser feito. Ele explica que, como é um serviço de maior duração e maior ocupação dos ativos, do cais e do dique, é preciso estudar a atratividade dessa atividade para a planta do EAS. “Olhamos como será o modelo, trabalhando em conjunto para ver atratividades, a rentabilidade que pode trazer dentro da nossa estratégia”, ressalta Brisolla.
Há um universo de plataformas fixas, a maioria no Nordeste, que teoricamente não servem para reaproveitamento e devem ser desmanteladas. O CEO do EAS diz que é importante avaliar quais serão os modelos de desconexão, de transporte e de venda dessas plataformas para o comprador final. Existe demanda, por exemplo, para comprar sucata de aço. “Precisamos saber qual modelo Petrobras vai adotar para ver se será de fato rentável e com risco mensurável”, explica Brisolla.
O executivo diz que o EAS segue acompanhando os bids da Petrobras e da Transpetro para construção de navios, mas que o endividamento ainda alto do estaleiro dificulta a participação nessas concorrências, em decorrência da capacidade de garantias. “Apesar de estarmos nos reestruturando, isso acaba sendo limitador para atuar em projetos de grande porte [construção naval]. Nesse momento, mantemos nossa estratégia de continuar concentrados no reparo e olhando para essas outras alternativas, sendo a revitalização de plataformas uma delas”, resume Brisolla. O guindaste Goliath do EAS permite o desmantelamento na retroárea do estaleiro.
Para Brisolla, o setor está num momento de aquecimento, seja pela demanda de FPSOs e módulos da Petrobras, seja pelos barcos de apoio marítimo e pelos navios da Transpetro, além das oportunidades de reparos. Ele observa que esses projetos causaram aquecimento do setor de produção, movimentando estaleiros e fornecedores de navipeças. “Vemos um momento melhor do que no pós-pandemia, mas ainda tem bastante frente para destravar”, analisa Brisolla.
A OceanPact assinou contrato com a Trident Energy do Brasil para execução de serviços de descomissionamento offshore no modelo EPRD — Engenharia, Preparação, Recolhimento e Destinação Final. O projeto abrange a infraestrutura submarina dos sistemas de produção remanescentes das plataformas P-07, P-12 e P-15, na Bacia de Campos. O contrato, de mais de R$ 1 bilhão, prevê o início dos trabalhos no primeiro trimestre de 2026 e duração de até três anos.
A OceanPact prevê o uso de RSVs (embarcações equipadas com robôs) de sua frota, preparadas para operações de descomissionamento. O acordo, anunciado em setembro deste ano, inclui engenharia e mapeamento detalhado, remoção de linhas flexíveis e equipamentos submarinos com apoio de ROVs, além de cortes e desconexões. Além disso, caberá à OceanPact o desmantelamento em terra e a destinação final ambientalmente adequada, priorizando a reciclagem e estimulando a economia circular.
A EnvironPact, subsidiária especializada da OceanPact, assumirá as etapas ambientais, de segurança operacional e de gestão de riscos. A área de operações submarinas ficará responsável pela retirada de linhas e estruturas e a OceanPact Geo conduzirá os levantamentos e surveys. Já a OceanPact Log atuará na gestão em terra e no desmantelamento.
O diretor comercial e de marketing da OceanPact, Erik Fabian Cunha, ressalta que esse contrato de descomissionamento reflete o esforço conjunto das unidades de negócios e subsidiárias do grupo em buscar sinergias operacionais e ganhos de eficiência. “Conseguimos estruturar uma proposta competitiva, baseada em uma solução técnica robusta, confiável e segura do ponto de vista operacional”, destaca Cunha.
Para a OceanPact, a assinatura do contrato com a Trident amplia a presença da companhia no mercado de engenharia submarina. Com 28 embarcações e amplo inventário de equipamentos para resposta a emergências offshore da América Latina, a companhia avalia que se consolida como empresa brasileira capaz de entregar um ciclo completo em projetos de descomissionamento.
Em agosto, a Petrobras e a OOS International B.V., em parceria com a Camorim Serviços Marítimos, assinaram, após processo licitatório, contratos de afretamentos R$ 1,2 bilhão, com duração de três anos (1.095 dias), das embarcações Jin Hua 01 e Jin Hua 02, autoeleváveis do tipo Liftboat, que serão usadas em operações de manutenção e prontidão de plataformas fixas que serão descomissionadas nas bacias Sergipe-Alagoas e Rio Grande do Norte-Ceará. O acordo prevê prestação de serviços de operação náutica e hotelaria.
Liftboats são embarcações multiuso e autoeleváveis, projetadas para transportar tripulação e equipamentos, além de fazer manutenção e servir como acomodação para pessoal. De acordo com a Petrobras, as duas unidades contratadas vão operar em profundidades de até 48 metros, em suporte à manutenção e às atividades de prontidão das plataformas que serão descomissionadas.
O gerente-executivo de terra e águas rasas da Petrobras, Stênio Galvão, disse que o afretamento das duas embarcações especializadas vai permitir à empresa aumentar a eficiência de suas atividades no descomissionamento de plataformas. Segundo Galvão, com as duas unidades será agilizada a prontidão das plataformas e melhoradas as condições de integridade durante as operações.
A Camorim destacou que atende a Petrobras desde 2007, o que permitiu estabelecer uma parceria sólida com a companhia. “A celebração desse novo contrato nos traz desafios e a certeza de que estamos no caminho certo, expandindo nossas atividades para novas modalidades de operação com um maior grau de complexidade”, comentou o vice-presidente da Camorim, Eduardo Adami.
Ele explica que os barcos e balsas podem auxiliar as cábreas nessas operações de descomissionamento. “Esse contrato é focado no descomissionamento de plataformas auto elevatórias no Nordeste do Brasil e vamos operar em conjunto. As embarcações ficam à disposição da Petrobras, que decide onde elas ficam”, ressalta. Adami destaca que a Camorim tem bases em São Luís (MA), Santarém (PA), Vila do Conde (PA) e Cabedelo (PB) que podem dar apoio.
Essa movimentação de empresas e de contratações acontece no momento em que tramitam no Congresso projetos de lei sobre desmantelamento de plataformas e outros tipos de embarcações. No final de agosto, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados encerrou o prazo de cinco sessões para apresentação de emendas ao projeto de lei 1.584/2021, que trata da reciclagem de embarcações.
No período, que foi de 7 de agosto a 20 de agosto, foi apresentada somente uma proposta de emenda ao texto do PL, que aguarda parecer do relator, deputado Cláudio Cajado (PP/BA). A emenda modificativa foi apresentada pela deputada Caroline de Toni (PL/SC), representante da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado na Câmara.
A proposta visa alterar a redação do artigo 18º, que trata do regime especial de tributação aplicável na aquisição das embarcações e no fornecimento de serviços destinados às atividades de descomissionamento, desmantelamento, descarte ou reciclagem, a serem realizados em estaleiros nacionais autorizados.
“O regime especial previsto implica a suspensão total dos tributos incidentes nessas operações e será regulamentado por ato infralegal. Caso as embarcações a serem descomissionadas, desmanteladas, descartadas e recicladas sejam de propriedade de pessoas jurídicas residentes no exterior, estas ingressarão no país igualmente desoneradas”, diz a proposta.
O argumento é que uma lei ordinária não pode delegar a outra lei ordinária, de mesma hierarquia normativa, a incumbência de criar ou disciplinar regime jurídico autônomo, sob pena de reduzir o dispositivo a caráter meramente programático, esvaziando sua eficácia normativa. Segundo a proposta de emenda, o adequado seria que a própria lei estabelecesse, em seus dispositivos, o regime em questão, remetendo apenas a regulamento infralegal a competência para detalhamento técnico e operacional.
A parlamentar questionou que, na ausência de arcabouço normativo adequado, parcela significativa dessas embarcações vem sendo enviada a estaleiros estrangeiros ao término de sua operação em águas brasileiras, ocasionando perda de oportunidades econômicas e tecnológicas relevantes ao país.
A autora da proposta de emenda defende que, sob o prisma macroeconômico, é urgente a instituição e o estímulo, no Brasil, de um mercado estruturado de descomissionamento, desmantelamento, descarte e reciclagem de embarcações cujo ciclo de vida útil se encontre encerrado ou que já não atendam às finalidades para as quais foram originalmente construídas.
“Essa medida tem o potencial de fomentar um setor estratégico de reciclagem industrial, promovendo inovação, geração de empregos e incremento da renda, em consonância com os princípios da economia circular e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, justifica Caroline.
Antes da CCJC, o texto do PL recebeu parecer favorável nas comissões de Viação e Transportes (CVT), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN). Na CVT, o PL 1.584/2021 foi aprovado no último dia 15 de junho. Passando na CCJC, o texto será encaminhado ao Senado e, se não houver nenhuma emenda, vai direto à sanção presidencial para promulgação da lei.
O PL em discussão tem objetivo de promover as atividades de desmantelamento e reciclagem de embarcações e estruturas offshore de forma segura e ambientalmente correta. A proposta foi apresentada em abril de 2021, pelo então deputado Coronel Armando (PL-SC), que não conseguiu se reeleger. O projeto prevê, entre outros pontos, regras detalhadas voltadas aos estaleiros de reciclagem, armadores, Marinha e órgãos ambientais. As regras se aplicam a todas as embarcações em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), incluindo plataformas flutuantes ou fixas de petróleo.
O PL da reciclagem de embarcações foi encaminhado à CCJC em junho, um dia depois que a Convenção de Hong Kong (HKC), que trata do tema, entrou em vigor. “Teremos num futuro breve, a partir da aprovação e entrada em vigor do PL 1.584, as condições para que tenhamos uma regra brasileira que estará de acordo com a Convenção”, avalia o secretário-executivo do Sinaval, Sérgio Leal.
Ele acredita que, como em outras internalizações de convenções internacionais, há sempre a possibilidade de emendas ou alterações em função das dúvidas que aparecem na aplicação efetiva das normas na atividade regulamentada. O Sinaval também entende que, a partir da sanção da lei nacional e da internalização da HKC, haverá ajustes da lei estadual 10.028/2023, que regulamentou a atividade de reciclagem e desmantelamento no Rio de Janeiro.
“Essa lei terá que se adequar à lei nacional e ao que vier da Convenção, de maneira que tenhamos um processo harmônico de decisões em que estaleiros e autoridades que vão administrar o processo — DPC [Diretoria de Portos e Costas], sociedades classificadoras (…) — e um período para tirar as dúvidas que serão levantadas”, completa Leal.
O secretário-executivo do Sinaval pondera que os estaleiros têm necessidade de manter regularidade de atividades e que o desmantelamento e a reciclagem de navios e plataformas entram como atividades complementares, principalmente nos períodos de baixa dos ciclos de construção e reparação de embarcações. Leal considera que, para algumas empresas, a reciclagem e o desmantelamento poderão se tornar uma extensão bem-vinda.
Ele lembra que, antes da reciclagem da P-32 em Rio Grande (RS), a maioria das embarcações de grande porte era levada para desmantelamento em instalações fora do Brasil. “Temos recebido sinalizações de nossos associados. Muitos nos informaram interesse em participar desse mercado, que pode ser muito importante para todos”, contou Leal, que participou do webinar ‘Convenção de Hong Kong, e agora?’, promovido em junho pelo Centro de Estudos para Sistemas Sustentáveis da Universidade Federal Fluminense (CESS/UFF).
A fase de construção de experiência (EBP) da Convenção de Hong Kong, que entrou em vigor no dia 26 de junho de 2025, terá três estágios: coleta de dados, análise dos dados e revisão holística da Convenção. A condução técnica da EBP será realizada pelo Subcomitê de Prevenção e Resposta à Poluição (PPR), entrando na agenda em 2027, com conclusão prevista para 2030. A EBP foi proposta pela Noruega em reunião do MEPC/IMO, em abril, baseada no que aconteceu na época das discussões da Convenção da Água de Lastro.
O coordenador da Secretaria-Executiva (SEC-IMO) da Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacional, CMG Sidney da Silva Pessanha, acredita que todos os Estados poderão contribuir com suas experiências, inclusive o Brasil, que ainda está em processo de adoção da convenção. Ele ressalta que a IMO não possui experiência anterior que estabeleça regras para instalações de reciclagem e defende que a indústria, armadores e autoridades vão precisar de clareza jurídica.
“Vários problemas podem surgir quando uma Convenção entra em vigor que não estavam previstos na ocasião de sua redação”, pontuou Pessanha, no webinar do CESS/UFF. Ele ponderou que não se espera uma mudança radical da Convenção, que vem sendo discutida desde 2009. “Se espera que seja feito esclarecimento jurídico, a interpretação de algumas coisas, mas mudar totalmente a IMO não costuma fazer isso. Aperfeiçoar sempre é bem-vindo”, salienta Pessanha, que participa das discussões sobre proteção do meio ambiente marítimo da agência da ONU, incluindo os debates sobre a implementação da HKC.
Navios com 500 AB (arqueação bruta) ou superiores que tenham contratos de construção firmados a partir de 26 de junho de 2025 deverão ter Certificado de Inventário de Materiais Potencialmente Perigosos (IHM). Por conta do Port State Control, os 24 Estados Partes da Convenção poderão exigir o Certificado para tais navios, de qualquer bandeira, sendo Estado Parte ou não, incluindo navios de bandeira brasileira, por exemplo.
A HKC também estabelece que navios existentes deverão ter o Certificado ‘dentro do possível’ no período de cinco anos a partir de 26/06/2025. Os navios de bandeira de um Estado Parte só poderão ser reciclados em instalações certificadas de acordo com a Convenção. Os navios que forem reciclados em Estados Partes deverão ter o ‘Certificado de Pronto para a Reciclagem’.
Atualmente, os 24 Estados Partes contratantes da Convenção são: Bangladesh, Bélgica, República do Congo, Croácia, Dinamarca, Estônia, França, Alemanha, Gana, Índia, Japão, Libéria, Luxemburgo, Malta, Ilhas Marshall, Países Baixos, Noruega, Paquistão, Panamá, Portugal, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Espanha e Turquia.
O Brasil começou o processo de adesão à Convenção de Hong Kong, sem data prevista para conclusão. O país iniciou processo de adesão, que envolve Câmara dos Deputados, Casa Civil e atualmente está no Ministério de Relações Exteriores (MRE), que vai preparar o projeto de lei, enviar para Casa Civil e encaminhar ao Congresso para que o Brasil seja parte contratante aderindo à Convenção. “A data prevista para essa adesão depende de prioridades que fogem do controle. Isso pode acontecer daqui dois, três, quatro anos (…). Dependerá da prioridade que o Congresso dará a essa questão”, comenta Pessanha.
A Convenção de Hong Kong impõe uma série de exigências para garantir que o descomissionamento e a reciclagem de navios ocorram de forma segura e ambientalmente adequada. Com base em visitas a estaleiros em outros países e considerando o cenário nacional, o coordenador do CESS/UFF, Newton Narciso Pereira, vê a necessidade de os estaleiros brasileiros adequarem suas infraestruturas para segurança e controle ambiental, o que inclui pisos impermeáveis, sistemas de contenção de resíduos e drenagem, estações de tratamento de efluentes e áreas de armazenamento adequadas para materiais perigosos.
O professor acrescenta a demanda por capacitação da força de trabalho, que passa por treinamentos contínuos em segurança do trabalho, manuseio de materiais tóxicos e práticas de desmontagem segura, conforme diretrizes da HKC. Pereira também chama a atenção para o desenvolvimento de sistemas de rastreamento e documentação, devido à implantação de planos de reciclagem específicos para cada embarcação, com inventário de materiais perigosos (IHM) e relatórios de conformidade. Além disso, os estaleiros deverão buscar certificações reconhecidas internacionalmente que atestem a conformidade com a HKC e permitir auditorias regulares por órgãos independentes.
O coordenador do Centro de Estudos para Sistemas Sustentáveis da Universidade Federal Fluminense (CESS/UFF) ressalta que essa atividade traz oportunidades para estaleiros no Brasil e para terminais portuários que queiram operar como instalações de reciclagem. Atualmente, a P-32 está em processo de desmantelamento e reciclagem no Estaleiro Rio Grande (RS) e há expectativa de que outras unidades devem passar pelo mesmo processo em estaleiros nacionais nos próximos anos.
“Haverá demanda significativa de embarcações para serem recicladas oriundas do descomissionamento, bem como navios mercantes para os próximos anos. Há uma corrida agora para que tenhamos mais instalações para atender esse mercado nacional”, destaca Pereira.
Ele lembra que a atividade já é uma realidade em outros países, alinhada ao conceito da economia circular e que contribui com o desenvolvimento de tecnologias e de métodos seguros de reciclagem que sejam cada vez mais eficientes e produtivos. Pereira entende que a aprovação da HKC vem trazendo, ao longo dos anos, melhorias para o setor do ponto de vista ambiental, operacional e segurança do trabalho, bem como impactos positivos no tratamento de resíduos, por exemplo.
O professor avalia que o fator que mais motivou as discussões para uma convenção internacional, no começo dos anos 2000, foi a precariedade dos desmontes de embarcações, que eram feitos principalmente em praias de países como Índia (Alang), Bangladesh (Chittagong), Turquia (Aliaga) e Paquistão (Gaddani), com passivos ambientais e trabalhistas. “Basicamente, a Convenção busca garantir que os navios sejam reciclados de forma correta, sem risco à saúde humana e ao meio ambiente”, analisa Pereira.
A instalação de reciclagem — estaleiro ou terminal portuário — deverá desenvolver planos de reciclagem da instalação. Os navios com 500 AB ou mais agora precisarão ter planos de reciclagem, que serão feitos em conjunto pelo armador e a instalação responsável pelo serviço. Além do IHM dos navios, os estaleiros deverão ter documento de autorização para reciclagem (DASR). Uma vez disposta para reciclagem, a embarcação deverá contar com um certificado internacional de pronto para reciclagem (IRRC). Ao final do processo, um certificado de conclusão de reciclagem deverá ser encaminhado ao Estado de bandeira e também deverá ser registrado no Estado de reciclagem.
Pereira explica que existem duas variáveis novas na HKC: a declaração de materiais, na qual materiais colocados a bordo devem seguir requisitos estabelecidos na convenção, e a declaração de conformidade dos fornecedores — Supplier’s Declaration of Conformity (SDoC) — que vai validar os materiais declarados. Os fornecedores de primeira e segunda camadas vão precisar fornecer dados para enviar para o estaleiro. “Tem um fluxo contínuo de informações que os estaleiros vão ter que gerir na entrega das novas embarcações”, aponta.
O artigo 12 da Hong Kong Convention detalha sete informações básicas que deverão ser reportadas à Organização Marítima Internacional (IMO) em periodicidade a ser estabelecida. Algumas delas serão de competência da autoridade marítima do país, enquanto outras serão de responsabilidade da autoridade competente local. No Brasil, os certificados, inspeções e vistorias feitas em navios são atribuições da autoridade marítima brasileira, exercida pela Marinha.
As inspeções e certificações que serão feitas nas instalações de reciclagem, como estaleiros e terminais portuários, por exemplo, deverão ser feitas por uma autoridade competente, que ainda não está designada. Essa autoridade competente deverá, entre outras atribuições, enviar à IMO uma lista das instalações de reciclagem de navios autorizadas de acordo com a convenção e funcionando sob a jurisdição do país parte da HKC, além dos detalhes para contato e de uma lista anual dos navios reciclados dentro da jurisdição do país aderente à convenção.
O coordenador da Secretaria-Executiva (SEC-IMO) da Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO diz que a autoridade marítima brasileira está bem definida por lei e é desempenhada pelo comandante da Marinha. No entanto, atualmente o Brasil não possui uma legislação que faça a designação de quem exercerá a função de autoridade competente para instalações de reciclagem.
Pessanha conta que esse foi o principal motivo para que o Brasil demorasse a aderir à Convenção, assinada em 2009. Ele pondera que o PL 1.584/2021, encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, direcionou esse ponto ao sugerir que a autoridade competente seja exercida por um órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), que é ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“Em 2012, houve várias reuniões para decidir qual a vantagem ou viabilidade de o Brasil aderir à Convenção, três anos depois da adoção. O principal obstáculo era quem seria a autoridade competente brasileira para certificar as instalações de reciclagem. Isso foi resolvido há pouco tempo no PL sobre reciclagem, que está em discussão”, afirma Pessanha.



