Em meio à crise da construção naval brasileira, com escassez de encomendas e magra carteira de projetos, algumas oportunidades de recuperação do setor começam a ser vislumbradas, a partir da retomada dos leilões de áreas de petróleo pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
As estimativas de crescimento de extração de petróleo jogam a favor. Segundo a ANP, até 2027, a produção nacional deverá atingir 5,5 milhões de barris diários, o que impulsionará a demanda por equipamentos, navios e barcos de apoio às atividades offshore.
Mas até que ponto essa nova demanda será atendida por estaleiros brasileiros? Especialistas do setor e empresários da construção naval temem que o mercado venha a ser suprido em grande parte por encomendas no exterior. Mudanças nas regras de conteúdo local e dificuldades de constituição de garantias nos financiamentos preocupam construtores navais que participaram do seminário “O Futuro da Indústria Naval”, realizado pelo Valor, na segunda-feira, com patrocínio do EAS.
“Não enxergo para a indústria nacional demanda nem da Petrobras, nem de outras empresas do setor”, ressalta o presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) Harro Burmann, constatando que “todos estão indo para o afretamento”. Segundo Burmann, o EAS fez o dever de casa: “Do primeiro ao último navio produzido no estaleiro, quintuplicamos a nossa produtividade. A redução de custos foi de quase 40% em três anos, e o ciclo de produção caiu de 44 meses, na primeira embarcação, para 16 meses”, diz ele, pronto para novas encomendas, capazes de deter a ameaça de fechamento do estaleiro de Pernambuco.
Para o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Ariovaldo Rocha, as mudanças nas regras de conteúdo local comprometem o futuro dos estaleiros. Ele já entrou com pedido no Tribunal de Contas da União (TCU) contra aditivos contratuais que reduzem percentuais de conteúdo local. “A regulação do setor agora é feita por auditores do TCU”, ironizou o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviário (Antaq), Mário Povia.
O diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Décio Oddone, pensa diferente. Ele defende as novas regras de índice de nacionalização e acredita que a melhor alternativa para o avanço da indústria de petróleo e gás é a construção de um consenso.
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), José Firmo, observa que a demanda do setor naval deverá se intensificar na próxima década, quando as áreas que estão sendo leiloadas passarem da fase de exploração para o desenvolvimento de produção. Para ele, a indústria naval tem de se preparar para desafios tecnológicos do futuro próximo, quando os avanços da indústria 4.0, por exemplo, alterarão as relações do setor.
Para o presidente da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), Cleber Lucas, uma das medidas para viabilizar encomendas no mercado interno é o compartilhamento de riscos e garantias nos financiamentos entre o armador e o estaleiro. “Hoje, o risco é todo assumido pelo armador. A divisão desses riscos poderá destravar um setor que tem grande potencial de encomendas em estaleiros nacionais”, afirma. “Os armadores estão prontos e ansiosos por novas embarcações. Temos oito pedidos de prioridade no Fundo da Marinha Mercante”, acrescenta Lucas, lembrando que “em dez anos, acrescentamos à frota 22 embarcações, mas, apenas quatro foram construídas no Brasil”.
Mark Juzwiak, diretor da Aliança Navegação, renovou a frota de cabotagem da empresa entre 2003 e 2015. Na época, os estaleiros brasileiros estavam abarrotados com encomendas da Petrobras e os pedidos da Aliança foram, então, colocados no exterior. “Importamos seis navios de 4,8 mil e 3,8 mil TEUs, da China. Não podíamos esperar. Hoje, os estaleiros nacionais estão precisando de pedidos e gostaríamos de construir no Brasil”, afirma. Para as encomendas internas se concretizarem, diz ele, é preciso equacionar questões de garantias aos financiamentos e preços das embarcações.
Os entendimentos passam pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), criada há cinco anos. Segundo o diretor presidente da agência, Guilherme Estrada, já há duas operações estruturadas contra risco de performance dos estaleiros e contra risco de crédito para os agentes financiadores. Além disso, “estamos olhando operações de sete embarcações”, diz ele, “pronto para conversar com armadores, bancos e estaleiros e estruturar garantias de projetos para construção no Brasil”.
O FMM tem recursos disponíveis para financiar a construção naval brasileira e deve fechar o ano com saldo de R$ 8 bilhões. Mas isso não significa excesso de recursos. “Há demanda para esse montante; temos R$ 10 bilhões em projetos aprovados e não contratados”, diz a diretora do Departamento de Marinha Mercante, do Ministério dos Transportes, Karênina Dian.
A contratação de recursos do FMM esbarra na oferta de garantias por parte das empresas, reconhece Karênina, empenhada em viabilizar o fundo garantidor nos financiamentos com recursos do FMM. Ela trabalha também para a modernização de lei, que permita abrir financiamentos do FMM para empresas estrangeiras construírem navios no Brasil.