Começou um novo tempo para o Estaleiro Enseada, na cidade de Maragogipe (BA). Após a densa crise que tanto prejudicou a indústria naval, foram necessárias mudanças na empresa. Após mais de dois anos de um intenso trabalho de reestruturação, chegou a hora do período de colheita dos resultados positivos, conforme revela o presidente da Enseada, Maurício de Almeida. O executivo contou que houve uma expressiva redução de 70% do valor das dívidas da companhia, sendo que os outros 30% foram reestruturados e serão pagos em até 19 anos. Com uma série de conquistas na parte financeira, a parte operacional também traz boas novidades. Existem negociações abertas com potenciais clientes para construção de módulos de FPSOs, um segmento de mercado que desperta bastante interesse da Enseada. Além disso, os planos do estaleiro envolvem reparos de sondas de perfuração, construção de navios de cabotagem e cascos de FPSOs e ainda a implantação do Terminal de Granéis Líquidos. “Investimos pois acreditamos que temos que construir no Brasil os navios e plataformas que o País precisa”, afirmou Almeida.O senhor poderia comentar sobre esse novo momento do estaleiro, após o período de reestruturação e reorganização?
Estamos muito satisfeitos com a reorganização da Enseada, após mais dois anos de trabalho intenso. Fomos frontalmente impactados pela crise na indústria de construção naval. Tivemos contratos paralisados e resultando no desligamento de excelentes profissionais, em um processo muito desgastante e doloroso, mas necessário. Nos últimos anos nos preparamos para uma escala de projetos menor do que aquela que previmos em 2010, quando decidimos investir R$ 3 bilhões no estaleiro mais moderno do Brasil. Agora, queremos olhar para o futuro, sem prejuízo de direitos que julgamos ter. Investimos pois acreditamos que temos que construir no Brasil os navios e plataformas que o País precisa.
Quais foram as principais medidas adotadas durante a reestruturação?
A Enseada passou por uma reorganização societária, iniciada em 2017, que resultou em uma melhora significativa de sua situação patrimonial da companhia, em razão de importantes suportes financeiros realizados por seus acionistas. A Enseada também realizou alterações organizacionais, reduziu o quadro de diretores e implementou o processo de transição do novo Presidente. Atualmente, estamos abertos para novas parcerias e investidores, desde que estes tenham alinhamento com a visão estratégica que temos para a empresa.
Apesar do inadimplemento de pagamentos de nosso cliente ao final de 2014, o estaleiro continuou os projetos com recursos próprios acreditando na continuidade dos mesmos, o que não aconteceu resultando em um endividando da companhia com seus fornecedores. A fim de equacionar a situação financeira, a Enseada iniciou um processo de renegociação de dívidas por meio do Plano de Recuperação Extrajudicial (PRE). Na Extrajudicial, diferente da Judicial, o plano deve que ser aprovado pelos credores antes de ser protocolado na justiça. Após aprovação pelos credores (Jan/17), o PRE foi protocolado perante a Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sendo este homologado ao final de 2017.
Com a Reorganização Societária e a Reestruturação Financeira, conseguimos a expressiva redução de 70% do valor das dívidas da companhia, sendo que os outros 30% foram reestruturados e serão pagos em até 19 anos. Continuamos trabalhando para reduzir ainda mais este valor, mediante negociações em curso com alguns fornecedores.
Por fim, estamos negociando um alongamento do financiamento que tomamos para construir o estaleiro. Este processo está sendo muito bem conduzido e esperamos que seja concluído com sucesso nas próximas semanas.
Outra importante agenda implementada pelo Estaleiro foi o nosso reposicionamento estratégico. Mais do que um estaleiro, hoje somos um complexo industrial e logístico operacional. Aproveitamos a grande área que dispomos e as demandas locais do estado da Bahia para diversificamos nosso negócio. Nós nos abrimos para o mercado de reparos, operações logísticas, transbordo de cargas entre outros negócios, de modo a diversificar as fontes de receita, mitigando os efeitos dos ciclos de baixa e alta do mercado de construção naval. Com capital e mão de obra próprios, concluímos as instalações do estaleiro para módulos de FPSO. Foi um investimento estratégico que assumimos, visando estarmos preparados para a retomada do mercado de Óleo e Gás.
Recentemente, iniciamos o Grupo de Trabalho em parceria com o Governo da Bahia, conduzido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado (SDE), de modo a criar alavancas de competitividade para fomentar a indústria naval. Temos um excelente ativo e a Bahia sempre foi celeiro de excelentes profissionais na área naval e offshore.
Além de embarcações para petróleo e gás, que outros setores ou atividades podem surgir com novas oportunidades?
O setor de óleo e gás tem a maior participação de nosso Business Plan, e módulos de FPSOs tem destaque dentro deste setor. Dispomos de uma área industrial muito grande (equivalente a 211 campos de futebol), com capacidade de construir módulos dentro de nossa oficina e em heavy zones externas, debaixo de nosso guindaste de 1.800t. O maior diferencial de nosso estaleiro é o fato de nosso guindaste de 1.800t poder se projetar sobre as águas, permitindo a integração de módulos com o casco flutuando. Ainda no setor de óleo e gás, miramos os Navios Aliviadores DP2 e Cascos de FPSO, estes, porém, num horizonte de médio prazo, em função das intermináveis discussões sobre Conteúdo Local.
O mercado de cabotagem para navios de grande porte também é um importante negócio para nós. Temos capacidade de processar até 108 mil toneladas de aço por ano (equivalente a 6 navios Aframax por ano).
Estamos participando da tomada de preço para construir quatro Navios de Guerra (Corvetas) para a Marinha Brasileira. Somos parceiros da francesa Naval Group (antiga DCNS) nesta concorrência, continuando a parceria de sucesso que nosso grupo tem no projeto dos submarinos brasileiros, em construção no Rio de Janeiro.
O setor naval ainda está em um momento de baixa. Como vocês planejam superar essa dificuldade?
Devido à grande área que dispomos, vamos implantar um Terminal de Granéis Líquidos, que ocupará menos de 5% de nossa área, com capacidade suficiente para abastecer o estado da Bahia e boa parte do nordeste brasileiro.
Somos um Terminal de Uso Privativo para operações de descarregamento de cargas especiais, em cooperação com o Porto de Salvador.
Temos licença ambiental e calado para realizarmos operações ship-to-ship e continuamos estudando outros mercados como descomissionamento e energia eólica, porém estes ainda carecem de mais maturação.
O senhor espera por uma retomada na contratação de navios, após os recentes leilões de óleo e gás no Brasil?
A retomada dos leilões foi muito importante para nossa indústria, e atribuo principalmente à ANP esta retomada. Nos últimos leilões, além da presença marcante da Petrobras, observamos empresas como Shell, Total e Equinor aumentando suas posições, além da Exxon retornando ao Brasil depois de muitos anos. Para a Enseada, ter novas empresas produzindo petróleo no país, significa diversificar a carteira potencial de clientes, o que é fundamental para um estaleiro do tamanho do nosso.
Além do empenho da ANP, o sucesso dos leilões também pode ser atribuído a alguns outros fatores, sendo os mais importantes: (1) a qualidade de nosso óleo, (2) o fato da Petrobras não ser mais a operadora única do Pré-sal, (3) a alta do preço do petróleo e (4) a redução do Conteúdo Local. E é neste último fator que vejo um problema.
A retomada dos leilões ocorreu com apenas 25% de Conteúdo Local, por definição do Conselho Nacional de Política Energética. Com este percentual de Conteúdo Local, os FPSOs destes campos não serão construídos no Brasil. A meu ver, a justificativa para esta redução de Conteúdo Local é simples, e pouco tem a ver com a “alegada” incompetência da indústria nacional, nossos prazos e nossa qualidade. A explicação para a redução do Conteúdo Local é o financiamento destas embarcações em países asiáticos, com juros menores que no Brasil, mas que exigem que a maior parte do escopo seja construída no país financiador. O que não temos no Brasil, é competitividade de financiamentos de projetos. Outro ponto relevante é o custo Brasil (hoje em 36%), que faz com que qualquer produto fabricado aqui, seja mais caro que um produto asiático.
Entretanto, para os próximos FPSOs que serão licitados relativos aos contratos da 7ª até a 13ª rodadas, acredito que módulos serão construídos no Brasil. Estes FPSO têm Conteúdo Local de 40%, e não de 25%.
O Conteúdo Local é importante para corrigir assimetrias e fomentar a indústria nacional, especialmente pelo fato deste setor não haver uma “barreira” tributária como verificado em quase todos setores industriais brasileiros. Apesar disto, no longo prazo, não desejamos que nossos clientes tenham que construir conosco, desejamos que nossos clientes queiram construir conosco. E para isto é preciso uma Política Industrial, reforma tributária e escala de projetos.
A partir de agora, quais são as metas do estaleiro para o setor de óleo e gás?
No curto prazo, construir módulos de FPSO que serão integrados na China. No médio prazo, construir e integrar módulos de FPSO. No longo prazo, construir também os cascos de FPSO e outros navios. Continuaremos realizando reparos de sonda de perfuração, graças ao excelente calado de 13 metros que temos em nossos 4 cais. Vamos concluir nosso dique seco com 12 metros de profundidade. Paralisamos as escavações quando atingimos 9 metros de profundidade e agora estamos avaliando parcerias que queiram sonhar nosso sonho, colocando skin on the game como nós fizemos até agora.
No momento, existem negociações de novos contratos em andamento (ainda que não possa citar os potenciais clientes)?
Sim. Estamos em negociação com potenciais clientes para construção de módulos de FPSOs, reparos de sondas de perfuração, construção de navios de cabotagem, implantação do Terminal de Granéis Líquidos além de outros negócios que pretendemos divulgar em breve.