Decisões de investimento envolvem incerteza em todos os setores e atividades. Esse atributo, entretanto, ganha relevo implacável na indústria de petróleo e gás natural, cujos projetos são intensivos em capital e possuem longo prazo de maturação, além do risco geológico. O “instinto animal” impulsiona o empresário a tomar risco, mas a decisão de investimento é baseada em previsões objetivas, em cenários que reduzam a incerteza a um número administrável de hipóteses.
O governo brasileiro, a partir das descobertas do pré-sal, em 2006, vislumbrou espaço para maior captura de benefícios e renda nesse setor. Com esse fim, paralisou o processo exploratório para estruturar novo modelo, com um regime regulador misto – contratos de concessão e de partilha, além da cessão onerosa. Esse “freio de arrumação” deixou o país sem rodadas de licitação por cinco anos, interrompendo sequência de dez leilões consecutivos iniciada em 1999 (além da suspensão e posterior cancelamento da oitava rodada).
Após três anos de discussões, o modelo de concessão não sofreu reparos e as participações governamentais foram alteradas apenas em seus critérios distributivos, evidenciando que a manutenção dos leilões para as áreas fora do polígono do pré-sal era não apenas possível, mas necessária. Os efeitos daquela decisão, todavia, são sentidos até hoje, como a descontinuidade da ordem regular de investimentos. Indiretamente, podem ser imputados à falta de rodadas, casos de falência de prestadoras de serviços, a saída do país de petroleiras importantes e a migração de investimentos de brasileiras para outros países.
Setor reclama um objetivo a ser perseguido e medidas que guardem uma lógica entre si e com o objetivo
Ano passado, porém, o então vacilante pêndulo da exploração balançou para o lado da ação e o governo realizou três rodadas, sendo uma com contrato de partilha (pré-sal) e duas com o de concessão, uma delas voltada para áreas terrestres propensas a gás, inclusive não convencional. Este ano, contudo, não haverá rodadas, nem existe certeza se ocorrerão em 2015, o que ofusca o horizonte de previsibilidade.
Na dúvida, as empresas se retraem, sobretudo na exploração em terra, já que para o pré-sal as atividades da Petrobras e suas parcerias asseguram demanda à cadeia de suprimentos. Entretanto, é imperativo incorporar novas reservas em terra, onde a produção está estagnada em decorrência do esforço exploratório ter se concentrado no mar. Falta escala ao mercado onshore, fundamental à logística e à comercialização da produção, o que depende da diversificação dos players e de investimentos em exploração, desenvolvimento e produção. Ou seja, da oferta regular de blocos exploratórios.
É coisa consagrada que o setor de petróleo exige desenvolvimento contínuo e sustentado, que só se alcança pela influência branda mas eficaz da previsibilidade. Nesse sentido, é fundamental que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) trace uma linha de planejamento clara, que respalde a atuação da ANP num cenário de médio prazo. O setor reclama um objetivo a ser perseguido e medidas que guardem uma lógica entre si – e com o objetivo proposto. A percepção de um ambiente de previsibilidade traria incentivos capazes de dinamizar o investimento ao passo que a hiperatividade legislativa deixa o empresariado relutante em assumir riscos.
O exemplo a ser seguido vem do Plano Plurianual de Geologia e Geofísica (PPA de G&G) da ANP. A Agência, que tem procurado atuar com independência, capacidade técnica e isenção, criou o PPA para programar a contratação de estudos e levantamentos geológicos, geofísicos e geoquímicos num horizonte de cinco anos, para incrementar o conhecimento das bacias sedimentares brasileiras e motivar seu aproveitamento econômico.
O PPA de G&G resultou em considerável ampliação do conhecimento geológico e do nosso potencial petrolífero. Trata-se do uso adequado de instrumento de planejamento governamental de médio prazo, que teve uso ideologicamente diversificado ao longo da história: da Revolução Russa de 1917 ao New Deal dos anos 30, Plano Marshall à atuação da Cepal nos anos 50 até a crise do petróleo nos anos 70.
Incorporar – ou mesmo sincronizar – o PPA de G&G a um PPA de rodadas de licitação de blocos permitiria às empresas concessionárias e à cadeia de fornecedores de bens e serviços o planejamento de seus investimentos com salutar antecedência. Por meio do plano, o CNPE, com suporte técnico da ANP e ouvindo as empresas, anunciaria um cronograma de realização de rodadas nos cinco anos subsequentes, com proposta inicial de bacias e blocos a serem ofertados.
Entre os benefícios, pode-se elencar: 1- economia, potencialização e melhor aproveitamento dos recursos públicos do PPA de G&G, pois a previsibilidade impulsionaria levantamentos especulativos, sem custo para o país, para venda às concessionárias; 2- período de tempo apropriado para concessionários estudarem as áreas ofertadas; 3- adequada sinalização temporal para a indústria fornecedora, que poderia investir de acordo com a projeção de demanda indicada pelo calendário de rodadas; 4- planejamento coerente e harmônico de políticas públicas de conteúdo local, de P&D, de recursos humanos, de financiamento, etc; e 5- maior competição nos leilões.
A cada ano poderia ser realizada, por meio de audiência pública, uma avaliação do PPA, com possíveis revisões e adequações a partir da realidade objetiva, permitindo à ANP e ao governo aperfeiçoar seu planejamento, inclusive se utilizando de pesquisas de satisfação dos agentes do setor.
Há amplo espaço, e mesmo uma necessidade, para se avançar em um projeto articulado que assegure maior atratividade para o upstream brasileiro e represente a ampliação das províncias produtoras atuais. O efetivo alcance desse objetivo requer a previsibilidade que só um PPA pode assegurar.
Marcos Cintra, executivo do setor petrolífero especializado em economia e gestão em energia (Coppead-UFRJ), é mestre em políticas públicas, estratégias e desenvolvimento (IE-UFRJ).