A construção de uma plataforma para produção de petróleo no mar sempre foi sinônimo de orçamentos altos e muitos empregos pela complexidade dos projetos. Mas quando ela tem que sair de cena, a sua destruição também demanda investimentos e abre oportunidades.
Um estudo da consultoria internacional Wood Mackenzie aponta que a transformação de milhares de toneladas de aço de plataformas em sucata desponta como um mercado promissor no Brasil. Deve movimentar entre US$ 14,5 bilhões e US$ 16 bilhões — quase R$ 90 bilhões — até 2029.
Uma plataforma de petróleo tem vida útil de cerca de 25 anos, que pode ser estendida por mais algum tempo com reformas. De acordo com o estudo, pelo menos 102 unidades (31 flutuantes e 71 fixas) devem ser “aposentadas” ao longo desta década no país.
Pode parecer um contrassenso referir-se à destruição de uma plataforma como investimento. Mas, como a retirada de operação delas envolve uma série de procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em conjunto com Ibama e Marinha, as petroleiras precisam prever um orçamento considerável para este momento.
As exigências da regulação, renovada em abril, abrem oportunidades para uma série de prestadores de serviço, da engenharia aos rebocadores, e envolvem principalmente os estaleiros.
Gargalos nos estaleiros
Enquanto a primeira etapa de desmonte no mar, onde a unidade produz, deve ser feita por empresas internacionais especializadas, desmantelamento e reciclagem podem ocupar estaleiros no país, ociosos desde a quebradeira pós-Lava Jato e o freio nas encomendas da Petrobras.
A ANP prevê que, só nos próximos cinco anos, pelo menos US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) serão investidos em descomissionamentos, como é chamado o desmonte dessas unidades e de todos os equipamentos instalados no fundo mar em torno delas. Mas as cifras podem ser maiores.
A agência já aprovou processos de descomissionamento de 21 sistemas de produção e outros 14 estão em análise. A Petrobras anunciou recentemente que investirá ao menos US$ 6 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões) em descomissionamentos até 2024. Segundo a estatal, 18 de suas plataformas sairão da operação nos próximos anos. Algumas têm mais de 40 anos.
A ANP diz que as regras visam ao maior número possível de atividades no Brasil, mas Fernanda Pedó, analista de Pesquisa para a América Latina da Wood Mackenzie, tem dúvidas quanto à capacidade de execução de todos esses serviços no país no primeiro momento:
— Acreditamos que as unidades flutuantes, a curto prazo, sejam mandadas para estaleiros de descomissionamento asiáticos, porque os diques secos aqui no Brasil ainda não são tão grandes para recebê-las. E também falta uma definição para o descarte de alguns materiais, como o radioativo, que ainda não tem uma destinação muito certa. Pode ser um gargalo.
Segundo a ANP, a regulamentação prevê a retirada total de resíduos e o tratamento desses materiais, sendo o tratamento do crustáceo coral-sol de competência do Ibama e o de resíduos radioativos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).
O número de unidades perto da aposentadoria faz do Brasil o terceiro maior mercado da indústria mundial de desmonte de plataformas de petróleo, que somará US$ 104,6 bilhões até o fim da década. O país só deve ser superado pelo Reino Unido, que vai gastar US$ 23 bilhões no período. Os EUA terão demanda similar à do Brasil: US$ 14,7 bilhões.
Fragilidade financeira
As cifras podem estimular estaleiros brasileiros a se preparem melhor, mas o problema é que estão financeiramente muito fragilizados. Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval, que reúne as empresas do setor, diz que, sem perspectivas de encomendas de novas embarcações para a indústria de petróleo, o desmantelamento pode até ajudar, mas não é solução para a crise dos estaleiros:
— Não resolve, porque o estaleiro foi feito pra construir, não para destruir, mas ajuda — diz Bacci, que cita dificuldades tributárias e no custo de mão de obra e cobra incentivos dos governos federal e estaduais para que estaleiros tenham condições de competir nesse novo mercado.
No estado do Rio, 17 plataformas estão perto da “aposentadoria” na Bacia de Campos, no Norte Fluminense. Karine Fragoso, gerente de Petróleo, Gás e Naval da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), está otimista com os negócios e empregos que os descomissionamentos podem gerar em vários setores, como os de projetos de engenharia, análises de riscos e socioambientais, movimentação de cargas, montagem de andaimes e suportes, serviços de corte e solda, inspeção submarina e gerenciamento de resíduos.
— Há uma série de serviços que podem ser dinamizados e se especializar. Isso é o início de um ciclo longo — diz ela.
Maurício Almeida, diretor da Sigma Consultoria e Perícia, também vê chance para a capacitação de empresas:
— É uma oportunidade não apenas para o surgimento de novas empresas de engenharia especializadas, mas também para as que hoje estão subutilizadas, como os estaleiros. Poderiam se adaptar a esse novo tipo de serviço construindo centros de desmantelamento. E ter uma unidade de tratamento do material radioativo no Brasil é fundamental.
EAS se prepara para desmontar
Em junho, fez um ano que o último navio construído no Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Pernambuco, foi entregue à Transpetro, subsidiária da Petrobras. Sem novas encomendas e em recuperação judicial, o estaleiro se prepara para ter o primeiro centro de desmantelamento e reciclagem de plataformas do país.
A presidente do EAS, Nicole Terpins, conta que a empresa decidiu diversificar as atividades. Desde o ano passado, faz reparos em navios e fabrica torres eólicas.
Essas atividades no gigantesco e moderno estaleiro, construído para fabricar petroleiros e plataformas no complexo portuário de Suape, não se comparam em termos de geração de emprego com a construção de embarcações, mas garante a sobrevivência.
— Entendemos que a demanda por desmantelamento e reciclagem de plataformas vai acontecer. Estamos investindo para que o EAS esteja preparado e seja a melhor opção no Brasil para esse tipo de serviço — diz Nicole.
Vantagem em plataformas fixas
Ela pretende oferecer num só lugar todos os serviços necessários ao desmonte de uma plataforma, incluindo a descontaminação e limpeza do Norm, um resíduo radioativo do petróleo que fica em alguns equipamentos; a remoção do coral-sol, uma espécie introduzida no Brasil por meio de peças importadas que é prejudicial à biodiversidade marinha e costuma se reproduzir nas estruturas; e a destinação final de todo o material.
Para a executiva, as empresas brasileiras têm mais condições de competir pelo descomissionamento de plataformas fixas. No caso das plataformas flutuantes, como as do tipo FPSO, ela vê mais dificuldades:
— A gente acredita que a indústria tem condições de fazer e de ser competitiva, mas tem desafios , como questões tributárias e o “custo Brasil”, a serem superados. Há uma tendência a levar esses descomissionamentos para fora.
Para a instalação do seu centro de desmantelamento de plataformas, o EAS vem fazendo parcerias com empresas estrangeiras especializadas do setor. Ao mesmo tempo, vem obtendo todas as licenças ambientais necessárias. A última que falta é para uma unidade específica de tratamento dos resíduos de Norm. O EAS já tem a licença para a remoção do coral-sol no dique seco.
Fonte: O Globo