O aumento da frota e o aquecimento de atividades offshore trazem perspectivas positivas para empresas e estaleiros que oferecem serviços de reparo, manutenção e docagem. O destaque são as embarcações de apoio, que também podem ser convertidas ou modernizadas para aumentar a eficiência operacional ou para atender às especificações dos contratantes, como a Petrobras.
Estaleiros de diferentes portes investem na capacitação da mão de obra e na especialização das atividades oferecidas. Armadores exigem previsibilidade de custos, qualidade do serviço e entregas no prazo. Planejamento das docagens e serviços é visto como estratégico para a atividade.
Um levantamento do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), gestor do Fundo da Marinha Mercante (FMM), identificou uma demanda futura de R$ 7,6 bilhões por reparos e docagens nos próximos cinco anos. De um total de 1.836 obras estimadas, R$ 5 bilhões correspondem a 319 projetos de apoio marítimo (65,4%), R$ 1,5 bilhão são referentes a 1.350 projetos para navegação interior (19,4%), R$ 971 milhões para apoio portuário (62 projetos) e quase R$ 80 milhões para cabotagem/longo curso. Esses números, anunciados no começo de julho, podem ser ainda maiores considerando outras prioridades concedidas nas últimas reuniões do conselho diretor do fundo setorial (CDFMM).
A frota de apoio marítimo que opera em águas jurisdicionais brasileiras (AJB) tem uma previsão de docagem de classe de 380 embarcações entre 2026 e 2030, de acordo com o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) e a Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam). O vice-presidente do Syndarma/Abeam, Paulo Mediano, diz que esse volume se deve ao tamanho da frota brasileira, que demanda docagens obrigatórias a cada cinco anos, além das manutenções.
Aproximadamente 70% das embarcações são de porte médio ou superior, com mais de 60 metros de comprimento. A avaliação é que o setor terá como desafio se preparar para atender com capacidade de docagem e manutenção. Mediano ressalta que, no caso das empresas verticalizadas, que possuem estaleiro próprio, o planejamento das docagens das embarcações fica um pouco mais facilitado.
“A operação verticalizada fica mais fácil. Outras empresas dependem de outros estaleiros para fazerem suas manutenções e docagens. É preciso estar preparado para atender a essa demanda”, analisou Mediano, durante o workshop ‘Reparo e Manutenção Naval no Brasil’, promovido em julho pelo Sinaval e pela Abeemar, no Rio de Janeiro (RJ).
Entre 2023 e meados de 2025, o CDFMM priorizou a docagem de 54 embarcações de apoio marítimo no montante de R$ 837,8 milhões. Apesar de inferior ao valor disponibilizado para novas construções, o montante é considerado expressivo. Nesse período, o conselho priorizou R$ 858,9 milhões para modernização e conversão de 47 embarcações de apoio offshore. Mediano observa que esse movimento está em curso e que não se tem notícia de embarcações de apoio marítimo fazendo manutenção fora do Brasil.
No evento, o vice-presidente do Syndarma/Abeam destacou que o segmento conseguiu junto ao Congresso a alteração na legislação que permitiu que empresas utilizem o FMM para reparo e manutenção, o que vai aumentar bastante a demanda e a facilidade de fazer reparos no país, com o prazo de amortização do financiamento ampliado de dois para cinco anos, alongando o tempo para pagamento da dívida.
A Empresa Brasileira de Reparos Navais (Renave) destaca, no último ano, a realização de uma série de docagens, reparos e manutenções de PLSVs (lançamento de linhas), com elevada complexidade e fiel cumprimento de prazos extremamente exíguos. O superintendente da Renave, Luiz Eduardo Campos de Almeida, afirma que o mercado de reparo segue aquecido no Brasil, principalmente no segmento de offshore.
Em 2024, o Renave realizou serviços no navio tanque Gastão Motta, da Marinha do Brasil. O superintendente do estaleiro diz que a empresa também está atenta a novas oportunidades para embarcações da força naval e espera executar outras demandas desse segmento.
Almeida diz que o Renave é apontado como referência no segmento de reparo devido à experiência de toda a equipe gerencial, com mais de três décadas de trabalho ininterrupto, e ao maior parque industrial de reparação naval do continente. Ele destaca que o estaleiro conta com seis diques, 1,5 mil metros de cais, localização privilegiada e atendimento a todas as normas, procedimentos, certificações e legislação vigentes. Nos últimos anos, a empresa investiu em dragagem, novos equipamentos e adequação às certificações ISO 14.001 e 45.001, recentemente agregadas à 9.001.
Almeida vê entre os maiores desafios no Brasil a falta de políticas governamentais que protejam essa atividade estratégica da concorrência estrangeira, a qual considera, por vezes, ‘predatória’. Ele também cita dificuldades portuárias e alfandegárias, que inibem projetos que dependam de material importado e a carência de mão de obra especializada no mercado, o que ele associa à falta de formação e renovação desses profissionais.
O Estaleiro Mac Laren, localizado em Niterói (RJ) está atento ao mercado de reparos e serviços e ao aquecimento do segmento offshore. A construção de um dique flutuante, que está em fase final de financiamento, vai demandar US$ 50 milhões de investimento. Na semana da 19ª Navalshore, o Mac Laren realizou um evento no Rio de Janeiro (RJ), para a promoção do conceito ‘One Stop Shop’, que é outra forte aposta, junto a empresas parceiras, como MI Eletric Brasil, Subsea Connect e VMS Group. Novas empresas ainda podem se juntar e fazer esse grupo crescer.
O vice-presidente do grupo Mac Laren, Alexandre Kloh, observa que o segmento de construção naval está em processo de retomada e que as atividades ligadas à logística offshore que independem da construção — manutenção e reparo — também estão em alta. No caso dos reparos, a leitura é que falta infraestrutura para atender ao volume e tipos de embarcações hoje instaladas e operando no Brasil. Kloh ressalta que os grandes estaleiros do país não foram concebidos para serem instalações dedicadas à manutenção ou reparo, pois foram vocacionados à fabricação de FPSOs e módulos, por exemplo.
O executivo diz que o dique flutuante será um diferencial importante para o negócio e que vai trazer em torno de dois mil a quatro mil novos trabalhadores. “A construção do dique foi uma decisão muito certeira da empresa, no momento muito importante da nossa indústria. Será o maior dique do hemisfério sul e coloca o Mac Laren em posicionamento entre as três maiores empresas do Brasil em atendimento à indústria naval”, estima Kloh.
O cronograma de construção da estrutura flutuante é de 12 meses. Esse projeto recebeu prioridade do FMM e a empresa está em conversas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), acertando detalhes como garantias e a modalidade de contratação. Segundo Kloh, esse é um projeto inovador, diferenciado e único na América Latina. “Não tem nenhum outro equipamento similar ao que será construído por nós. Robusto e com capacidade de içamento de 15 mil toneladas. Vamos ter capacidade de atender embarcações de até 160 metros de comprimento”, afirma. Ele acrescenta que é um dique modular, que poderá ser estendido para até 210 metros.
O Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ), também tem perspectivas positivas com o reparo, que vem crescendo em torno de 20% nos últimos dois anos. Com o arrefecimento das encomendas há cerca de 10 anos, o Mauá fortaleceu a área de manutenção, reparos e serviços de embarcações em geral. O estaleiro cresceu em torno de 20% essa atividade em 2023 e em 2024. “De 2024 para 2025, acreditamos que vamos aumentar de novo na casa de 20% a 25% nosso faturamento neste segmento de reparo e serviços”, projeta o CEO do Estaleiro Mauá, Miro Arantes. No primeiro semestre, a capacidade de reparo do estaleiro ficou 90% ocupada.
O Estaleiro Atlântico Sul (PE) projeta, com os contratos de reparo firmados desde o final de 2020, que vai atingir a marca de 80 navios até o final de 2025. Os principais clientes são armadores de cabotagem que operam na costa brasileira, além de empresas do setor de petróleo e gás, que demandam serviços para barcos de apoio marítimo, plataformas, flotéis e sondas. “Nos consolidamos como um grande estaleiro de reparo no Brasil para atender embarcações de maior porte que antes não podiam ser atendidas aqui por falta de estaleiro ou de infraestrutura capaz de suprir”, afirmou o CEO do EAS, Roberto Brisolla, à Portos e Navios, durante a Navalshore, em agosto.
Muitos desses navios foram ao estaleiro para a instalação de sistemas de tratamento de água de lastro (BWTS, na sigla em inglês) para se adequar às normas internacionais. Outro serviço demandado é a instalação de sistemas específicos para PLSVs, como estruturas para centralizar a torre de lançamento de cabos. O EAS também fabrica e instala estruturas metálicas em plataformas, bem como faz retrofit de acomodações dessas unidades. Plataformas e navios de apoio também procuram o estaleiro para manutenção dos sistemas de propulsão.
Uma das estratégias adotadas em 2025 pelo EAS, que foi projetado vocacionado para construção naval, é o uso do Goliath para o içamento de embarcações para o reparo, sem a necessidade de ocupar o dique. Esse guindaste tem capacidade grande para içar navios do porte de barcos de apoio para reparo.
Brisolla diz que a estratégia de diversificar e se especializar em algumas atividades vem ajudando na recuperação financeira do estaleiro e na manutenção de uma ‘espinha dorsal’ de mão de obra própria da equipe. Atualmente, o EAS conta com aproximadamente 400 pessoas em seu quadro fixo, focadas em reparo, e com um quadro flutuante de outras 100 a 300 pessoas que podem ser mobilizadas mais prontamente. Grande parte do banco de profissionais que foram treinados pelo EAS participou do último ciclo da construção naval e retornaram ao estaleiro.
O CEO avalia que o EAS conseguiu se tornar alternativa e captar armadores que antes levavam seus navios para reparos na Europa ou na Ásia. Muitos desses navios cruzavam o oceano sem carga, por falta de estaleiro aqui, e deixavam de utilizar o benefício do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Para Brisolla, mesmo que o AFRMM ainda traga algumas burocracias que dificultam a liberação dos recursos para o armador, esse instrumento é uma vantagem para contratação do reparo no Brasil.
“Todos os operadores de contêineres no Brasil já fizeram reparo com a gente. Nosso plano de entrada no reparo se consolidou, hoje é um business estável no estaleiro e temos diversificado, buscando melhorar produtividade para melhorar a rentabilidade”, celebra. Brisolla destaca que grande parte das atividades é feita com mão de obra própria do estaleiro, que praticamente não subcontrata serviço de terceiros, exceto prestadores de algumas atividades ligadas à propulsão, mecânica e motor. Já as partes de tubulação, válvulas e tratamento de casco, por exemplo, são feitas com a equipe do EAS.
Na avaliação do EAS, um dos desafios para o setor é a recapacitação da mão de obra, que ficou um tempo parada a partir da desmobilização das atividades de construção. Para o caso de um aquecimento desse tipo de obra pode haver ‘competição’ por profissionais da construção civil, que também está aquecida. “Em Pernambuco, nossa atividade de reparo hoje tem uma situação bem controlada, banco de profissionais treinados. Podemos chegar a 700-900 funcionários conseguindo trabalhar bem. Mas, com cenário de mobilização maior, para grandes projetos de construção, a mão de obra intensiva será um desafio. É um desafio para todas as regiões, não somente para Pernambuco”, estima Brisolla.
Ele lembra que o EAS interrompeu a construção de navios em 2019 e, com cinco anos de reparo, já conseguiu formar um cluster de fornecedores que atendem demandas mais contínuas de reparo, como serviços especializados e materiais solicitados continuamente. “Quando aquece a atividade, a economia local começa a se desenvolver para suprir”, afirma Brisolla.
O Estaleiro Rio Maguari (PA) venceu uma concorrência para fazer a repotencialização de um rebocador da frota da Sulnorte, que deve acontecer no início de 2026. O ERM, que segue com uma carteira robusta com a construção de rebocadores, balsas e empurradores para diferentes empresas do setor, negocia outros reparos, tanto de empurradores quanto de balsas. O diretor comercial do ERM, Fabio Vasconcellos, diz que, no momento, a área atual do estaleiro atende às demandas para esse serviço. “Há uma expectativa de, com crescimento da demanda por reparo, termos uma área exclusiva. Mas, por enquanto, estamos usando a própria área do estaleiro”, revelou Vasconcellos, na Navalshore.
O Estaleiro Rio Grande (ERG), da Ecovix, realizou mais de 20 reparos de embarcações em três anos. A empresa destaca os reparos realizados em dois navios-sonda, sendo que em um deles foi realizada a troca completa dos oito receptáculos dos thrusters, em uma operação inédita no país. Em um desses reparos, a plataforma P-32 já estava no dique seco para desmantelamento. O diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila, lembra que essa operação impôs um desafio técnico ainda maior, mas que foi superado pela equipe do estaleiro, com eficiência operacional e segurança nas operações.
O Estaleiro Rio Grande vem numa escalada de boas notícias com novos contratos de construção de navios petroleiros para a Transpetro e a recente aprovação de sua recuperação judicial. Com as demandas atuais do estaleiro e ocupação do dique, a tendência é que as demandas do mercado de reparo aconteçam com as embarcações atracadas.
A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) avalia que o reparo de navios em estaleiros no Brasil representa um primeiro passo, antes de se poder pensar em dar um segundo para a construção de navios no país. O diretor executivo da Abac, Luis Fernando Resano, ressalta que as empresas de cabotagem sempre vão precisar de reparo e manutenção.
A Lei do AFRMM 10.893/2004 prevê o ressarcimento das empresas brasileiras de navegação (EBNs) e a não incidência do AFRMM para cargas com origem ou destino às regiões Norte e Nordeste, o que representa quase 100% das cargas transportadas pelas empresas de cabotagem. A legislação estabeleceu que os recursos gerados pelas EBNs de cabotagem gerariam o benefício do recolhimento do AFRMM direto para EBNs.
Desde 1997, o governo concede incentivo a usuários da cabotagem e navegação interior, que não precisam pagar o AFRMM. O processo de ressarcimento hoje é controlado pela Receita Federal (RFB), que deposita esses recursos carimbados em contas vinculadas. Essa é uma destinação específica para construção ou pagamento de financiamento do FMM para docagem, reparo e manutenção em estaleiros no Brasil.
As empresas de cabotagem têm mais de R$ 1,5 bilhão a receber de recursos do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) que estão retidos na Receita Federal (RFB). De acordo com a Abac, são processos de mais de três anos que as EBNs têm direito e que, por lei, devem ser obrigatoriamente aplicados na indústria nacional em, no máximo, três anos.
A associação avalia que o sistema funciona bem, porém o atraso nos ressarcimentos impede investimentos no curto prazo na economia nacional com potencial de gerar emprego e renda. Segundo Resano, essa retenção dos ressarcimentos prejudica o desenvolvimento das atividades econômicas e faz com que as EBNs façam as contas e comparem onde é mais vantajoso fazer o reparo, considerando custos do serviço e do deslocamento das embarcações. “Começam a entrar outros fatores que desvirtuam o recurso. Por que reter, se vai irrigar a economia e a atividade dos estaleiros? Os navios continuam obrigados e fazendo a docagem e manutenção com recursos próprios”, comentou Resano.
Nas discussões da Lei 14.301/2022, que criou o programa BR do Mar, o Syndarma/Abeam atuou junto ao MPor e o Congresso para inserção de uma emenda para que a Lei 10.893/2004 trouxesse previsão expressa para utilização dos recursos para manutenção e para permitir que as EBNs tomassem recursos diretamente para a contratação de serviços e a aquisição de equipamentos. A Lei 10.893 trazia expressamente previsão para utilização dos recursos FMM para docagem e reparo, mas não para manutenção.
Essa simples alteração para a inserção de um vocábulo foi suficiente para aumentar a possibilidade de utilização desses recursos para manutenção, já que o agente financeiro segue estritamente o que está na legislação. “Isso foi muito bom porque ampliou a utilização dos recursos do fundo”, celebrou a então vice-presidente executiva do Syndarma/Abeam, Lilian Schaeffer, que participou no evento sobre reparo.
A alteração da lei permitiu que o agente financeiro possa conceder esses recursos para manutenção preventiva e corretiva. “Estamos ‘ensinando’ as empresas a buscarem esses recursos para poder viabilizar sem impactos aos seus fluxos de caixas”, disse Lilian. Ela contou que as empresas ainda não tinham o hábito de solicitar recursos do FMM para manutenção, assim como faziam para docagens. A docagem quinquenal, por exemplo, gera volumes expressivos de recursos utilizados a cada cinco anos. Ela explica que, como a frota de apoio possui embarcações complexas, os recursos são essenciais para os serviços.
Na visão da Abac, houve evolução nos processos de concessão de prioridade de recursos para docagem porque antes havia muito engessamento quanto ao detalhamento dos serviços a serem executados, sendo que muitas vezes isso é conhecido depois que o navio entra no dique.
As empresas de navegação também têm debatido com o ministério e agentes financeiros a previsão para contratação de ‘empresa especializada’. A lei trouxe essa inovação, dizendo que o armador poderá se valer de recursos do fundo para contratação de empresas especializadas. Num primeiro momento, houve uma lista considerada restritiva onde ‘empresas especializadas’ seriam empresas especializadas de estaleiro. “Há uma permanente interação do setor privado com MPor e agentes financeiros para aprimorar a redação e dar conforto a todos para a utilização máxima dos recursos do fundo”, frisou Lilian.
O coordenador geral de fomento do MPor, Fernando Pimentel, explicou no evento que o financiamento pode ser concedido na docagem, reparo, manutenção, modernização e jumborização. “Todas essas modalidades estão previstas para esse tipo de projeto”, afirmou. Ele sugere que empresas comecem relacionamento com agentes financeiros o quanto antes, em vez de esperar a publicação da resolução para ir atrás do agente financeiro. A recomendação, segundo ele, vale principalmente se a empresa não tem um relacionamento prévio com o agente, já que se trata de um processo moroso e complicado.
“Existem empresas que conhecem bem o procedimento e, assim que sai a publicação, na semana seguinte já aparece contrato para equipe técnica do MPor. O relacionamento com agente financeiro tem que ser começado muito antes”, sugere Pimentel.
Ele não considera que a dificuldade de antever a despesa seja um problema para o financiamento, já que pode ser feito com despesas comprovadas e realizadas até 180 dias anteriores ao protocolo do projeto no FMM. Ele esclarece que projetos de reparo e manutenção são realizados já depois da obra concluída. “Se for um pedido da instituição financeira para a gente, eles têm adiantamento integral de recursos. O relatório de comprovação é entregue depois da liberação financeira”, detalha Pimentel.
O coordenador afirma que a condição que o FMM tem para esse tipo de projeto é a melhor possível: poder entregar o pedido posteriormente, com a liberação integral do recurso após o contrato assinado. Ele cita casos em que o contrato chegou com pedido de liberação integral e, com 15 dias da assinatura do contrato, o dinheiro foi transferido para a empresa e a comprovação foi feita posteriormente. “Acho que usam pouco o recurso do fundo para reparo, manutenção e docagem, dado o potencial da frota brasileira”, comenta.
Pimentel garante que a empresa que entrega o projeto para o CDFMM no prazo da reunião com toda a documentação necessária sempre terá o projeto submetido para próxima reunião do conselho diretor. Um dos desafios do ministério é fazer com que, com base no histórico da empresa, possa ser elaborado um plano futuro, de dois a três anos de reparo e docagem, por exemplo. Seria um financiamento em que a empresa poderia ir sacando do montante já pré-aprovado durante um período específico, onde o plano inteiro dela de reparo e docagem seria contemplado. Dessa forma, em vez de mandar projetos a cada reunião do fundo, seria apreciado um grande projeto da empresa por um período maior.
O Estaleiro São Miguel (RJ), dedicado à construção e reparo, é uma das unidades de negócios do grupo Bravante. O coordenador comercial do estaleiro, Marcos Porto, conta que o estaleiro inicialmente foi construído para manutenção e construção das embarcações próprias, mas hoje constrói e repara para terceiros. O São Miguel conta com dois diques que, ao longo dos últimos anos, têm tido 96% de taxa de ocupação.
O dique 1 tem 96 metros de comprimento por 22 metros de boca e 4,80 metros de profundidade. Doca embarcações com até 4,30 metros de calado e conta com um pórtico com capacidade de 100 toneladas de elevação. O dique 2 tem 110 metros de comprimento por 26 metros de boca, 6 metros de profundidade e doca até 6,5 metros de calado, contando com um pórtico com capacidade de 160 toneladas de elevação, 120 metros de cais e 5,5 metros de profundidade.
Entre os projetos que passam por reparos e troca de chapas de aço estão os dois navios salineiros da Salinor (Navenor) construídos pelo São Miguel e que operam na região Nordeste. Porto diz que uma das estratégias é fechar os contratos com seis a sete meses de antecedência. “Negociamos com nosso fornecedor de chapa (Usiminas) com prazo e preço mais atrativo. Temos facilidade e fidelidade desse cliente”, destaca Porto.
A Norsul considera que a satisfação com os serviços passa pelo atendimento dos pilares segurança, qualidade, custo e prazo. A empresa avalia que os estaleiros nacionais vêm melhorando nos últimos anos, principalmente em relação aos dois primeiros quesitos. O gerente-executivo de frota da Norsul, João Bottoni, conta que em serviços recentes não houve registro de acidentes com afastamento e nenhum retrabalho após a docagem.
Em contrapartida, a empresa ainda identifica pontos para evolução quanto à entrega e ao valor dos serviços. “Custo e prazo, principalmente quando comparado com estaleiros fora do Brasil, ainda é um gargalo”, apontou Bottoni durante o evento do Sinaval/Abeemar sobre reparo e manutenção.
Enquanto um Panamax docado fora do Brasil fica, em média, oito a 10 dias em dique seco, esse tempo no Brasil pode chegar a algo entre 30 e 40 dias.
“Esses dois pilares estão fortemente ligados e impactados pela eficiência, que é o tempo que o estaleiro gasta para realizar as atividades”, analisa. O gerente lembra que, consequentemente, mais tempo no dique representa maior custo com afretamento de navio substituto e perda de receita. Ele acrescenta que a deficiência da capacidade instalada faz com que esse prazo aumente quando existem demandas extras após a docagem. “Sabendo que é natural que docagem exijam trabalhos extras, o cronograma tem que ser o mais realista possível”, comenta.
Bottoni explica que a Norsul costuma fazer especificações de docagem bastante detalhadas para evitar variações orçamentárias. A empresa procura entrar em contato com estaleiros quatro a seis meses antes para discutir o escopo. Segundo o gerente, isso esbarra na metodologia que cada estaleiro usa para precificar sua demanda. “Talvez a padronização dessas propostas seria uma das principais demandas. Já tentamos criar uma planilha própria de precificação na Norsul, mas cada estaleiro tem um método diferente de executar”, sugere.
Ele entende que docagem e reparo são temas estratégicos da operação, na medida em que a sinalização de atraso é importante para a empresa saber com antecedência e tentar executar um plano de ação com foco em soluções ágeis. “Para desenvolver transporte marítimo e fluvial no Brasil, precisamos tratar manutenção e reparo como algo estratégico, e não apenas operacional”, salienta Bottoni.
O diretor de produção e manutenção da Wilson Sons, Leandro Aversa, percebe que os estaleiros precisam ser reconhecidos cada vez menos como empresas de solda, o que aumenta a importância da experiência tecnológica. “O estaleiro tem que pensar de outra forma: como entra na cadeia de valor do operador para prover soluções e competências”, sugeriu durante o evento. Para Aversa, os desafios passam em como os armadores entendem que estaleiros podem suportá-los na questão de eficiência energética.
Aversa acrescenta que a otimização de atividades faz com que o estaleiro seja visto como ente da cadeia que vai impulsionar o armador a ter uma melhor operação, e não como uma instalação que vai ficar com a embarcação retida. Ele observa o uso de dados para otimização do planejamento, o que ajuda os estaleiros a terem programação anual e facilita superar as dificuldades.
Considera que o uso de dados para alta performance da frota ajuda bastante na predição de falhas e tendências. A coleta abrange dados e informações de consumo e variáveis de operação de motores, propulsores e geradores. “Isso tudo entra no sistema de comparação de cenários. Comparamos variáveis esperadas com variáveis daquele cenário para entender melhor o que está acontecendo”, detalha Aversa.
O executivo verifica crescimento das demandas e dos valores priorizados pelo FMM desde 2022. Pondera que a demanda nem sempre vem do FMM — eventualmente vem de armadores de forma particular. O diretor de produção e manutenção acrescenta que a perda de capacidade laboral nos últimos anos representa uma perda de competência no setor, que vem buscando suprir os gaps de capacitação. “Falamos em competitividade e a perda de pessoas é uma perda de produtividade impressionante”, alerta Aversa.
Para a Elcano, que opera na cabotagem de granéis, existem poucas possibilidades de docagem no Brasil. O diretor da empresa, Armando Panichelli, diz que o ideal é que o local dos reparos seja próximo de onde os navios trafegam. Panichelli estima que cinco navios da frota são os que têm mais problemas para reparos de docagem no Brasil. “A problemática é que os navios maiores que temos não entram em todos os estaleiros”, lamenta.
Segundo Panichelli, a logística no Brasil é complexa, principalmente para suprimentos, por conta dos prazos dilatados. “Toda a indústria vem sofrendo com os sobressalentes porque, muitas vezes, os prazos não são cumpridos, inclusive com fornecedores internacionais. Isso acontece no mundo todo. Falta de planejamento é um dos fatores que mais nos afeta”, afirma. Ele também relata que o país sofre com problemas de mão de obra qualificada para atender manutenção de questões operativas dos navios.
Outra dificuldade é conseguir no Brasil, em quantidade suficiente, equipamentos para a pintura especial para tanques, que precisam de tratamento específico, que segue parâmetros muito restritos. “Infelizmente tivemos que sair do Brasil e perdemos a oportunidade de recuperar investimentos através do FMM”, pontua.
O gerente-executivo de engenharia e manutenção de navios da Transpetro, Flávio Gabina, diz que a empresa tem mantido conversas com os principais estaleiros nacionais, buscando aproximar e desenvolver docagem de navios de maior porte no Brasil. Parte da frota que opera fora do país, como aliviadores, recebe serviços no exterior por não terem facilidade de docagem no Brasil. “Tenho certeza de que aprimorando as técnicas de docagem desse navio em particular, vamos conseguir desenvolver aqui no Brasil”, ressalta Gabina.
Ele destaca que a Petrobras tem iniciativas para desenvolvimento de startups e que, dentro desse projeto, a Transpetro busca desenvolver soluções digitais para aprimorar a eficiência energética com emprego de tecnologia. “Encontramos soluções no exterior e observamos que poderia estar disponível e ser desenvolvido aqui no Brasil”, comenta Gabina, reforçando que desde 2023 a empresa busca, na construção e reconstrução de alguns projetos estratégicos, atuar próxima do mercado para que as demandas façam sentido para a indústria local.
A Transpetro hoje tem uma frota de 33 navios, 26 deles construídos no Brasil. Cerca de metade dos 33 navios é focada no mercado internacional, atuando em países como China, Índia e Estados Unidos. São 10 Suezmax, cinco Aframax, sete Shuttle Tankers, seis LPG Carriers, quatro navios de produtos e um Panamax. A empresa conta com um centro de controle nacional e um centro de monitoramento de navios (CMAN), que permite monitorar a frota. A Transpetro também dispõe de um centro de treinamento na formação de seus profissionais, tanto marítimos quanto de terra.
Os contratos de manutenção dos navios são gerados por processos de licitação, seguindo ritos de contratação via plataforma Petronect. Alguns equipamentos e sistemas são direcionados para contratação direta em função da expertise de determinados fabricantes. Entre os desafios atuais estão a descarbonização e o aumento da eficiência operacional.
A Transpetro enxerga na digitalização um ponto de solução para atender aos parâmetros de descarbonização e de aumento de eficiência, por meio do emprego de tecnologias e soluções digitais. Também há uma preocupação de preparação de profissionais de mar e de terra, com a qualificação de como estão chegando ao mercado para operar com essa quantidade de tecnologia hoje empregada nos navios.
O secretário nacional de hidrovias e navegação (SNHN), Dino Antunes, diz que, além dos movimentos de construção naval, com destaque para os programas de renovação da frota da Transpetro (TP25) e das embarcações de apoio que operam para a Petrobras, existe um aquecimento de atividades como manutenção, reparo e desmantelamento. “É um momento interessante. Tem segmento do petróleo importante, com política pública puxando. Só que vários outros setores da indústria naval também estão aquecidos”, afirma Antunes, que é presidente do CDFMM.




